Contextualizando

Em busca da conciliação

Em 28 de Setembro de 2025 às 14:00

Texto de Nuno Vasconcellos:

".... Ao elogiar Lula, manifestar para o mundo sua intenção de conversar e fazer publicamente um convite para um encontro, Trump não chegou a aplicar um xeque-mate em Lula — que nos dias anteriores à Assembleia da ONU vinha se referindo, sempre que podia, à falta de interesse da Casa Branca em dialogar. Esse argumento, agora, não existe mais. O que o presidente dos Estados Unidos fez, para continuar usando uma metáfora dos tabuleiros de xadrez, foi se apossar das pedras brancas e tomar a iniciativa do movimento. E, por consequência, deixar por conta de Lula e da diplomacia brasileira a obrigação de reagir fazer o movimento seguinte. No jogo de xadrez, quem joga com as brancas tem a primazia do ataque.

Até o final da semana passada, o Itamaraty, pelo menos publicamente, não havia reagido à investida de Trump. Sendo assim, a decisão de convidar o Brasil as portas do diálogo, anunciada por ele, continuava rendendo frutos positivos para os Estados Unidos. Para começo de conversa, o convite deixou em segundo plano o brilho do discurso Lula havia acabado de fazer na abertura da Assembleia Geral da ONU.

O Brasil, por uma tradição que remonta a 1955, é sempre o primeiro país a discursar nos encontros das Nações Unidas — e desde 1982, no governo do general João Figueiredo, esse papel normalmente cabe ao próprio presidente da República. O presidente Lula havia acabado de exercer essa prerrogativa com um discurso em que expunha cirurgicamente o as posições de seu governo em relação ao panorama mundial. Esse ponto de vista, foi, talvez, o mais claro e preciso dos pronunciamentos que ele fez nas onze vezes que já ocupou  a tribuna das Nações Unidas.

Na linguagem polida que convém aos discursos diplomáticos de alto nível, Lula reafirmou as linhas de atuação que seu governo imprimiu à política externa brasileira. 

O presidente apontou com clareza as principais divergências que existem entre os dois países. Lula se queixou das “sanções arbitrárias” que o Brasil vem sofrendo; falou do multilateralismo como a solução para os problemas do mundo, defendeu a regulação da internet e manifestou preocupação diante da “equiparação entre criminalidade e terrorismo” — um ponto sobre o qual Trump tem insistido, sobretudo em relação ao tráfico de drogas feito a partir da Venezuela.

Também sem mencionar o Estado de Israel, Lula disse que nenhuma 'situação é mais emblemática do uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina'. Se queixou da ausência do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, 'impedido pelo país anfitrião' de comparecer à Assembleia. Reafirmou a independência do Judiciário brasileiro, falou em soberania... enfim, tocou em todos os pontos possíveis e pontuou as diferenças entre os dois países sem, no entanto, propor ou reivindicar a abertura de diálogo para solução dos problemas.

Só que Trump devolveu a bola para ele e o convidou para o jogo. Se o governo brasileiro aceitar o convite e der início à busca do entendimento, o próprio discurso de Lula nas Nações Unidas já oferece o roteiro para a discussão. Os principais pontos de divergência entre os dois países foram postos na mesa e o discurso de Trump, feito de improviso minutos depois, em diversos momentos pareceu uma resposta direta à fala do brasileiro.

Em seu discurso, Lula disse, por exemplo, que 'a forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas. Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento'. Trump, por sua vez, mencionou os nomes dos cartéis MS-13 e Tren de Aragua, de origem venezuelana.

E disse que 'essas organizações torturam, mutilam, mutilam e assassinam impunemente. São inimigas de toda a humanidade. Por essa razão, recentemente começamos a usar o poder supremo das Forças Armadas dos Estados Unidos para destruir terroristas venezuelanos e redes de tráfico lideradas por Nicolás Maduro, contra todos os bandidos terroristas que contrabandeiam drogas venenosas para os Estados Unidos da América.'

Há outros pontos, como o da questão ambiental e, principalmente, o tema delicado em torno da guerra em Gaza, em que as ideias de Trump contrastaram com as de Lula de forma eloquente. Seja como for, se o discurso do presidente brasileiro contém um roteiro para o debate entre os dois países, o discurso do presidente americano expõe os pontos que permitem concluir, de antemão, que o entendimento será difícil. E terá que incluir temas que vão muito além das questões comerciais. Os principais pontos de divergência entre os dois países foram postos na mesa e resta, agora, escolher o caminho a seguir.

Nesta hora — embora a esperança de que isso aconteça seja remota —, seria muito bom que os chefes da diplomacia brasileira abrissem mão dos arroubos ideológicos de grêmio estudantil que têm marcado sua atuação e voltassem sua atenção para aquilo que realmente interessa ao Brasil. E é aí que entra um detalhe da mais alta importância: embora tenha sido apresentada desde o início como a causa que motivou as desavenças entre os dois países, a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro é uma peça secundária sobre o tabuleiro. E os negociadores americanos podem sacrificá-la caso os pontos que realmente orientam seus interesses sejam atendidos pelo Brasil.

Esse aspecto requer atenção e é necessário dar à posição dos Estados Unidos em relação a Bolsonaro o peso que ela tem de fato. O deputado Eduardo Bolsonaro e o jornalista Paulo Figueiredo, em suas movimentações por terras americanas, têm insistido na tecla de que as sanções e as tarifas comerciais absurdas impostas pelos Estados Unidos às importações brasileiras têm como causa exclusiva o tratamento que o ex-presidente Jair Bolsonaro vem recebendo do governo e do Judiciário brasileiros.

O certo, porém, é que há motivos muito mais relevantes do que esse por trás dos desentendimentos — e isso precisa ser esclarecido o mais cedo possível para que não se alimentem falsas expectativas em relação ao contencioso.

Condicionar a normalização das relações entre os dois países a uma anistia ampla, geral e irrestrita ao ex-presidente e aos demais condenados por crimes de natureza política no Brasil nada mais é do que uma manobra diversionista..."

Gostou? Compartilhe  

LEIA MAIS

+Lidas