Alagoas

Em 7 meses, feminicídios em Alagoas superam todo o ano de 2018

Relacionamentos abusivos estão cada vez mais comuns; saiba como pedir ajuda

Dayane Laet | 31/08/19 - 23h35
Violência começa com críticas e assédio moral, mas pode chegar a agressão física e até morte | Pexels

"Ele nunca tinha me batido, acredito que estava muito nervoso com o que viu”, relatou uma professora que a reportagem chamará de “Maria”, para preservar sua identidade. A entrevista foi concedida na praça de alimentação em um shopping na parte alta de Maceió, onde a vítima relatou a agressão sofrida pelo namorado no início do ano. “Acredito que ele sentiu raiva por ter me visto conversando com um aluno e agiu sem pensar”, justificou.

Mesmo com imagens que comprovavam a agressão física sofrida, onde via-se nitidamente a marca de uma mão espalmada no lado esquerdo do rosto da professora, ela decidiu não denunciar o companheiro. “Seria muita exposição, e ele nunca tinha feito nada parecido, por isso perdoei”, contou.

Quando perguntada se já sofreu agressão verbal, a mulher explicou que “brigas sempre acontecem, mas sempre fazem as pazes”. Como em um ciclo, há a briga, as agressões, o pedido de desculpas e as pazes, até que a próxima briga aconteça, geralmente pelos mesmos motivos, e a violência cresça cada vez mais. No caso de Maria, o ciclo foi ampliado, e no decorrer de 8 anos de relacionamento, as crises de ciúmes recorrentes, permeadas de agressão verbal, culminaram em agressão física em janeiro de 2019.

Assim como a professora, outras mulheres vivenciam situações abusivas e nem sequer conseguem perceber o que está acontecendo, ou, se percebem, não têm forças para dar um basta no relacionamento. Mas é preciso.

Desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, no ano de 2006, campanhas que motivam mulheres a denunciar a violência doméstica reforçam a importância da atuação dos órgãos públicos no combate aos casos de abuso, para assim coibir – ou, pelo menos, conscientizar – o agressor ou quem está sendo vítima do crime.

O propósito das ações preventivas é evitar a situação mais extrema nesse tipo de situação, o feminicídio, que em 7 meses deste ano fez mais vítimas do que em todo o ano passado em Alagoas. Foram 21 casos de janeiro a dezembro de 2018, contra 26 de janeiro a julho de 2019.

Separação nem sempre cessa a violência

A reportagem do TNH1 esteve no Juizado de Violência Doméstica contra Mulher, na Praça Sinimbu, em Maceió, onde conheceu  a mãe de "Joana". Mesmo há mais de um ano separada, ela ainda sofre com perseguições e ameaças do ex-companheiro, com quem tem um filho de seis anos. "Ele foi o primeiro namorado da minha filha pois se conheceram ainda na escola,  quando  ela tinha dez anos. Depois do casamento mudou, passou a agredí-la e ela ficava trancada dias em casa, esperando as marcas sumirem", contou a mãe. 

"Da última vez que Joana apanhou, ele ainda a trancou em casa e quando meu esposo foi tentar remediar a situação e tirá-la de lá, também foi agredido. Denunciamos as duas agressões e não nos arrependemos", desabafou. "Um anos depois, ele já está casado com outra pessoa e mesmo assim ainda persegue Joana, por isso estou aqui dando apoio a ela. Queremos manter a medida protetiva", acrescentou. "Nosso netinho presenciou as agressões, por isso já está sendo acompanhado por uma psicóloga especializada", revelou a senhora.

No mesmo juizado, onde Joana foi atendida, correm cerca de 4 mil processos e outros 4 mil inquéritos envolvendo o universo doméstico de mulheres vítimas de violência. O juiz responsável, José Miranda, explica que grande parte dos procedimentos instaurados são por ameaça e lesão. “No caso das ameças, geralmente a mulher já vem sofrendo bem antes de denunciar o companheiro”, disse. “No interior de Alagoas, a situação é ainda mais difícil porque falta estrutura social para mudar o pensamento das famílias e amparar as vítimas de agressão”, acrescentou.

Para o magistrado, o combate à violência contra a mulher precisa começar na família e se estender até a escola. “Um dos casos que mais me marcou foi de um homem que reconheceu a agressão e aceitou a medida protetiva dizendo que se preocupava com o que os filhos pensariam, quando crescessem”, relembrou.

Juiz José Miranda e equipe de defensoras  / TNH1

MPE-AL de portas abertas

Desde que iniciaram as campanhas de conscientização sobre que atitudes podem ser configuradas como agressão, e para o incentivo à denúncia, o Ministério Púbico Estadual atua em ações no mês de agosto e promove debates sobre o tema em regiões de grande concentração de pessoas, como o centro de Maceió.

Para a promotora de Justiça Ariadne Dantas Meneses, da Comarca de Taquarana, que responde cumulativamente, desde janeiro de 2019, pela 38ª Promotoria de Justiça da Capital, vinculada ao Juizado de Combate à Violência Doméstica e Familiar, as campanhas encorajam a sociedade de maneira coletiva. “Agora, as pessoas entenderam que precisam se envolver, sim, quando presenciam uma agressão a mulher”, explicou. “Não só as vítimas pedem ajuda, mas também vizinhos, amigos e parentes estão aprendendo a denunciar o companheiro agressor”, acrescentou.

“As vítimas precisam confiar que serão protegidas e acolhidas em locais preparados para elas, no caso de ameaças de morte e consequente medida protetiva. O MPE é uma das portas que acolhem e encaminham estas mulheres para a Casa Abrigo, que fica aqui em Maceió”, explicou a promotora.

Você reconhece um comportamento abusivo?

Ao contrário do que parece, o comportamento abusivo pode surgir dos dois lados da relação. De acordo com a psicóloga clínica Joceline Oliveira, um bom exemplo é quando uma pessoa vai a uma festa e o par fica monitorando tudo pelo celular. “A falta de confiança no outro – e em si mesmo – gera monstros imaginários difíceis de conter”, explicou em entrevista ao TNH1.

Com experiência de anos em casos de agressão, Joceline Oliveira conta que há um comportamento masculino muito recorrente. “A esposa trabalha e, mesmo o marido se beneficiando com o salário dela, já que não precisa arcar com todas as despesas de casa sozinho, ele costuma denegrir a atividade da mulher e, com o tempo, destruindo sua autoestima”, explicou. “Aos poucos, ela começa a deixar de acreditar em si mesma. Com isso, a educação dos filhos também é comprometida, pois é ensinado que o papel da mulher na família não é importante”, acrescentou a psicóloga.

Quando um relacionamento é abusivo, os filhos costumam sofrer tanto quanto o alvo das agressões. “Pais sem autoestima criam filhos com a mesma sensação de impotência. A longo prazo, partem para a violência física por se sentirem incapazes de argumentar de outra maneira”, observou.

Brigas recorrentes com ofensas e termos humilhantes geralmente são sinais de que futuramente podem ocorrer agressões físicas. Antes que isso aconteça, a vítima precisa amadurecer a possibilidade de que está sendo agredida, mesmo sem marcas físicas.

Há uma rede de proteção com a qual a mulher pode contar. A Central de Atendimento à Mulher (180), funciona 24 horas, todos os dias. Vítima ou testemunha podem denunciar o agressor à polícia, que conta com uma guarnição – a Patrulha Maria da Penha – para dar início à série de medidas protetivas a que a mulher tem direito. Caso não haja uma patrulha próxima, uma guarnição policial é enviada ao local para realizar o mesmo procedimento. 

No juizado da Mulher, existem várias ações de acolhimento às vítimas, inclusive o Projeto Filhos de Maria, que cuida de crianças e adolescentes expostos à violência doméstica.

Onde pedir ajuda

  • Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 / ligue180@mdh.gov.br
  • Juizado de Violência Doméstica contra Mulher - 2126-9671 / Rua do Imperador, 119 - Centro, Maceió-AL
  • Patrulha Maria da Penha - Ligue 190
  • Centro Especializado de Atendimento à Mulher e Direitos Humanos (CEAM) - 3315-1792 / Rua Augusto Cardoso, s/n - Jatiúca, Maceió-AL

Delegacias da Mulher 

Delegacia de Defesa da Mulher 1 - DDM1
Delegada: Paula Mercês da Silva
Fone: 3315-4976
End: Rua Boa Vista, 443, Centro, Maceió
E-mail: deddm1@pc.al.gov.br

Delegacia de Defesa da Mulher 2 - DDM2
Delegada: Cássia Mabel Souza da Rocha
Fone: 3315-4327
End: Rua Antônio Souza Braga, 270, Conjunto Salvador Lyra, Maceió
E-mail: deddm2@pc.al.gov.br

Delegacia de Defesa da Mulher de Arapiraca
Delegado: Maria Fernandes Porto
Fone: 3521-6318
End: Rua Domingos Correia, 35, Centro, Arapiraca
E-mail: deddma@pc.al.gov.br