Texto de Nuno Vasconcellos:
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“... Antes de se afirmar a soberania contra uma potência que tem muito a oferecer ao Brasil é preciso zelar pela própria casa. Isso inclui restaurar as fissuras abertas pela presença ostensiva de organizações que se apropriaram de recursos lícitos - como o comércio de combustíveis, o agronegócio e o mercado de capitais - para tornar a sociedade ainda mais refém de suas atividades criminosas.
Naquilo que realmente conta - ou seja, o bem-estar da sociedade -, o golpe desferido contra o PCC foi muito mais efetivo para a afirmação da soberania nacional do que a decisão anunciada pelo governo de estudar medidas de retaliação ao tarifaço imposto por Trump aos produtos brasileiros.
A justificativa do governo é forçar a Casa Branca a abrir canais de negociação que só não existem porque, antes da crise estourar, o Itamaraty cuidou de fechar todas as portas e romper todos os laços construídos ao longo de mais de 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países. Agora, terá que esperar na fila por sua vez de ser atendido pelos negociadores americanos.
Enquanto as negociações não se iniciam - o que acontecerá mais cedo ou mais tarde - a pior decisão a tomar é apontar entre os produtos vendidos pelos Estados Unidos aqueles que serão taxados como as mesmas tarifas indecentes impostas por Trump ao Brasil. Retaliar numa situação como essa pode ser um direito legítimo, mas seu efeito prático é incerto e limitado.
Muito mais estratégico para o Brasil seria posicionar-se como um parceiro indispensável não porque é afetado pelo tarifaço, mas porque tem o que oferecer. O Brasil não precisa de uma guerra tarifária, precisa de alianças inteligentes. O momento exige menos busca por manchetes e mais visão de futuro!
Se a intenção do governo for apenas mostrar as cartas e criar uma situação que provoque a abertura da negociação que, pelas palavras do próprio presidente Lula, Trump tem se recusado a fazer até o momento, ótimo. Mas o que o país precisa fazer é usar seu verdadeiro poder de barganha nas relações comerciais com os Estados Unidos e com qualquer outro país do mundo. É aí que entram os minerais estratégicos.
Nióbio, lítio, urânio e as chamadas terras-raras são insumos indispensáveis para baterias, semicondutores, ligas leves, baterias, turbinas, foguetes, armamentos, veículos de defesa e tudo o que diz respeito ao hardware de suporte da inteligência artificial e da transição energética.
A boa notícia é que o Brasil dispõe desses minerais em grande quantidade: as jazidas já mapeadas são mais do que suficientes para suprir todas as necessidades do Ocidente que, hoje, depende da China para atender suas necessidades.
Se o Brasil quiser mesmo normalizar suas relações comerciais com Washington precisa, para início de conversa, oferecer aquilo que Trump mais teme perder para a China: acesso seguro e preferencial a esses insumos críticos. Isso mesmo! O governo brasileiro não pode se esquecer de que, nesse caso específico, a China não é sua parceira, mas sua maior concorrente.
É preciso abandonar de vez a retórica inócua do tal ‘multilateralismo’ e acenar para Washington com acordos consistentes em torno do acesso não às jazidas, mas aos produtos processados a partir do que vier a ser minerado.
Essa riqueza é mais respeitada pelos Estados Unidos do que qualquer retórica ideológica. Se o Brasil souber usar esse argumento a seu favor, deixará de ser posto no fim da fila pelos negociadores e terá um tapete vermelho estendido à sua frente para tratar de qualquer assunto comercial com os Estados Unidos.
Essa riqueza, é óbvio, deve ser explorada sob condições estabelecidas pelo Brasil, por empresas que operem sob a proteção e o controle da legislação nacional. Ela é mais valiosa para os Estados Unidos do que os discursos de afirmação da soberania nacional que vem sendo feitos desde que tudo isso começou.
Um acordo bilateral em torno desses minerais críticos, semelhante ao que os Estados Unidos já firmaram com o Canadá e a Austrália, pode posicionar o Brasil como um ator indispensável no tabuleiro global. Não se trata de entregar riquezas de mão beijada, mas de usá-las como alavanca diplomática e industrial. O Brasil deve transformar sua geologia em geopolítica....”
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