Contextualizando

A polêmica punição a Bolsonaro

Em 14 de Setembro de 2025 às 08:30

Texto de Catarina Rochamonte:

"Sob atenção nacional e internacional, o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus do chamado 'núcleo crucial da trama golpista' foram condenados, em 11 de setembro, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por 4 votos a 1.

Essas condenações de agora se somam a centenas de outras que invasores do 8 de janeiro já estão pagando faz algum tempo.

O STF está vendendo suas decisões condenatórias presentes, pretéritas e futuras como instrumento de pacificação nacional. É falso.

A falsidade do discurso pró-pacifismo do STF patenteia-se até por ser ele mesmo – o tal discurso – de teor agressivamente político e ideológico. Algo que, aliás, restou escancarado na supracitada sessão de julgamento.

Alexandre de Moraes, que abriu o julgamento em pauta, apropriou-se do tempo de leitura do voto da ministra Cármem Lúcia – interrompendo-a além da conveniência – para retomar o próprio discurso de abertura, levando-o a extremos de politização.

Viu-se – ao vivo na TV – que Moraes anseia por uma ribalta, quer os holofotes para si; e que o caminho que encontrou para brilhar foi fazer do Tribunal um palco político.

O agitador improvisado insistiu na tese duvidosa de que o apaziguamento não serve à pacificação e que esta só pode ser alcançada através da rigorosa punitividade.

Para impaciência até mesmo da elegante ministra Cármen Lúcia, Moraes recorreu à exibição de vídeos para demonizar o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu em julgamento.

Atitude inadequada que – intencionalmente ou por incompreensível distração – inflamou ainda mais o ânimo beligerante dos bolsonaristas no Congresso Nacional e nas ruas do país.

Uma possível motivação para essa retomada do discurso de Alexandre de Moraes pode ter sido sua vaidade ferida ao ter de suportar por muitas horas seguidas os holofotes do Brasil e do mundo incidirem sobre o ministro Luiz Fux, que, no dia anterior, proferira seu dissidente e estratosférico voto.

O voto do ministro Flávio Dino, foi, todavia, aquele em que, para respaldar a narrativa do orgulho punitivista, cometeu-se um vilipêndio contra a democracia brasileira em sua verdade histórica.

Por dolo ou ignorância, o ministro Flávio Dino afirmou que “jamais houve anistia feita em proveito dos altos escalões do poder. Nunca. Nunca a anistia se prestou a uma espécie de autoanistia de quem exercia o poder dominante”

Se for caso de ignorância, será coisa estranha em uma pessoa de notório saber como é o ministro, pois a Lei de Anistia no Brasil, sancionada em agosto de 1979, após intensa campanha popular, beneficiou não apenas militantes de esquerda, mas também militares no poder e agentes policiais de máxima graduação que poderiam vir a ser condenados no futuro, porquanto o regime militar periclitava.

Assim sendo, a lei não foi apenas um gesto de abertura para os militantes de esquerda voltarem do exílio ou saírem da prisão. Ela também funcionou justamente como uma autoanistia para os agentes da repressão, já que muitos militares e policiais de alta patente (inclusive ligados a torturas e desaparecimentos) também ficaram protegidos contra responsabilização.

Tanto foi assim que, até hoje, setores de esquerda acalentam o projeto – equivocado, no meu entender – de revisar essa Lei de Anistia.

Será evidente também aos historiadores e observadores não fanatizados que a anistia de 1979 promoveu pacificação e se constituiu em vigoroso vetor para a redemocratização do Brasil.

No embate político de hoje, eu não defendo anistia para poderosos; isto, entretanto, é diferente de exasperar-se em um discurso – o discurso 'Sem Anistia' – onde transparece a intenção de negar toda anistia que não seja em benefício da esquerda.

Minha insistência atual, como sabem todos que acompanham meus artigos, é na anistia para a gente comum condenada e presa pelas invasões de 8 de janeiro.

Esperava-se desse ministro um voto com alguma parcial divergência. Não foi assim, foi um voto de total divergência e de confronto. Confronto com alguns alvos declarados e outros suficientemente demarcados para fácil identificação. O alvo principal do explosivo voto foi o próprio STF.

O voto de Fux foi um petardo que, explodindo na primeira turma do STF, espalhou estilhaços pelos outros poderes. O Congresso Nacional, especialmente, ficou bastante excitado, com os bolsonaristas tendo recobrado ânimo para o projeto de anistiar o chefe e ídolo.

Em trechos da sua fala, Fux recordou o processo da Lava Jato, ao fim do qual o mesmo STF, que havia acatado a condenação do ex-presidente Lula, mudou de jurisprudência para livrá-lo da cadeia e torná-lo elegível.

O ministro dissidente sugeriu que houve politização no caso antigo e que no caso de hoje tanto a peça acusatória da Procuradoria Geral da República (PGR) quanto os dois votos anteriores ao seu – votos dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino – seguiram na mesma e nefasta linha da politização.

Nesse caminho, o ministro advertiu que o Tribunal deveria evitar a politização para decidir em bases constitucionais e legais.

Na verdade, se o STF está julgando supostos crimes contra o Estado Democrático de Direito, esse mesmo STF foi colocado pelo seu ministro sob julgamento público quanto à sua – do STF – capacitação técnico-jurídica e moral.

Em contrapartida, os críticos do voto de Fux afirmam que o voto dele é que foi politizado. Aliados do presidente Lula e toda a mídia lulopetista passaram a considerar Fux um neo-direitista mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro, enquanto os bolsonaristas passaram a honrá-lo como herói.

Nas redes sociais, as torcidas se mobilizaram na guerra de hashtag: # Fux apoia golpista X # Fux honra a toga.

Comentários do seu interminável voto destacaram a incoerência de ter ele agora absolvido a gente graúda da trama, tendo antes condenado a gente anônima e humilde que fez parte do mesmo processo.

Por outro lado, é importante ressaltar que ele chegou a pedir vista no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos (que pichou com batom a frase 'perdeu, mané' na estátua em frente ao prédio do Supremo), defendendo sensatamente uma pena de 1 ano e 6 meses contra a acusada, que, no fim, foi condenada a 14 anos de prisão.

Como se vê, houve em cada um dos votos – e no julgamento como um todo – nuances que se perdem quando o assistimos e comentamos com espírito de torcida de futebol.

A condenação do ex-presidente Bolsonaro e dos restantes réus do núcleo crucial da suposta trama golpista não apazigua os ânimos, devido ao excesso de politização do Supremo Tribunal Federal.

De modo surpreendente, pelo menos pra mim, até mesmo a Folha de S.Paulo – que pode ser acusada de tudo menos de morrer de amores por Bolsonaro – escreveu um editorial defendendo que a condenação do ex-presidente 'foi justa, mas a pena foi exagerada'.

Segundo a Folha 'é difícil explicar à população por que o STF determinou 27 anos e três meses de prisão ao ex-presidente, sentença maior que muitas aplicadas a homicidas. Essa anomalia já havia ocorrido nas penas dos depredadores da praça dos Três Poderes'.

Como se vê, felizmente, não há homogeneidade na interpretação desse histórico processo que condenou conspiradores que planejaram um golpe de Estado. O fato de haver divergentes interpretações é uma boa notícia para a democracia.

A importância da dissidência aberta pelo ministro Luiz Fux está principalmente em desmontar um pouco a narrativa oficial, porque, quando há apenas a narrativa oficial, já não se trata de democracia, mas de outro tipo de regime."

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