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Opinião: "O governo Lula e o antissemitismo"

Em 12 de Outubro de 2025 às 08:30

Do jornal "O Estado de São Paulo":

"Há poucos dias, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse à Comissão de Relações Exteriores da Câmara que o Brasil se retirou da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), em 18 de julho passado, porque o instrumento de adesão, em 2020, estava 'eivado de erros de forma'.

Segundo o ministro Vieira, não houve consulta prévia ao Congresso, razão pela qual faltou previsão orçamentária para a contribuição à IHRA (10 mil euros anuais), 'deixando o Executivo brasileiro vulnerável a justos questionamentos por parte dos órgãos de controle'. O discurso em defesa da prudência no uso do dinheiro público, contudo, mal esconde o que parece ser a verdadeira motivação da retirada do Brasil da IHRA: marcar posição contra Israel.

A IHRA foi formada em 1998 com o objetivo de reforçar a educação sobre o Holocausto, diante da ignorância generalizada dos jovens europeus sobre o extermínio dos judeus na 2.ª Guerra. Logo conseguiu a adesão de diversos países, dentro e fora da Europa. Em 2016, decidiu adotar uma definição de antissemitismo para orientar o acompanhamento de ataques a judeus no mundo.

Segundo essa definição, antissemitismo é 'ódio aos judeus' a partir de uma 'determinada percepção dos judeus' e que se manifesta por meio de violência retórica ou física contra 'indivíduos judeus e não judeus e/ou contra os seus bens, contra as instituições comunitárias e as instalações religiosas judaicas'. A questão central aqui é que, entre os exemplos de antissemitismo citados pela IHRA, estão alguns que dizem respeito a Israel, e é isso o que o governo brasileiro não aceita.

O chanceler Mauro Vieira expressou essa contrariedade ao apontar o que chamou de 'total falta de clareza' por parte da IHRA 'quanto aos limites do discurso e da ação política legítima em relação ao sionismo, a Israel e à Palestina'. Em seguida, o ministro atacou a 'instrumentalização do antissemitismo para inibir críticas contra as graves violações de direitos humanos e ao Direito Internacional humanitário na Faixa de Gaza e na Cisjordânia cometidas pelo atual governo israelense'.

Ocorre que a IHRA, ao contrário do que disse o ministro Vieira, deixa claro que 'críticas a Israel semelhantes às dirigidas a qualquer outro país não podem ser consideradas antissemitas'. Para a IHRA, no entanto, é antissemita quem aplica a Israel 'padrões duplos ao exigir um comportamento não esperado ou exigido de nenhuma outra nação democrática' e 'estabelece comparações entre a política israelense contemporânea e a dos nazistas' – que é exatamente o que o governo Lula faz.

Mas o chanceler Mauro Vieira escolheu ignorar as nuances do conceito de antissemitismo formulado pela IHRA e partiu para uma interpretação ardilosa, ao dizer que 'aceitar que a crítica às políticas adotadas por Israel seja equiparada a antissemitismo equivaleria a acusar milhares de cidadãos israelenses, judeus, que se opõem ao governo do primeiro-ministro israelense, também de serem antissemitas'.

A má-fé da declaração é gritante: o conceito de antissemitismo da IHRA obviamente não se presta a condenar cidadãos israelenses que não gostam de seu governo, e sim pessoas ou governos que vilanizam Israel em qualquer circunstância, mesmo que Israel esteja exercendo seu direito de se defender, como faria qualquer país em situações semelhantes.

Isso tudo é muito coerente com a visão de esquerda, prevalecente no governo de Lula da Silva, segundo a qual Israel é um país criado pelo imperialismo ocidental para roubar terras e explorar os palestinos. Eis aí por que o chanceler Vieira se queixou dos supostos 'limites' impostos pela IHRA à 'ação política legítima em relação ao sionismo' – referência ao movimento de autodeterminação do povo judeu. Para a esquerda, como se sabe, sionismo é sinônimo de racismo e nazismo.

Que militantes de esquerda disfarcem seu antissemitismo dizendo-se 'antissionistas', é compreensível; que o governo brasileiro se preste a isso quase oficialmente, abandonando, sob argumentos burocráticos e ideológicos, uma organização dedicada a preservar a memória do Holocausto, é profundamente lamentável, pois manda aos antissemitas a mensagem de que sua hostilidade aos judeus brasileiros é não só aceitável, mas justa."

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