De Nuno Vasconcelos, no portal IG:
“O encontro entre presidentes sul-americanos, que aconteceu em Brasília na semana passada, como é praxe nesse tipo de evento, deveria ter sido encerrado com um jantar oferecido pelo país anfitrião a seus convidados. Pelo protocolo desse tipo de banquete, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira dama, dona Janja, deveriam receber os demais presidentes, posar para fotos e tratar de temas amenos depois de uma reunião pesada de trabalho. Em cima da hora, porém, o jantar foi cancelado.
Alguns convidados de peso alegaram compromissos inadiáveis e voltaram correndo para seus países. Foi, conforme fontes diplomáticas admitiram a boca pequena, um protesto dos presidentes — que se sentiram vítimas de uma “pegadinha diplomática” por parte do Lula e da diplomacia brasileira. O encontro tinha como objetivo declarado discutir critérios para a cooperação entre os países sul-americanos e aprofundar o diálogo entre eles. Na prática, porém, acabou se reduzindo a um evento de apoio ao ditador Venezuelano Nicolás Maduro e ao regime apodrecido que ele comanda.
Lula abriu a porta e Maduro, que, por seus próprios erros, estava há anos alijado de qualquer evento diplomático relevante, aproveitou e entrou. Com a imagem encardida pela tragédia que seu governo representa, o tirano deveria se dar por satisfeito com sua simples presença no encontro. Não foi o que se viu. A proximidade excessiva e as mesuras que recebeu de Lula causaram desconforto entre os outros chefes de Estado.
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Só para recordar: o sucessor do coronel Hugo Chávez foi o último dos convidados a confirmar presença no encontro. Quando apareceu quase “de surpresa”, encontrou um ambiente preparado para que ele brilhasse. Foi recebido pelo anfitrião num encontro bilateral privado, sem que os demais participantes da cúpula, como recomendam os protocolos da diplomacia, fossem sequer informados dessa deferência. E, ao final, ouviu de Lula uma sucessão de elogios que tentaram transformar o homem contra quem existem acusações de narcoterrorismo já comprovadas por organismos internacionais numa vítima de perseguição dos Estados Unidos e do ocidente desenvolvido.
Lula disse que a eleição de Maduro (em que seus principais adversários foram impedidos de concorrer ao posto) era legítima. Disse também que as histórias sobre os desmandos, as prisões políticas, as torturas, os estupros como arma de intimidação política, os 400% de inflação por ano, os cerca de sete milhões de exilados, os mais de 80% de venezuelanos abaixo da linha de pobreza não passavam de uma “narrativa” criada pelos inimigos para desestabilizar a Venezuela. Nem Lula nem Maduro explicaram como o governo tirano de Caracas pretende pagar os quase US$ 2 bilhões que deve ao contribuinte brasileiro por meio de calotes aplicados ao BNDES.
A “narrativa” de Lula foi tão fora de cabimento que alguns dos presidentes fizeram questão de se manifestar. Alguns deles demonstraram seu espanto e deixaram claro que o presidente brasileiro falava em seu próprio nome — nunca em nome do grupo. “Eu (…) tenho uma discordância com o que o presidente Lula disse, de que a situação dos direitos humanos na Venezuela é uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa. É uma realidade”, disse o jovem presidente do Chile, Gabriel Boric, na terça-feira. “Se há tantos grupos querendo (…) que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com a mão”, disse Lacalle Pou, presidente do Uruguai — que em vários momentos deu a Maduro o título que ele de fato merece: ditador.
Se ainda restassem dúvidas a respeito dos métodos utilizados pelo venezuelano para exercer seu poder, elas foram dissipadas pelo comportamento dos jagunços a seu serviço diante dos jornalistas que tentaram entrevista-lo ao final do encontro. Encerrados os trabalhos — e como é comum em qualquer democracia do mundo — os jornalistas que estavam ali para cobrir o evento, inclusive a serviço de emissoras que jamais esconderam sua simpatia por Lula e pelos governantes de esquerda do continente, tentaram se aproximar para obter declarações de Maduro. Foram impedidos pelos capangas escalados para proteger o tirano.
Além dos sicários trazidos pelo ditador, também havia no grupo brasileiros escalados pela missão pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Um detalhe: caso eles tivessem dado aos arruaceiros de 8 de janeiro o mesmo tratamento que deram aos jornalistas interessados em ouvir o déspota venezuelano, o Palácio do Planalto jamais teria sido invadido.
Delis Ortiz, repórter da TV Globo, foi agredida por um soco desferido por um dos leões de chácara de Maduro, provavelmente um brasileiro. A pergunta é: se é assim que os milicianos a serviço do tirano lidam com as pessoas que o incomodam quando ele está num país estrangeiro, a convite de um governo para lá de amigo, como será que agem em seu próprio país? (Ah, sim! O Palácio do Planalto prometeu investigar o episódio e apurar as responsabilidades, mas a possibilidade de se aplicar qualquer punição em quem quer que seja é a mesma de se apontar o culpado pelo assassinato do menino Carlinhos ou de se localizar o corpo da socialite Dana de Tefé.)
Seja como for, ficou claro, diante de tudo o que se viu no encontro, que Lula ultrapassou todos os limites do bom senso diplomático ao cobrir o déspota venezuelano de elogios e dar a ele uma posição de destaque sem ao menos consultar os outros convidados. Além de Boric e Pou, Mario Abdo Benitez, do Paraguai e Guillermo Lasso, do Equador, também não esconderam seu desconforto diante dos rapapés e dos salamaleques dirigidos por Lula ao tirano.
Para um presidente que age como se almejasse ser reconhecimento como um grande líder mundial, o erro estratégico de Lula significou uma ducha de água gelada sobre sua pretensão de ser, pelo menos um influenciador dos destinos sul-americanos. Será que os presidentes que caíram na pegadinha atenderão com a mesma presteza a um novo convite do presidente brasileiro? Claro que não! Será que eles, que se sentiram ludibriados, não pensarão duas vezes antes de compartilhar novamente uma mesa com Lula? Claro que sim!…”
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