Ciência

Abacaxi tem efeito analgésico? Cientistas desvendam ação da enzima bromelina

Agência FAPESP/Maria Fernanda Ziegler | 15/06/19 - 23h52
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Velha conhecida da indústria farmacêutica, a bromelina – enzima encontrada no abacaxi – acaba de ter seu mecanismo de ação analgésica desvendado.

Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em estudo apoiado pela FAPESP por meio de um Projeto Temático, descobriram que a bromelina é responsável pela liberação de encefalina – considerada uma morfina endógena – a partir de sua proteína precursora, a proencefalina, que também é encontrada na parede do intestino delgado.

No encéfalo, a liberação de encefalina a partir da proencefalina é bem conhecida pela ciência. Ela ocorre pela ação de proteases específicas – enzimas que quebram proteínas e peptídeos –presentes no tecido cerebral e é uma rota importante para o controle da dor. A encefalina age em receptores opioides, como a morfina ou a encefalina.

“É uma questão que nos intrigava: como alguém que ingeria bromelina apresentava resposta analgésica. Sabe-se que essa enzima não pode entrar na circulação sanguínea, uma vez que isso provocaria um choque hipotensor violento, levando o indivíduo à morte [por isso não há administração intravenosa da bromelina para fins terapêuticos]. O efeito, portanto, teria que ocorrer por outro mecanismo, restrito à superfície do intestino”, disse Luiz Juliano, professor titular aposentado da Unifesp e um dos autores do artigo com resultados da pesquisa publicado na revista Peptides.

Juliano conta que há cerca de cinco anos descobriu-se que a proencefalina está presente em outros locais além do cérebro, entre eles o intestino. “Juntamos uma informação à outra e comprovamos com estudos in vivo a participação do conteúdo intestinal no controle da dor”, disse à Agência FAPESP.

Os pesquisadores da Unifesp verificaram, a partir de testes em camundongos, que, ao ingerir a bromelina – encontrada na polpa, mas principalmente no talo do abacaxi –, a enzima libera encefalina, digerindo a proencefalina presente também na parede do intestino delgado. Dessa forma, a encefalina gerada no processo entra na corrente sanguínea e desempenha ação analgésica periférica.

A descoberta abre perspectivas para o estudo da interação entre o conteúdo enzimático do bolo alimentar (e da microflora intestinal) com a parede do intestino na liberação de substâncias bioativas.

Relação entre intestino e cérebro

Os efeitos analgésicos do abacaxi são conhecidos há séculos pelos indígenas nas Américas. Tanto que, conta-se, exemplares da fruta usada para a redução de dor e na cicatrização de ferimentos foram levados para a Europa pelos primeiros navegadores europeus que chegaram ao continente americano.

Séculos depois, verificou-se que a bromelina agia não apenas contra a dor, mas também tinha atividade anti-inflamatória e atuava na quebra de proteínas. Isso permitiu o desenvolvimento de diversos produtos a partir do abacaxi pelas indústrias farmacêutica e alimentícia, para fins digestivos, analgésicos, cicatrizantes ou para amaciar carnes. (leia mais em http://agencia.fapesp.br/28129/)

A despeito do sucesso comercial, pouco se sabia sobre a relação dos efeitos analgésicos do abacaxi com seu papel na interface do intestino. As investigações feitas em camundongos pela equipe da Unifesp mostraram que a bromelina age na mucosa do intestino delgado liberando encefalina, que é absorvida e promove ação analgésica.

“A encefalina gerada no intestino atua principalmente na periferia do organismo, onde pode ter propriedades anti-inflamatórias”, disse Juliano.

“O curioso foi observar que há um limite. O efeito permanece até certa dose de bromelina e, depois, conforme a dose é aumentada, começa a diminuir até não ser mais possível identificar ação analgésica. Isso ocorre por causa da hidrólise da encefalina, provavelmente no caso de bromelinas comerciais, que não são puras e contêm outras proteases”, disse Juliano.

O artigo Enkephalin related peptides are released from jejunum wall by orally ingested bromelain (doi: 10.1016/j.peptides.2019.02.008), de Paulo Eduardo Orlandi-Mattos, Rodrigo Barbosa Aguiar, Itabajara da Silva Vaz Junior, Jane Zveiter Moraes, Elisaldo Luiz de Araujo Carlini, Maria Aparecida Juliano, Luiz Juliano, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0196978119300245.
 


Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.