Haddad disse o óbvio, isto é, demonstrou preocupação com a entrega de serviços de qualidade à população. Não defendeu o fim da estabilidade no serviço público – ainda que devesse fazê-lo, já que, na forma como ela existe hoje no Brasil, trata-se de uma anomalia –, e sim regras de desempenho. Diante das reações entre progressistas, o economista Pedro Fernando Nery, colunista do Estadão, foi ao ponto: em algum momento será possível associar eficiência no serviço público a uma visão progressista? Ou o conceito seguirá visto como uma pauta de viés neoliberal?
Eis aí um debate que importa. Trata-se de um dilema para o País e, mais ainda, para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, o funcionalismo é historicamente uma base de apoio considerável à qual o presidente costuma dispensar especial proteção. Servidores, admite-se, temem perdas de direitos ou porta aberta para precarização, mas há o outro lado da moeda, ou seja, uma sociedade que espera e cobra serviços públicos mais eficientes. Recorde-se que, nos anos de oposição, os petistas se dedicaram a denunciar como os 'inimigos' dos servidores públicos todos aqueles que cobravam destes um trabalho melhor.
E assim, com a decisiva contribuição da militância petista, o Brasil viu debates imprescindíveis interditados por décadas. A estabilidade e a avaliação do desempenho de servidores públicos foi um deles. A responsabilidade fiscal, durante anos, foi outro. A lista se estende às aposentadorias, ao papel das empresas estatais, à corrupção e à busca de eficiência do setor público – preocupações que não se restringem aos 'neoliberais'. Entretanto, com essas interdições, eficiência tornou-se palavrão, avaliação de desempenho é crime de lesa-pátria, e revisão de privilégios só parece legítima quando dirigida contra 'as elites' e a casta do Poder Judiciário. Tal viés refreia qualquer amadurecimento democrático e aperfeiçoamento do Estado.
Pois o Brasil ganharia com mais lideranças capazes de enfrentar temas controvertidos e até mesmo impopulares para fazer o que é certo. A análise da qualidade e do desempenho de servidores públicos é um desses temas a enfrentar, mesmo que à custa da patrulha da militância ideológica. Encará-la requer inevitavelmente tratar também das regras de estabilidade do funcionalismo.
Democracias preveem estabilidade de carreira para garantir a continuidade dos serviços e a proteção de políticas de Estado e dos servidores contra pressões dos governos de turno, mas em geral a estabilidade é restrita a carreiras típicas de Estado, como juízes, diplomatas, policiais e fiscais. Isso torna o modelo brasileiro único no mundo.
Como presidente e como sociólogo, Fernando Henrique Cardoso argumentava que a reforma do Estado não seria apenas um movimento incentivador da racionalização formal da máquina pública e de incentivos a critérios de competição aberta, e sim um movimento democratizador, destinado a assentar as bases de um Estado com efetiva presença na sociedade. Em outras palavras, sua reformulação se prestaria não a obedecer aos cânones do neoliberalismo, mas sim a torná-lo mais democrático no acesso. Ou seja, um novo modelo de Estado é a condição para que seus serviços e benefícios sejam bons e disponíveis para todos.
Eficiência, nesse caso, significa gerar maior capacidade de prestar serviços básicos à população e garantir bens públicos ao maior número possível de pessoas, com o menor custo, sem distorções que incitam a descrença do cidadão em relação à política. É também uma forma de romper um ciclo perverso que costuma unir, simultaneamente, a vitimização e a vilanização dos servidores públicos. E, sobretudo, uma maneira de desfazer anos e anos de mentiras e preconceitos difundidos na esquerda, que só perpetuaram privilégios e desigualdades que se pretende combater."