Chico Buarque é o novo vencedor do Camões, principal troféu literário da língua portuguesa, anunciou o júri na tarde desta terça-feira (21), após reunião na sede da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Chico foi eleito por unanimidade e vai receber € 100 mil (R$ 452 mil).
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Passaram-se horas desde para quem alguém conseguisse avisar a Chico que ele era o vencedor. Luiz Schwarcz, seu editor, Marieta Severo, sua ex-mulher, dois assessores e o júri do Camões desde 16h tentavam contato com Chico -mas ele está em Paris para passar seu aniversário, que é em junho, e não atendia as ligações. Só por volta de 19h30 eles conseguiram falar.
"Fiquei muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar", disse o compositor, em breve nota enviada por sua assessoria de imprensa.
O Camões, criado em 1988, elege todo ano um autor de qualquer país falante do português. A escolha é um reconhecimento da obra completa do autor, em vez de apenas a uma obra específica. O último brasileiro eleito havia sido Raduan Nassar, autor de "Lavoura Arcaica", em 2016. No ano passado, o Camões foi para Germano de Almeida, escritor de Cabo Verde.
Em nota, o júri do troféu disse que escolheu Chico tanto pela qualidade de sua obra quanto pela sua "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa". Os jurados destacaram ainda o "caráter multifacetado" de seu trabalho, que passa pela poesia, o teatro e o romance. "Seu trabalho atravessou fronteiras e mantém-se como uma referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo", diz o júri, na nota.
Entre os autores que já ganharam, Chico é o primeiro que tem na música popular sua obra principal -Jorge Amado, que venceu em 1994, chegou a fazer composições com Dorival Caymmi, mas é mais conhecido por seus livros. O mesmo acontece com Ferreira Gullar, vencedor em 2010, que chegou a compor músicas de sucesso para Fagner -mas também é conhecido principalmente por sua obra poética.
"Evidente que esse prêmio é um reconhecimento pela poesia dele nas letras de música, que também são literárias, não só pelos livros. São poemas. Grandes poemas. A música 'Construção', por exemplo, é um poema até raro de se fazer", diz o escritor Antonio Cicero, um dos membros do júri, ele também compositor.
Cicero argumenta ainda que o debate sobre se a canção é ou não um gênero literário já deveria estar encerrado.
"Os primeiros poemas ocidentais conhecidos, alguns dos melhores já feitos, que são os gregos, com os épicos de Homero e os líricos como os de Safo, eram poemas musicados. A palavra lírica vem de lira. A poesia lírica era toda cantada. Seria uma tolice pretender que a letra de música [não seja vista] como grande poema", afirma.
Além de Antonio Cicero, participaram do júri Clara Rowland e Manuel Frias (Portugal), Antônio Carlos Hohlfeldt (Brasil), Ana Paula Tavares (Angola) e Nataniel Ngomane (Moçambique).
Além de compositor de vários dos maiores clássicos da música brasileira, Chico também tem uma breve -mas premiada- obra literária. Seu último livro foi "O Irmão Alemão", mas já publicou também "Budapeste" e "Leite Derramado", entre outros.
O Camões parece se espelhar no Nobel de literatura, que, em 2016, deu o prêmio a Bob Dylan. Como no caso do troféu sueco, não será inesperado se a notícia agora fustigar um debate sobre se a canção pode ser tratada como gênero literário -e se honrarias do tipo estão corretas em premiar músicos.
SAIBA QUEM FORAM TODOS OS VENCEDORES DO CAMÕES:
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