Brasil

Falsos nudes com Inteligência Artificial são a 'nova ameaça' para as escolas

O Tempo | 08/11/23 - 23h20
Foto: Ilustrativa/Freepik

O episódio dos falsos nudes de pelo menos dez adolescentes de uma unidade de ensino da rede particular de Belo Horizonte, semelhante ao ocorrido entre alunos do Rio de Janeiro, expõe um novo desafio para responsáveis, a comunidade escolar e o poder público: o uso da Inteligência Artificial (IA). O recurso tecnológico é visto como uma ferramenta promissora para a educação, capaz de aprimorar o aprendizado dos alunos. No entanto possui o seu “lado sombrio”, como a capacidade de adulterar imagens e vídeos. Uma questão que, segundo especialistas, requer a atenção de toda a sociedade a fim de que o uso dessa ferramenta não ocorra de forma criminosa.  

“Em alguns países mais desenvolvidos, a Inteligência Artificial (IA) já está na grade curricular dos estudantes. Algumas escolas de Minas, por exemplo, também possuem aulas práticas. É uma forma que os professores encontram de aproveitar essa ferramenta de forma positiva com os seus alunos”, aponta Winder Almeida, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinep-MG) e diretor do Colégio Sacramento, em Contagem, na região metropolitana da capital.  

A avaliação dele, que considera esse recurso tecnológico como um benefício para a educação, é a mesma da psicóloga e professora no Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Camila Fardin Grasseli. Ela acredita que essa é uma ferramenta já inserida na sociedade, no entanto, pondera a necessidade de uma alfabetização digital de estudantes e adultos quanto a utilização da ferramenta.“ Ela não pode ser ignorada ou julgada se é boa ou ruim. Essa atribuição de valor deve ser feita na forma em que está sendo utilizada. Muito mais que saber como manusear, é importante saber o que fazer com aquele recurso”, argumenta. 

Novos casos

Os falsos nudes criados pelo estudante de Belo Horizonte foram publicados em uma rede social, que foi desativada após as denúncias das mães de duas adolescentes, de 14 e 15 anos, vítimas da ação. Elas procuraram a Delegacia Especializada de Apuração de Ato Infracional (DEAI) no dia 16 de outubro deste ano, data em que o crime começou a ser apurado. A investigação foi concluída no dia 6 de novembro, uma semana após a Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgar que investigava o vazamento de fotomontagens, feitas a partir da Inteligência Artificial (IA), entre estudantes de um colégio particular da Barra da Tijuca, na Zona Oeste da capital carioca. 

“A gente teme que esses casos possam ser mais recorrentes devido a popularização dessa tecnologia. Isso porque não é preciso ter muito recurso para fazer essa adulteração de imagens. Basta um computador ou smartphone e conseguir acesso a uma rede de internet”, aponta o delegado Ângelo Ramalho, da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), responsável pela investigação do episódio ocorrido na capital mineira.

Segundo o delegado, os episódios em Minas e no Rio de Janeiro exigem a atenção dos pais e responsáveis, uma vez que a prática é considerada crime, conforme previsto no artigo 241-C do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). O texto entende como uma modalidade criminosa a simulação e a participação de crianças ou adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográfica.

A lei determina a prisão de um a três anos, além do pagamento de multa, para aqueles, maiores de 18 anos, que cometem esse crime, seja “por meio da adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual”. Para menores de 18 anos, a lei prevê a internação de até três anos em um Centro Socioeducativo. 

“O autor sempre é responsabilizado, ainda que ele possa ser um menor de idade. Quando isso ocorre, os pais também poderão responder de forma cível. Hoje, existe uma rede de proteção, formada pelas forças de segurança, como o Ministério Público, o poder Judiciário, entre outros, que está preparada para o acolhimento dessas vítimas e para investigar esses casos”, reforça o delegado Ângelo Ramalho. 

"Reféns da adolescência"

Nos casos ocorridos em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, autores e vítimas tinham idades entre 14 e 16 anos. Para a psicóloga Camila Fardin Grasseli, isso reforça um comportamento comum da adolescência, que consiste em desafiar leis e regras. “É um ser humano ainda em formação e que geralmente adota essa postura para poder experimentar a consequência. Ele quer passar por aquela sensação para saber o que pode acontecer, e se vai continuar com aquilo ou não”, explica a psicóloga.  

Ainda segundo a especialista, a fase de desafios, comum durante essa faixa etária, não se justifica pela falta de conhecimento dos adolescentes de que o ato praticato por eles pode configurar um crime. Para ela, o que normalmente ocorre é a falta de compreensão destes garotos e garotas sobre os impactos da ação. “O estudante que criou os nudes falsos, por exemplo, em algum momento sabia que aquela prática era um crime. Talvez, o que ela não tenha entendido antes de fazer isso é o impacto que aquilo poderia gerar”, justifica. 

Por esse motivo, a psicóloga acredita que o adolescente, responsável por esse tipo de infração, não pode ser excluído do ambiente escolar. Ela afirma que ele precisa ser responsabilizado, porém deve ser acolhido pela escola, juntamente com a sua família, a fim de que esse comportamento possa ser corrigido.

“Se esse adolescente ou seus familiares são afastados da escola, a gente impede a possibilidade de frear esse tipo de comportamento por meio da ação empática. Uma importante forma de mudança é fazer com que ele consiga olhar a situação pela visão do outro que foi atingido, como ele se sente e como aquilo afetou a sua vida”, sugere a especialista. 

O cuidado com as vítimas 

O presidente do Sinep-MG e diretor do Colégio Sacramento, em Contagem, Winder Almeida, aponta que essa violência exige cuidados com “as duas pontas”: com o agressor e com o agredido. Esse zelo, segundo ele, passa principalmente por medidas de educação, que auxiliam na prevenção deste atos. Como estratégia para evitar os conflitos, unidades da rede particular de Minas Gerais decidiram apostar em encontros para promover o diálogo entre pais, alunos e professores, além do acompanhamento socioemocional dos estudantes.

“É entender que sem essa relação humana, enfrentar qualquer problema pode ser algo ainda pior. No caso dos falsos nudes, a pessoa que foi vítima precisa ser acolhida. Ela precisa ter o convívio com os professores e com os colegas que irão ajudar a contornar esse momento. O mesmo vale para o agressor, que precisa entender o que ele fez e o impacto causado”, afirma Almeida.

Essas estratégias, feitas também com atividades pedagógicas, buscam auxiliar os alunos e informá-los sobre qualquer ação que pode configurar bullying, seja ele cometido no ambiente físico ou virtual. “São iniciativas que buscam informar os adolescentes e mostrar as responsabilidades que eles possuem. A gente precisa lembrar sempre daquela velha máxima de que é melhor criar crianças do que ter que concertar os adultos”, acrescenta.

No entanto, segundo o presidente do Sindep-MG, as escolas são espaços plurais e por isso conflitos entre alunos são comuns. Ele garante, porém, que, os conflitos são acompanhados pela equipe pedagógica e que os responsáveis são punidos conforme o regimento das instituições de ensino. As penalidades podem variar de advertência verbal até mesmo a suspensão por algum período. Em casos que transcendem o ambiente escolar, o Conselho Tutelar, a Polícia e os órgãos de Justiça são informados, a fim de que as medidas necessárias sejam adotadas.

“É exatamente importante que as escolas não ignorem estes casos. É necessário orientar a criança agredida e aquela que causou a agressão. É uma forma daquele estudante ter consciência do que foi feito”, avalia a psicóloga Camila Grasseli. No entanto, para a especialista, essa responsabilização pode ser em vão, caso os responsáveis pelos alunos não conversem sobre os problemas da escola no ambiente familiar. “Infelizmente, o que percebemos é que isso não está sendo feito e esse episódio dos falsos nudes reforça isso. Se a gente protege nossos filhos das ruas, precisamos proteger também dessa janela aberta que é a internet”, destaca.  

Veja quais as dicas da Polícia Civil quando há a divulgação de “falso nude” 

  • A vítima precisa compartilhar com alguém sobre o ocorrido 
  • Faça o armazenamento deste conteúdo  
  • Procure uma unidade policial 
  • Denuncie na plataforma em que o conteúdo está publicado 

O caso em BH

Na última segunda-feira (6 de novembro), a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou que um adolescente de 15 anos seria o responsável por criar “nudes” com o auxílio de Inteligência Artificial (IA) de pelo menos dez garotas. O autor e as vítimas são alunos de uma escola da preve particular de Belo Horizonte. 
 
A investigação teve início após denúncias das mães das duas adolescentes, de 14 e 15 anos. As responsáveis procuraram a Delegacia Especializada de Apuração de Ato Infracional (DEAI) no dia 16 de outubro deste ano. O autor das montagens criou um perfil nas redes sociais para publicar as fotos de cunho pornográfico e pejorativo, editadas com o uso da inteligência artificial. A página foi removida da web. 

“Assim que esta Delegacia Especializada foi demandada, o perfil foi retirado do ar, e em menos de dez dias, foi possível identificar a autoria delitiva, demonstrando que a Polícia Civil está atenta e apta a atuar nesses cenários de crimes que ocorrem no ambiente digital”, explicou o delegado Ângelo Ramalho, responsável pela investigação.  

Após a identificação do autor, a polícia representou pela aplicação de medida socioeducativa ao autor. O Procedimento de Apuração de Ato Infracional (PAAI) foi encaminhado à Justiça da Infância e Juventude da capital. O garoto poderá ser responsabilizado pelo crime e internado em um Centro Socioeducativo por até três anos.