Brasil

Chegada da internet faz jovens indígenas trocarem caça e pesca por pornô

João Victor Souza* | 07/06/24 - 09h31
Reprodução

A chegada da internet em áreas remotas da Amazônia afetou o comportamento de tribos indígenas no Brasil, positiva e negativamente. Em nove meses, depois de o serviço de alta velocidade ser ofertado pela empresa Starlink, de Elon Musk, os povos originários convivem com desafios semelhantes da nossa sociedade. Uma equipe de reportagem do jornal americano The New York Times esteve nas profundezas da floresta amazônica e presenciou o início do "mundo da web" para o povo Marubo.

Os Marubos vivem em malocas espalhadas por centenas de quilômetros ao longo do rio Ituí. Eles falam sua própria língua, tomam chá de ayahuasca para se conectar com os espíritos da floresta e mantém macacos-aranha como animais de estimação. Esses são costumes que a tribo adota há séculos, mas que estão perdendo força entre as novas gerações, por causa da internet. 

Para chegar lá, os americanos tiveram que fazer uma viagem de sete dias. A surpresa, após desembarque na tribo, foi se deparar com o comportamento atual dos jovens, mais "vidrados" nos aparelhos eletrônicos e ausentes nas tarefas diárias, como caça e pesca.

As percepções foram de adolescentes colados aos telefones, bate-papos em grupo cheios de fofocas, redes sociais viciantes, estranhos online, videogames violentos, fraudes, desinformação, e menores assistindo pornografia. Não que tudo seja um problema.

Tsainama Marubo, de 73 anos, explicou que: Os jovens ficaram preguiçosos por causa da internet. Eles estão aprendendo os costumes dos brancos”. Ela disse também que os mais novos não estão mais interessados em seguir as tradições da tribo, como fazer tinturas e joias. Alguns deixaram até mesmo de caçar e pescar.

Uma outra avaliação foi de que os indígenas também estão menos concentrados e perdem o foco facilmente.

Tá ruim, mas tá bom

Apesar das críticas, a mesma Tsainama Marubo disse que não abre mão da internet. A tecnologia trouxe outros tantos benefícios à aldeia. Os indígenas conseguem conversar agora com pessoas à distância, com entes queridos, conseguem enviar pedidos de ajuda em caso de emergências e ainda têm acesso mais fácil à informação.

Vale destacar que os Marubos não são considerados uma tribo isolada há muitas décadas. Eles eram até a chegada dos seringueiros à região. Apesar disso, eles mantiveram os mesmos costumes e tradições – que começaram a derreter agora, com apenas 9 meses de acesso à internet.

Assim como já aconteceu conosco, os indígenas estão descobrindo agora o dilema fundamental da grande rede global de computadores: ela se tornou essencial, mas tem um custo. Agora, cabe a eles debater maneiras de conciliar a modernidade com a sua própria identidade e cultura.

Isso se eles quiserem. A decisão deve ser dos Marubos e de mais ninguém.

Chegada da internet

Em maio de 2022, o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciou uma parceria com a empresa Starlink, de Elon Musk, para levar internet a áreas remotas da Amazônia.

A promessa, à época, era conectar 19 mil escolas na região, além de monitorar o crescente desmatamento da floresta. Segundo informa o atual presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, porém, isso não aconteceu. Nem uma coisa nem outra. Ele deu a declaração em entrevista ao The New York Times.

O próprio Times informa, em outra reportagem, que a internet via satélite da Starlink chegou sim à região, mas não foi para as escolas nem para o monitoramento ambiental. A internet chegou para tribos indígenas. Até mesmo para algumas isoladas, ou seja, que não tinham contato com o “homem branco”.

*Com informações do Olhar Digital e do The New York Times