Às 19h01 da última sexta-feira (14/2), o presidente da Argentina, Javier Milei, fez uma publicação em sua conta pessoal no X promovendo o lançamento de uma nova criptomoeda chamada $LIBRA.
"A Argentina liberal está crescendo!!! Este projeto privado será dedicado a incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenos negócios e empreendimentos argentinos. O mundo quer investir na Argentina. $LIBRA", publicou o economista libertário, que sempre foi um entusiasta da "tokenização" da economia.
A postagem de Milei incluía um link para o empreendimento, denominado "projeto Viva la Libertad", uma clara referência ao slogan do presidente, que encerra todos os seus discursos dizendo: "Viva La Libertad Carajo", ou "VLLC".
Após esse endosso, a capitalização de mercado da nova criptomoeda subiu para mais de US$ 4 bilhões, impulsionada por cerca de 40 mil compradores, segundo especialistas.
No entanto, em poucas horas o valor da $LIBRA despencou. Isso aconteceu depois que um pequeno grupo de carteiras digitais retirou quase US$ 90 milhões.
Depois da meia-noite na Argentina, Milei deletou sua postagem e postou uma nova mensagem no X, que dizia: "Há algumas horas publiquei um tweet, como tantas outras inúmeras vezes, apoiando um suposto empreendimento privado com o qual obviamente não tenho ligação. Não conhecia os detalhes do projeto e após me inteirar decidi não continuar divulgando (por isso apaguei o tweet)".
No entanto, a sua explicação não impediu que eclodisse um enorme escândalo político, cujas dimensões só foram conhecidas nesta segunda-feira, após a retomada das atividades do mercado.
As três principais chaves por trás do que alguns chamam de "criptogate".
1. Os envolvidos (e sua relação com o presidente)
Um dos principais impulsionadores do lançamento da $LIBRA é o empresário americano Hayden Mark Davis, da Kelsen Ventures.
No domingo (16/2), Davis postou em suas redes sociais um comunicado e um vídeo no qual afirma ser assessor do presidente e que está "trabalhando com ele e sua equipe" em projetos de tokenização de ativos na Argentina.
No dia 30 de janeiro, o especialista americano se reuniu com Milei com o objetivo de "acelerar o desenvolvimento tecnológico argentino e fazer da Argentina uma potência tecnológica global", segundo o próprio presidente publicou no X após o encontro.
Davis garantiu que o "principal patrocinador" da $LIBRA é Julian Peh, um empresário de tecnologia de Singapura, fundador da KIP Network, que também se encontrou com Milei em outubro, e que culpou a Kelsen Ventures pelo fracasso da nova criptografia.
Em relação à $LIBRA, Davis observou que "o lançamento definitivamente não saiu como planejado". Mas negou uma das principais acusações que surgiram sobre o token: que se tratava simplesmente de uma fraude por meio de uma manobra conhecida em inglês como rug pull, algo como "puxada de tapete".
Na indústria da criptomoeda, é uma manobra que acontece quando os desenvolvedores de um projeto fogem com os fundos dos investidores, levando a uma queda brusca no valor de mercado da criptomoeda em questão.
Davis garantiu que dará "liquidez" novamente à $LIBRA, reinvestindo cerca de 100 milhões de dólares em fundos, incluindo o dinheiro obtido através das taxas cobradas, e apelou a todas as plataformas criptográficas que ofereceram o token para fazerem o mesmo.
Sobre o colapso repentino do criptoativo, ele culpou o presidente por ter retirado seu apoio ao projeto, anulando sua credibilidade.
"Seus associados conseguiram o apoio público no lançamento e me garantiram que seu apoio contínuo estava garantido", disse ele.
Esses "associados" que mencionou seriam Mauricio Novelli e Manuel Terrones Godoy, dois comerciantes com quem Milei trabalhou no passado, antes de ingressar na política.
2. O impacto político e jurídico
Assim que o escândalo explodiu, setores da oposição entraram com ações judiciais contra o presidente e pedidos de impeachment por sua suposta participação em uma "mega fraude".
Segundo a denúncia criminal, que nesta segunda-feira coube à juíza federal María Romilda Servini, Milei teria formado uma "associação ilícita" que fraudou "mais de 40 mil pessoas com prejuízos superiores a 4 bilhões de dólares".
Servini, de 88 anos, lidera aquele que muitos consideram o tribunal mais poderoso dos Tribunais, já que além de matéria penal é também o único com competência em matéria eleitoral.
A juíza vai consolidar a ação original juto com outras movidas no fim de semana contra o presidente pelos supostos crimes de fraude, negociação incompatível com cargo público e violação da lei de Ética Pública.
Enquanto isso, a coalizão Peronista-Kirchernista União pela Pátria e pelo Socialismo anunciou que avançará com um pedido de impeachment no Congresso. A medida, que primeiro deve ser analisada em comissão, exigirá a aprovação de dois terços dos votos da Câmara dos Deputados para avançar.
Outro setor da oposição informou que solicitará a criação de uma comissão especial de investigação, para a qual é necessária maioria simples.
3. Links criptográficos com Milei
Como já mencionado, Javier Milei apoia há muito tempo as novas moedas digitais.
Mas ele não é o único presidente a apoiar esse universo. Em 2021, El Salvador tornou-se o primeiro país do mundo a aceitar o bitcoin – a criptomoeda original – como moeda legal, seguindo uma lei promovida pelo presidente Nayib Bukele, que muitos consideram semelhante ao líder da direita argentina.
Porém, o criptoativo deixou de ser moeda oficial em janeiro deste ano, em meio às negociações entre o país e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que estabeleceu como uma das condições para a concessão de um empréstimo à nação centro-americana "mitigando os riscos do bitcoin".
Donald Trump, outro presidente próximo de Milei, também é um defensor dos criptoativos, a ponto de lançar sua própria moeda meme, $TRUMP, em 17 de janeiro, três dias antes de assumir a presidência dos Estados Unidos pela segunda vez.
O lançamento gerou um escândalo, já que – como acontece agora com a $LIBRA – o token subiu de preço por um tempo e depois entrou em colapso, segundo o The New York Times.
Esta não é a primeira vez que Milei promove um ativo criptográfico, e não é a primeira vez que esse token acaba envolvido em um escândalo.
Em fevereiro de 2022, o então deputado nacional elogiou em suas redes o ativo digital da empresa de videogames Vulcano, outro empreendimento de Mauricio Novelli (hoje associado à $LIBRA).
"O projeto de jogos NFT do jogo Vulcano é muito interessante. Um diagrama econômico sustentável ao longo do tempo, ao contrário da grande maioria", expressou Milei.
Semanas depois de sua mensagem, $VULC perdeu todo o valor.
Nesse mesmo ano, o economista libertário reconheceu em entrevista à Radio Con Vos que havia sido pago para promover a CoinX, plataforma de investimentos que acabaria sendo denunciada como um possível golpe de pirâmide.
"Tive o prazer de visitar os escritórios da CoinX World e sua equipe. Eles estão revolucionando a forma de investimento para ajudar os argentinos a escapar da inflação. A partir de agora você pode simular seu investimento em pesos, dólares ou criptomoedas e obter lucro. Escreva para a CoinX World em meu nome para receber conselhos sobre o que há de melhor", escreveu o então legislador em uma postagem no Instagram.
Questionado sobre sua responsabilidade com as pessoas que se sentiram enganadas, Milei disse que não se tratava de uma farsa e que era apenas "uma opinião".
"O negócio estava bem montado", garantiu ao jornalista Ernesto Tenembaum, afirmando que neste tipo de negócio o lucro nunca é garantido.
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