Contextualizando

Análise: "A ciranda dos poderes"

Em 10 de Julho de 2025 às 17:00

Texto de Nuno Vasconcellos:

"Ignorando o aumento de preços em cadeia que o aumento do IOF provocará em toda a economia, o governo, por meio de seus porta-vozes e de seus companheiros bem colocados na imprensa, passou a vender a ideia de que esse imposto é pago apenas pelos mais ricos, ou melhor, pelos super ricos.

O aumento das alíquotas do tributo, segundo a versão oficial, livraria 'os mais pobres', que ganham até R$ 5 mil por mês, do Imposto de Renda. E, para completar a pantomima, surgiu a lorota de que o pretendido aumento do IOF se destina a promover a 'Justiça Tributária' — quando está evidente que a única intenção é aumentar a arrecadação para continuar sustentando sua máquina onerosa, pesadona e ineficiente com vistas às eleições do ano que vem.

A reação negativa por parte do Congresso foi imediata. Só que, em vez de recuar na decisão e esquecer o IOF, o governo resolveu medir forças e seguir em frente.

Depois de algumas mudanças cosméticas no texto, continuou insistindo em fazer do IOF a âncora do equilíbrio fiscal precário que ele pretende alcançar para este ano e para 2026. Qualquer economista iniciante sabe que esse imposto, por definição, não se presta a esse tipo de papel.

Em razão de seu caráter regulatório, o IOF foge ao princípio da anterioridade, previsto no artigo 150 da Constituição.

Esse princípio obriga o governo a estabelecer a alíquota da maioria dos tributos no ano anterior ao da cobrança.

Isso não se aplica ao IOF. A lei autoriza que o governo, dentro de limites pré-estabelecidos, baixe ou suba as alíquotas do IOF por meio de portarias que entram em vigor no ato da publicação, sem depender de autorização do Congresso ou de quem quer que seja.

Na sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes decidiu tornar sem efeito todas as decisões tomadas pelo Executivo e pelo Legislativo em relação ao IOF.À primeira vista, o que o ministro fez foi mais ou menos o mesmo que um bedel das escolas rigorosas de antigamente fazia com os alunos que se desentendiam durante o recreio.

Deu um puxão de orelha em cada um dos brigões, ralhou com eles e disse que os dois estavam errados.

Depois, mandou que um se sentasse diante do outro e só se levantasse depois que encontrassem a solução para um problema que, na melhor das hipóteses, não precisava ter existido. Ou que, na pior delas, não precisava ter chegado ao impasse que chegou.

O mais preocupante nessa história é que nada indica que essa espécie de acareação entre as duas partes evolua para uma paz duradoura entre o Executivo e o Legislativo.

Nem que o hábito recorrente do Judiciário de sempre chamar para si assuntos que são de competência dos outros poderes passe a ser considerada uma atitude normal.

Nem que, daqui por diante, os poderes voltem a cumprir o seu papel naquele clima de harmonia que chegou a existir no início do atual mandato do presidente Lula.

Isso mesmo. Para quem não se recorda, o atual governo começou seu mandato vivendo uma espécie de lua de mel com o Congresso.

Antes mesmo da posse, Lula recebeu dos parlamentares eleitos na legislatura anterior um presente e tanto — a chamada PEC da Transição. A mudança na lei permitiu que ele elevasse os gastos públicos, sem qualquer previsão orçamentária, até o limite de R$ 145 bilhões.

Depois disso, a vida seguiu sem maiores surpresas. Houve vitórias e derrotas pontuais, mas, de um modo geral, o vento parecia soprar a favor de um governo que, bem ou mal, vinha apresentado resultados favoráveis na economia.

Quem olha para as condições macroeconômicas não entende o motivo do clima andar tão pesado. O PIB tem crescido. O desemprego caiu. A inflação, se não baixou ao ponto de tranquilizar a sociedade, também não saiu do controle ao ponto de gerar desabastecimento e deixar vazias as gôndolas dos supermercados. As reservas cambiais continuam parrudas, na casa dos US$ 340 bilhões.

A impressão que se tinha meses atrás era a de que os problemas que geravam a queda de popularidade de Lula se resumiam à inabilidade extrema do governo em se comunicar com a sociedade — e o próprio Planalto endossou esse ponto de vista ao substituir, no dia 14 de janeiro deste ano, o deputado Paulo Pimenta pelo publicitário Sidônio Palmeira no comando da Secretaria de Comunicação.

O problema se revelou muito maior do que esse. A questão, pelo que tudo indica, é cada vez mais de operação política.

A despeito de toda habilidade demonstrada nas passagens anteriores pela presidência da República, Lula talvez não tenha considerado que, numa equipe heterogênea como o que ele formou para se garantir no poder, os conflitos muitas vezes surgem dentro e não fora do governo.

Ou, mais grave do que isso, no esgotamento do modelo criado pela Constituição de 1988 que, mais cedo ou mais tarde, terá que ser revista, com uma definição mais precisa do papel que cabe a cada poder no Estado brasileiro.

Pelo bem da própria continuidade democrática."

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