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Opinião: “Como se proteger de tristeza, raiva e medo após uma eleição”

Em 5 de Outubro de 2022 às 23:01

André Biernath, da BBC Brasil:

“Debates acalorados, ânimos acirrados, opiniões opostas… A eleição presidencial pode ser fonte importante de estresse – que, por sua vez, é um dos fatores de risco por trás de transtornos mais sérios, como ansiedade e depressão.

De acordo com psiquiatras, a probabilidade de desenvolver um quadro desses é ainda maior quando a disputa fica polarizada demais e adversários políticos passam a ser vistos como inimigos, que precisam ser derrotados a qualquer custo.

Além de fazer mal à democracia, esse tipo de pensamento representa uma ameaça à própria saúde mental das pessoas que nutrem sentimentos tão intensos, explicam os médicos.

A boa notícia é que existem estratégias que ajudam a evitar uma piora da situação e a prevenir danos ao bem-estar, como fazer autoavaliação do comportamento, desligar das redes sociais e buscar uma avaliação com profissionais da saúde.

Origem

A Associação Americana de Psicologia (APA) fez em 2020 um levantamento para entender o impacto das eleições presidenciais no dia a dia das pessoas. O estudo revelou que 68% dos participantes encaravam a disputa política entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump como uma fonte significativa de estresse.

‘O ano de 2020 foi diferente de tudo que já vivemos. Não apenas lidamos com uma pandemia que matou centenas de milhares de americanos, como observamos um aumento da divisão e da hostilidade’, analisou à época o psicólogo Arthur Evans Junior, presidente da APA.

Já uma investigação liderada pela Universidade da Califórnia em San Francisco, nos EUA, descobriu que estar do lado derrotado do pleito impacta a saúde mental. Ao analisar as informações de meio milhão de americanos, os acadêmicos notaram que os moradores de Estados cuja maioria votou na democrata Hillary Clinton, que perdeu a disputa, relataram mais transtornos um mês após as eleições de 2016.

De acordo com os cálculos, isso se traduziu em 54,6 milhões de dias a mais de estresse e depressão para os 109,2 milhões de adultos que vivem nos Estados que preferiram Clinton.

‘Os profissionais de saúde devem considerar que as eleições podem ter um efeito, ao menos transitório, na piora da saúde mental’, constatou a médica Renee Hsia, uma das responsáveis pelo trabalho.

A situação no Brasil

Não é segredo para ninguém que as eleições no país estão polarizadas e geram disputas muito intensas. Mas será que é possível medir o estresse da população neste momento?

O médico Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que o estresse é um conjunto de reações do nosso organismo quando estamos diante de situações novas, que requerem algum tipo de adaptação e enfrentamento.

‘Essas mudanças geram uma série de reações no nosso corpo para deixar a atenção afiada, o raciocínio veloz, os músculos tensos e o coração acelerado’, diz.

Embora não existam muitas pesquisas publicadas sobre o tema no Brasil, Barros observa que a corrida presidencial de 2022 parece diferente do que aconteceu há quatro anos.

‘Me parece que a maioria das pessoas aprendeu a lição em 2018 e criou mecanismos para não entrar em conflitos ou brigas. Entre amigos e familiares com visões opostas, parece existir uma espécie de pacto de silêncio sobre o tema’, avalia.

‘Mas é claro que não podemos ignorar os episódios de violência entre adversários políticos registrados nessas últimas semanas’, complementa.

Já o psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, entende que a participação política pode ter dois lados.

‘É algo paradoxal, mas engajar-se numa campanha é bom ao trazer uma sensação de pertencimento, de participação cívica, de protagonismo, de influência positiva no futuro do país’, lista.

‘O problema é quando isso passa do ponto e gera uma tentação autoritária, em que a discussão se centra apenas no ataque ao adversário por meio da raiva, do ódio e da rejeição. Do ponto de vista da saúde mental, isso é negativo e pode trazer ansiedades’, aponta.

As redes sociais

Os médicos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o acirramento dos ânimos se deve em parte às mídias sociais. Barros aponta que temos uma tendência natural de favorecer as pessoas que reconhecemos como semelhantes e somos mais críticos e duros com quem é de fora do nosso grupo social.

‘Nós combatemos essa tendência com mecanismos civilizatórios, como a justiça social e a transparência. A ideia de defender um ponto de vista e criar divergências faz parte da natureza humana. Mas os algoritmos das redes sociais favorecem o que a gente de viés de confirmação’, ensina Spanemberg, que também trabalha no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Em termos práticos, essas plataformas são configuradas de modo a mostrar apenas conteúdos que se encaixam naquilo que a gente acredita. Em longo prazo, isso cria uma falsa sensação de que todo mundo pensa igual – opiniões divergentes são tão raras nessas redes que acabam ignoradas, ou atacadas com toda a força.

‘Ficamos, ao mesmo tempo, com a sensação de que somos validados o tempo todo, e com uma dificuldade de transitar com o diferente e o contraditório’, resume o psiquiatra.”

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