Texto de Nuno Vasconcellos:
"Há um bom tempo que não se fala em outro assunto no Brasil — e quanto mais a confusão avança, mais difícil se torna prever como ou quando ela acabará. O assunto em questão, como não poderia deixar de ser, é o contencioso comercial, diplomático e jurídico entre o Brasil e os Estados Unidos. Em vez de arrefecer, a cada dia, um novo empurrão parece distanciá-lo um pouco mais da solução. Foi exatamente isso que aconteceu na semana passada, a partir de uma medida inoportuna, tomada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem que ninguém esperasse, Dino expediu uma decisão que, na prática, revoga os efeitos da Magnitsky no Brasil. Essa lei dos Estados Unidos, como todo brasileiro já está cansado de saber neste momento, foi criada pelo ex-presidente Barack Obama para punir pessoas que, a juízo de Washington, cometem atos que atentam contra os direitos humanos. Entre esses direitos se inclui a liberdade de expressão, que os americanos consideram sagrada desde 15 de dezembro de 1791, data em que foi promulgada a célebre primeira emenda à Constituição do país.
A lei Magnitsky, como também já foi dito, mas não custa repetir sempre que for necessário, se aplica única e exclusivamente aos Estados Unidos e deve ser cumprida por indivíduos e empresas que operam ou que têm interesse em continuar operando no país. Ocorre, porém, que, pela dimensão e pelas ramificações globais da economia americana e pelo poder de atração de seu mercado multitrilionário sobre qualquer companhia que pretenda se expandir, os efeitos da lei acabam ultrapassando as fronteiras americanas e se espalhando pelo mundo.
Num cenário como esse, os órgãos de fiscalização e controle do mundo inteiro, sobretudo dos países mais ricos e dinâmicos, em vez de considerar as punições previstas pela Magnitsky e outras leis parecidas como uma afronta à sua soberania, fazem de tudo para se adaptar às normas de funcionamento estabelecidas pelos Estados Unidos...
Seja como for, empresas e indivíduos que operam e pretendam continuar operando no mercado americano simplesmente estão impedidos de manter relações comerciais com qualquer sancionado pela Magnitsky — a menos, é claro, que renunciem ao direito de ter acesso ao maior e mais rico país do mundo. Esse detalhe, a bem da verdade, jamais havia preocupado a quem quer que fosse no Brasil até o momento em que o país foi sugado para o olho do furacão com a inclusão do nome do ministro Alexandre de Moraes, do STF, entre os atingidos pela lei.
Ninguém está aqui para discutir se a inclusão do ministro entre os sancionados foi justa ou injusta. Nem para debater os critérios utilizados pela Casa Branca para punir Moraes. Muito menos para discutir se as ordens que, a partir do Brasil, ele deu a cidadãos e empresas americanas em território americano configuram, de fato, uma afronta aos direitos humanos a ponto de estender a um ministro da Suprema Corte brasileira o mesmo tratamento dispensado a ditadores, terroristas e traficantes internacionais que já sofreram os efeitos da lei e se tornaram párias aos olhos do sistema financeiro mundial.
O que interessa, neste caso, é saber que a inclusão do nome do ministro na lista é um fato consumado. E, enquanto seu nome permanecer entre os sancionados, os bancos e outras empresas brasileiras que se relacionam com ele precisam estar cientes do que pode vir a acontecer com eles.
Este é o ponto: essas empresas estão, neste momento, entre a cruz e a espada."
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