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Crise econômica e ameaça de desemprego afetam saúde de trabalhadores

08/04/17 - 14h27

O aumento do número de trabalhadores em consultórios de atendimento psicológico serve de alerta: em tempos de crise econômica, a ameaça latente de desemprego, anúncios de privatizações e a desregulamentação de direitos trabalhistas têm tido reflexos diretos na saúde do trabalhador. 

Num cenário turbulento, trabalhadores, mesmo doentes em decorrência de sobrecarga e ambientes de trabalho estressantes tentam manter seus empregos, temendo ser substituídos caso peçam auxílio-doença ou algum tipo de afastamento. Pessoas que seguem trabalhando mesmo doentes, com medo do desemprego; fenômeno que os especialistas classificam como "presenteísmo". 

As histórias que o TNH1 traz nesta reportagem são de verdadeiras batalhas silenciosas, com pessoas no limite de suas forças para manter seus postos de trabalho em um cenário político-econômico delicado, pagando um preço muito alto para se manter economicamente ativas: a própria saúde.

PRIVATIZAÇÃO TIRA O SONO, LITERALMENTE, DOS FUNCIONÁRIOS DOS CORREIOS 

Um funcionário dos Correios, estatal cuja possibilidade de privatização já foi anunciada pelo presidente Michel Temer, contou seu drama ao TNH1, mas preferiu não revelar sua identidade, temendo justamente represálias, por tecer críticas ao ambiente de trabalho. 

“Assumi um cargo de liderança com a promessa de que receberia ajuda mas, na prática, eu passei a trabalhar por três pessoas. Os auxiliares nunca chegaram e quando o serviço passou a acumular eu passei a me sentir inútil, achando que a culpa era minha”, contou, angustiado o servidor, que apesar do drama em que vivia, não podia abandonar o emprego.

“Percebi os sintomas de depressão chegando depois de um ano no cargo, mas fui em frente com medo de perder o bônus que recebia pela função. Trabalhei por cerca de dois anos tentando driblar meu emocional e cheguei a tomar remédios controlados sem que ninguém soubesse. As cobranças eram intensas e quem se queixava de doenças invisíveis era apontado como funcionário "macetoso"”, relembrou.

“Quando o problema é psicológico, só quem passou pela mesma situação acredita. Quando não aguentei mais, pedi pra voltar ao antigo cargo, mesmo com perda salarial. Fazia tempo que não tinha uma noite completa de sono sem a ajuda de remédios ”, disse aliviado. 

INSÔNIA – Acompanhando de perto o cotidiano dos servidores, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos em Alagoas (Sintect-AL), Altannes Holanda, diz que o anúncio da proposta de privatização da estatal tem preocupado os trabalhadores, e traz como principal reflexo na saúde, a insônia. 

“Trabalhamos além das forças, até que somos obrigados a nos afastar por alguns meses e pioramos a carga para quem fica nos substituindo”, explicou Altannes. “Quanto à possibilidade de privatização, muitos colegas relatam insônia crônica e crises de ansiedade, por conta da instabilidade, desse receio de perder seu posto de trabalho caso a privatização se confirme”, alertou.  

Altannes Holanda: insônia e ansiedade refletem temor da privatização dos Correios

CORREIOS FAZEM MAPEAMENTO DE DOENÇAS OCUPACIONAIS

A reportagem do TNH1 ouviu a assessoria da estatal que admitiu que parte de seus colaboradores estão com quadro de instabilidade emocional por conta do momento em que a empresa vem passando, mas observou também que esse é um problema que atinge todos os funcionários dos Correios do Brasil, não só em Alagoas.

“Estamos fazendo um mapeamento de doenças ocupacionais para detectar o que pode ser feito para ajudar nossos colaboradores”, assegurou a assessoria de comunicação.

“Dentro das nossas possibilidades, estamos promovendo palestras sobre a saúde do trabalhador, incentivamos a ginástica laboral e mantendo contato direto com o INSS para acompanhar os processos com todos os funcionários afastados”, garantiu o assessor.

“ME SINTO UMA BOMBA RELÓGIO”, DIZ ATENDENTE 

Contratada por uma empresa de telemarketing há pouco mais de dois anos, uma trabalhadora que procurou o TNH1, que iremos identificar como “Maria”, conta um drama que vivencia e não tem tempo para acabar, diante do cenário de desemprego que o país atravessa. Com receio de colocar seu posto de trabalho em perigo, ‘Maria” se recusou a gravar entrevista em vídeo ou áudio. 

A trabalhadora diz ser ameaçada diariamente de desemprego por sua superiora, que insinua demiti-la por justa causa.  “Quando piso no meu trabalho já sinto um peso e quase todos os dias saiu dele chorando”, lamentou em entrevista. “Me sinto uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento”, falou com tom de voz angustiado.

“Ela me diz que não irá me demitir porque eu não mereço receber meus direitos e que está só esperando eu fazer algo de errado para me prejudicar mais ainda”, disse. “Eu ouço isso quase todos os dias, o que tem me feito muito mal”, explicou, com a voz embargada. “Sinto medo de perder o emprego e ficar parada por muito tempo. Um colega meu, homossexual que sempre ouvia piadas constrangedoras da mesma supervisora, não aguentou e pediu para sair antes de mim”, revelou "Maria". 

“Estou buscando ajuda para tentar me manter no emprego sem enlouquecer”, acrescentou. 


ROBSON BARROS: 7 ANOS DE SAÚDE ABALADA E MEDO DO DESEMPREGO

O olhar triste e cansado do bancário Robson Barros, que desempenhou suas funções em diversas agências de uma mesma instituição bancária de Alagoas por 31 anos, mostra que sua carreira deixou muitas marcas. Todas elas acumuladas pela pressão suportada em nome do receio do desemprego. 

Desde 2009 ele vivenciou sintomas de diversas doenças psicossomáticas e este ano não teve outra alternativa senão pedir afastamento definitivo. 

“Grande parte dos meus colegas sofrem calados e tomam remédios de tarja preta, principalmente quando ocupam cargo de gerência”, explicou Robson. “O que antes era cobrança mensal de metas agora é diária, com ameaças e pressões constantes”, revelou. “Ou o cara toma esses medicamentos ou ele não dorme e perde o emprego”. 

Uma das agências bancárias que Robson prestou serviço, no município de São Miguel dos Campos, cidade que fica a cerca de 60 km de Maceió, teve o quadro reduzido de 25 para apenas quatro funcionários.  “Se você decidisse deixar seu posto por um momento para tomar um copo d‘água, por exemplo, já levava nome de relaxado”, relembrou. 

BANCÁRIOS: MEDO DO DESEMPREGO ATINGE SETOR PÚBLICO E PRIVADO

As pressões diárias em lidar com dinheiro e finanças, e o medo de perder seus postos de trabalho têm sido algo constante para a classe bancária, pelo menos em Alagoas. Isso porque, independente da instituição ser pública ou privada, há um medo real entre os colaboradores de serem substituídos. 

”Desde que a crise chegou, recebemos a cada dia mais colegas com quadros de estresse agudo, transtornos e depressão aqui no Sindicato”, disse, preocupado, Rodrigues  “Quando eles buscam ajuda, geralmente o quadro emocional já está bem comprometido, o que causa uma demora ainda maior na recuperação e, consequentemente, na volta ao trabalho”, afirma o Secretário de Saúde do Sindicato dos Bancários de Alagoas, Marcondes Rodrigues. 

Rodrigues explica que grande parte dos bancários vive sob forte estresse e convive com suas consequências. 

“O assédio moral, a meta que quase nunca conseguimos bater e o medo de ser substituído consome não só o funcionário de banco privado, que teme ser substituído caso adoeça. No serviço público existem cargos comissionados que também podem ser trocados caso o bancário não esteja dando conta”, explicou Marcondes. 

Além disso, há uma sobrecarga um pouco maior nos bancos privados, pelo acúmulo de funções geradas por cortes feitos na folha, por conta da crise econômica. 

APOIO PSICOLÓGICO PARA CONVIVER COM O MEDO DO DESEMPREGO 

O professor de Psiconeurobiologia e Processos Psicológicos Básicos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Gérson Alves da Silva Junior, afirma que nos últimos dois anos tem crescido o número de atendimentos a trabalhadores na Clínica Escola de Psicologia. O motivo? Medo de perder o emprego. 

“Ainda não temos números que tratem diretamente do assunto, mas podemos afirmar que a quantidade de relatos de sofrimento pelo medo de perder seu sustento e a ameaça de perder o emprego cresceu consideravelmente”, garantiu.

 

Gérson Alves: medo do desemprego faz trabalhadores lotarem consultórios

Em muitos casos, afirma o professor, os trabalhadores recorrem à medicação. “As pessoas recorrem ao medicamento para equilibrar-se quimicamente, já que na maioria dos casos, elas não têm o poder de modificar o ambiente de trabalho e terminam buscando um atenuante para conseguir se manter em suas funções”, disse. 

“Quando passamos por situações de estresse e constantes cobranças no ambiente de trabalho, automaticamente alteramos nossa composição química, na tentativa de se readaptar à nova situação”, explicou ainda o especialista.

Em entrevista ao TNH1, que você ouve abaixo, o professor Gérson Alves explica como o processo químico ocorre dentro de quem está sendo pressionado constantemente: 


PRESENTEÍSMO: DOENÇAS PODEM EVOLUIR 

O médico do trabalho, José Gonçalo da Silva Filho, afirma que nos consultórios é possível sentir um aumento do presenteísmo, citado no início da reportagem. Ele alerta que esse fenômeno precisa ser observado com cuidado, uma vez que as patologias geradas por ele, sejam físicas e/ou psicológicas, podem evoluir. 

“Esse medo exagerado pode causar problemas como estresse agudo, que se não tratado, podem levar a doenças mais graves, como depressão e síndrome do pânico”, alertou o médico. 

O que é presenteísmo? 


Silva Filho explica que o presenteísmo precisa ser identificado no ambiente de trabalho, o que pode evitar as conhecidas patologias psicossomáticas. “São medos que podem ser tratados. É lógico que existem pessoas que convivem melhor com momentos de crise do que outras, mas é preciso observar esses funcionários mais frágeis, uma vez que há casos que precisarão de atenção psiquiátrica”, concluiu. 

Ainda de acordo com o médico, a medicina do trabalho recomenda que consultas periódicas sejam realizadas num prazo de até um ano, mas os prazos podem ser reduzidos nos casos onde sejam identificados precocemente. “A medicina do trabalho deve agir de forma preventiva, mas nem sempre o paciente permite que os sinais de que algo não está bem venham à tona”, explicou.  

SÍNDROME DE BURNOUT: O ESGOTAMENTO PROFISSIONAL


Outra preocupação da medicina do trabalho com a fragilidade dos profissionais em meio à crise econômica e desemprego é o desenvolvimento da Síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional (veja quadro abaixo).

O tema tem sido recorrente em congressos de medicina e debates sobre medicina do trabalho e embora ainda não seja comum nos consultórios e nas empresas alagoanas já é uma grande preocupação para os especialistas da área.

O especialista, José Gonçalo, alertou que apesar de não ter atendido nenhum paciente com esse tipo de problema, “pessoas com este tipo de distúrbio precisam ser afastados do ambiente de trabalho imediatamente”.

“Pessoas que chegam a ser diagnosticadas com essa síndrome chegam a um ponto de estafa física que não conseguem trabalhar. São pessoas, que são apontadas pelos colegas como workaholic, e que se não se cuidarem podem desenvolver isso e caso não sejam afastados podem apresentar os sintomas clássicos, como estafa, fadiga e nos casos mais graves riscos cardiovasculares, como arritmias e infartos, ou surtos psicóticos”, pontuou.