À espera: gestantes que tomaram 1ª dose da AstraZeneca cobram conclusão de vacinação

João Victor Souza | 23/07/21 - 21h00

Para as mulheres que sonham em ser mãe, dar à luz um bebê é uma jornada de amor que tem início na gestação e tem duração pela vida inteira. No começo de tudo, em cada estágio do desenvolvimento do feto, a futura mamãe vive seus momentos de fascínio, de encantamento, à espera do filho que logo vai chegar. 

Mas a pandemia do novo coronavírus que assola o mundo há aproximadamente 20 meses já trouxe números assustadores de mortes e de histórias tristes para milhares de famílias. A chegada das vacinas deu um sinal de esperança para o controle da Covid-19. E para um grupo de gestantes, a espera para receber a segunda dose do imunizante despertou inquietação durante o período mágico que a gravidez oferece e expôs as angústias com indefinições e incertezas, além do medo pelo risco de infecção do vírus.

Quem tomou a primeira dose da vacina da AstraZeneca/Oxford em Alagoas precisa esperar o nascimento do filho e ainda respeitar o período de 45 dias pós-parto para enfim poder ter a dose, pela segunda vez, do imunizante do mesmo laboratório. O Estado segue a recomendação do Ministério da Saúde (MS), porém como municípios como Rio de Janeiro e São Paulo deram início à vacinação da segunda dose para este grupo com aplicações da Pfizer, as alagoanas querem saber: Por que não aqui?

A terapeuta ocupacional Kamila Saraiva está com cinco meses de gestação e tomou a primeira dose da Astrazeneca no mês de abril, no início da gravidez. Ela já integrava o grupo prioritário, à época, por ser profissional de saúde. Em entrevista ao TNH1, ela revelou que esteve, na última quarta, 21, em um ponto fixo de imunização na capital, para tomar a segunda dose do imunizante, mas foi orientada a só retornar ao posto 45 dias após o puerpério, ou seja, 1 mês e meio depois do parto.

"Eu fui no posto que fica no shopping em Mangabeiras, e o pessoal disse que simplesmente não tem uma posição, nem a nível municipal, nem estadual, quanto ao que vão fazer. Estão verificando se eu poderia tomar a Pfizer, ou a CoronaVac, ou se eu ficaria esperando até ter neném, e aí só após 45 dias depois, para tomar. Eu achei um absurdo porque não posso esperar por tanto tempo, pois sou grupo de risco. Vejo que outros estados estão vacinando", disse.

Kamila disse que procurou o ponto de vacinação em Mangabeiras (Foto: Arquivo pessoal)

Ela lembrou que no período em que foi vacinada não havia restrição para gestantes. Kamila afirmou ainda que atende pacientes idosos, que fazem parte do grupo de risco, e que o trabalho dela reforça a necessidade de terminar o esquema vacinal. "Como terapeuta ocupacional, eu só trabalho com pessoas idosas, e mesmo elas vacinadas, eu preciso estar também [...] Eu estou na rua diariamente, trabalho com idosos e não posso me vacinar pela segunda vez, estou totalmente exposta", destacou.

"É a minha vida, é o meu bebê"

Além de exercer a profissão como autônoma, Kamila também está à frente de um estabelecimento comercial e tem que lidar com público todos os dias. Apesar de seguir o protocolo de segurança, com as medidas sanitárias recomendadas pelo Plano de Distanciamento Social Controlado, ela teme ser contaminada pelo vírus no período de gestação.

"Eu trabalho com meu esposo, e tento colocar ele para atender o público. Mas quando tem muito movimento, eu tenho que atender também. Eu saio com a máscara N95 e vou atender, mas não me dá confiança em ficar no atendimento, porque só tomei uma dose e não estou totalmente imunizada", lamentou.

"Infelizmente as pessoas não conseguiram introjetar a ideia de uso de máscara até hoje. Tem aviso na entrada, no balcão, que o cliente precisa estar com máscara, só é permitido entrar com a máscara, mas não tem jeito, muitos falam que esqueceram. Eu peço para voltar e buscá-la, pois é muito delicado, ainda mais para mim, que estou grávida", acrescentou Kamila.

Ela também contou que não pode se ausentar do trabalho, pois necessita da renda. "Muitos podem falar que por estar grávida eu deveria estar descansando em casa, mas eu sou autônoma, se eu parar, eu não recebo. Se eu não trabalhar, eu não como. A gente briga, e continua brigando, para que tenhamos uma resposta. Não tem só eu, há outras mulheres além de mim. E aí? É a nossa vida, é a minha vida, é o meu bebê", desabafou.

Quase um ano de espera

Colega de profissão de Kamila, Claudjane Soares também vive a mesma angústia de não poder se vacinar durante a gestação. A segunda dose dela seria na próxima semana, porém a terapeuta ocupacional engravidou após tomar a primeira dose e, de acordo com o que determina o estado atualmente, ela só deve ser vacinada 45 dias após o nascimento do bebê, isto significa quase um ano depois da aplicação da dose de AstraZeneca.

"Eu tomei a vacina no começo de maio. Quando tomei a primeira dose, não estava grávida. No final do mês, eu engravidei, e hoje estou com nove semanas de gestação. A minha segunda dose seria aplicada no dia 30 de julho, no entanto, não vou poder tomar porque estou grávida", lamentou. Vale destacar que o MS recomenda doze semanas, isto é, três meses de intervalo entre as doses de AstraZeneca, porém este mês, alguns gestores decidiram encurtar o período para ampliar a proteção da população contra a variante Delta do coronavírus.

"Eu fui afastada do trabalho presencial logo quando descobri a gravidez. Hoje faço serviço remoto, trabalho de casa. Quando soube que não ia poder tomar a segunda dose da AstraZeneca, me bateu uma angústia. Pensei na possibilidade de tomar a Pfizer, porque vi que está sendo aplicada em outros estados. Me sinto com medo, prejudicada, porque vejo que em outro lugares pessoas com acesso à segunda dose com outra vacina e aqui a gente não consegue", continuou.

Claudjane tomou a primeira dose de AstraZeneca em maio deste ano (Crédito: Arquivo Pessoal)

Claudjane argumenta que estudos comprovam que a mãe pode transmitir anticorpos para o bebê e que há casos, tanto no Brasil quanto fora do país, de recém-nascidos com imunidade para o coronavírus. Ela tem a expectativa de que o estado adote a vacinação para o grupo com Pfizer, estratégia de vacina diferente que já é seguida por nações como Reino Unido, Alemanha, Itália, Espanha, Canadá e Coreia do Sul.

"De certa forma, mesmo eu não indo trabalhar, eu preciso ir para as consultas médicas, para realizar compras de remédio, de alimentos para dentro de casa, então estou lidando com o público. Eu coloco em risco duas vidas, a minha e a do bebê. Meu maior desejo hoje é que isso seja liberado, até porque há estudos que comprovam que a imunidade de mãe passa para o bebê, para que eu possa tomar a vacina e para que o meu bebê venha ao mundo imunizado, livre dessa doença", explicou.

Alagoas segue a recomendação do MS

Em nota encaminhada à reportagem do TNH1, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesau) comunicou que o Governo permanece com as orientações da Coordenação Nacional do Programa Nacional de Imunização (CGPNI), ligadas aos especialistas da área com embasamento científico. De acordo com o órgão, caso tenha aprovação da medida, após essas discussões técnicas, Alagoas deve acompanhar a determinação.

"A Assessoria de Imunização da Sesau segue as orientações da Coordenação Nacional do Programa Nacional de Imunização (CGPNI), órgão vinculado ao Ministério da Saúde (MS), que, por sua vez, é guiado por discussões em câmaras técnicas com especialistas da área, que atuam mediante embasamento científico. Com isso, assim que ocorra a aprovação desta medida pela CGPNI, Alagoas seguirá a recomendação."

A Prefeitura de Maceió se manifestou através da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e reforçou que o início de vacinação de mulheres deste grupo depende de decisão da Sesau e do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Alagoas (Cosems).

Procurado pela reportagem, o Cosems afirmou que os estados que escolheram vacinar as gestantes com outra marca de vacina "estão fazendo por conta e risco próprios". O Conselho destacou ainda que não existe nota técnica e nem orientação do MS sobre o assunto. Inclusive, a pasta de Saúde continua com a recomendação de que não se faça a intercambialidade entre vacinas, uma vez que não há estudos científicos que comprovem a eficácia.

Rio de Janeiro e São Paulo autorizam dose da Pfizer

No final de junho, o estado do Rio de Janeiro autorizou que grávidas que tomaram a primeira dose da AstraZeneca recebessem a segunda dose da Pfizer. Segundo a Secretaria de Saúde, os resultados preliminares de estudos internacionais, que foram mencionados pelo comitê científico do município, mostram que a combinação das doses traz conclusões eficazes contra o vírus.

Nessa semana, foi a vez de São Paulo seguir o mesmo caminho. A partir de hoje, as grávidas e puérperas já podem tomar a segunda dose da Pfizer. Anteriormente, o estado continuava com a recomendação do Ministério da Saúde, mas entende que a mistura das doses não aumenta efeitos adversos, já que há outros países que recomendam a combinação.

MS sinaliza com mudança

Na noite dessa sexta-feira, 23, a coluna Painel, da Folha de São Paulo, obteve o texto da nota técnica elaborada pelo Ministério da Saúde, no mesmo dia, que diz que mulheres grávidas ou no puerpério que tomaram a primeira dose de Astrazeneca deverão ser imunizadas com uma dose da Pfizer ou, na ausência dela, da Coronavac. O documento foi elaborado pela Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19.

Segundo o Painel, a nota técnica nº6/2021, trouxe o assunto da intercambialidade de vacinas para Covid-19, com a possibilidade de usar imunizantes diferentes na primeira e na segunda doses.

Apesar de o texto sinalizar a mudança, o Ministério da Saúde ainda não havia se pronunciado oficialmente sobre a decisão até a publicação da reportagem.