Contextualizando

“O sistema funciona melhor quando o Judiciário se comporta como colegiado”

Em 26 de Agosto de 2022 às 01:59

Madeleine Lacsko, colunista do portal UOL:

“Cada vez vemos mais pessoas e grupos falando em defesa da democracia e realmente empenhados em defender a democracia. No entanto, parece que as ameaças contra ela ficam cada vez mais reais. A conclusão não é minha, é do Democracy Report 2022, estudo mundial conduzido anualmente pelo V-Dem, núcleo da universidade de Gotemburgo. Este ano, a conclusão é que regredimos 30 anos de avanços democráticos.

O relatório ensaia uma explicação para o fenômeno de democracias que são erodidas justamente à medida em que mais gente se dispõe a defendê-las. Boas intenções e boa vontade não são suficientes, é preciso ciência e eficiência para defender uma democracia. Há um grande problema para colocar essa teoria na prática, ela dá trabalho e não rende aos guerreiros pela democracia uma estrela de xerife no peito, aplauso em botequim ou ovação em rede social. Prioridades, claro.

O mínimo para que uma democracia permaneça em pé é que as instituições de Estado e Governo sejam democráticas. Simplificando de forma até grosseira, é ter Três Poderes com um sistema de freios e contrapesos para que um não se sobreponha ao outro. Há um momento em que o Poder Judiciário passa a ser o fiador da democracia, aquele em que se faz a alternância de poder no Executivo e Legislativo. São as eleições. Eleições em países presidencialistas e populistas como o nosso são, essencialmente, escolhas sobre personalidades. Por isso o sistema funciona melhor quando o Poder Judiciário se comporta como colegiado.

Temos um Tribunal Superior Eleitoral, órgão colegiado, desenhado para ser o fiador da continuidade democrática. Todos os integrantes chegam ali pelo poder político, mas não pelo voto direto da população e são estáveis. É uma natureza diferente de poder. Sejam os ministros do STF e do STJ que compõem o TSE ou os representantes das categorias dos juízes chancelados pelo presidente da República, em alguma medida ali todos fazem política. Por isso se espera que saibam diferenciar o próprio papel da política eleitoral. É disso que depende a estabilidade do TSE, se comportar como colegiado à altura do poder que tem e sem jamais deixar que se levante a mais mínima suspeita de partidarismo.

O Brasil não tem cultura democrática e o cidadão brasileiro prefere circo a ser respeitado pelas autoridades que sustenta no poder. A cultura das redes sociais, impulsionada pelo schadenfreude – felicidade com a humilhação do inimigo – é mais importante que estabilidade. Exatamente por isso o país não está escandalizado com a ideia de que o presidente do TSE continue presidindo os inquéritos das Fake News e dos atos antidemocráticos durante as eleições. E pior, que faça da maneira mais ruidosa e personalista possível.

Nós dançamos à beira do precipício aplaudindo uma postura muito eficiente para dar o troco em quem não presta enquanto toca foco no que resta de democracia e tecido social. O mal seria menor se as ações do TSE para combater desinformação fossem eficientes. Não são e isso deixará o rei nu bem no meio da corrida eleitoral. A preocupação em derrubar posts e vídeos numa era em que a desinformação é feita usando dezenas de plataformas simultaneamente é uma confissão diária da incompetência. Nem enxugando gelo estamos, disse ao UOL o professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP, Pablo Ortellado.

Ele tem uma metáfora sensacional para o efeito real das decisões de derrubar posts e vídeos na máquina de desinformação eleitoral: é como se tivesse um prédio gigante de gelo e você estivesse com um lencinho de bolso enxugando. Alexandre de Moraes optou por fazer a política do ‘habla mesmo, mami’ sentado na cadeira de presidente do TSE conduzindo a eleição mais tensa do período democrático. Obviamente será aplaudidíssimo, já que está moralmente correto e isso é artigo raro.

Se tem gente contra a democracia e tramando golpe de Estado, tem de dar uma resposta mesmo. No caso, a resposta também arrisca a democracia. Mas quem liga? Temos um novo Batman do STF.”

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