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Outro professor da UFSC é intimado após criticar PF em formatura

02/08/18 - 21h14
Reprodução

A Polícia Federal de Santa Catarina intimou o professor Mario de Souza Almeida, do departamento de administração da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), para dar explicações sobre críticas que fez a uma investigação policial durante discurso em evento de formatura da turma do curso de ciência da administração, do qual foi paraninfo.

Almeida condenou o trabalho feito na Operação Ouvidos Moucos, que em 14 de setembro de 2017 prendeu sete pessoas ligadas à UFSC, entre elas o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O reitor se jogou do 7º andar de um shopping de Florianópolis, em 2 de outubro, deixando um bilhete que apontava a operação policial como o motivo do seu ato.

O relatório final da PF não apresentou provas de que Cancellier teria se beneficiado de um suposto esquema milionário de desvio de verbas na universidade.

O professor Mario Almeida prestou depoimento uma semana após a cerimônia de formatura, que aconteceu em 23 de fevereiro. A Folha falou por telefone com o acadêmico, que afirmou ter recebido determinação de um delegado para que não mais criticasse a Ouvidos Moucos.

"Me pediram para ficar quieto, não tocar mais no assunto e é o que eu vou fazer. Então para bom entendedor meia palavra basta", disse Almeida, que desligou o telefone sem dar mais explicações.

Após nova tentativa de contato da reportagem, Almeida respondeu no dia seguinte, enviando um recado. "A ligação caiu enquanto falávamos e não tive condições de ligar de volta. Não tenho interesse em falar sobre esse assunto. Obrigado, mas nada a declarar", disse, no fim do recado.

Em seu discurso na cerimônia da formatura, Almeida questionou o resultado das investigações. "A suspeita de desvios de R$ 80 milhões destinados à educação à distância [cifra divulgada pela PF no dia da deflagração da operação] se mostrou totalmente equivocada", disse. "Eles [professores] foram presos sem ao menos terem sido acusados e não tiveram até este momento, portanto cinco meses depois, o direito de se defenderem", afirmou o professor.

Almeida aponta a operação policial como a causa do ato extremo do reitor da UFSC. "O professor Cancellier não conseguiu suportar tanta injustiça, tanta vergonha e cometeu suicídio em outubro."Ele também criticou -sem apontar nomes- os professores que foram à Polícia Federal denunciar supostos desvios de verbas do programa de educação a distância, origem da Ouvidos Moucos. A fala do paraninfo foi seguida de muitas vaias e alguns aplausos.

Na semana seguinte à formatura, quatro professores do curso de administração enviaram um manifesto à direção do curso e da universidade dizendo terem se sentido ofendidos pelo discurso de Almeida. O documento também foi enviado à PF, que o usou como argumento para intimar Almeida a se explicar.

Na sexta (27), a Folha de S.Paulo revelou que a PF de SC instaurou um inquérito para investigar o chefe de gabinete do reitor Cancellier, Aureo Mafra de Moraes, em razão de uma entrevista em evento de aniversário da universidade em que ele lamenta a morte do reitor.

Ele é acusado por policiais federais de atentar contra a honra de Erika Mialik Marena, delegada que prendeu o reitor na Ouvidos Moucos.

Na entrevista, gravada por alunos para a TV UFSC, Aureo aparece em frente a faixa de manifestantes que protestam contra abuso de autoridade na operação e estampam a foto da delegada Erika. Aureo não mencionou a delegada ou a investigação durante sua fala. O inquérito contra ele ainda não foi concluído. Erika, que entre 2014 e 2016 participou da Operação Lava Jato em Curitiba, assinou a representação que deu início ao inquérito contra o assessor da reitoria.

O relatório final da Ouvidos Moucos foi apresentado em abril deste ano e foi assinado pelo delegado Nelson Napp, que substituiu Erika Marena, transferida para Sergipe depois da morte do reitor. O documento indicia 23 pessoas e destaca que Cancellier só não está entre eles porque morreu.

O delegado Napp diz que o reitor nomeou ou manteve em posição de destaque um grupo de professores que abastecia uma suposta política de desvios de verbas de bolsas de estudos na UFSC. Não há nas 817 páginas do relatório provas de que Cancellier tenha sido beneficiado pelo suposto esquema criminoso.

Os desvios, segundo a investigação, aconteceram entre 2008 e 2016. Cancellier, porém, foi o único reitor incriminado pela Polícia Federal de Santa Catarina, apesar de ter assumido a direção da universidade apenas em maio de 2016. Os reitores que comandaram a UFSC nos oito anos em que a suposta quadrilha atuava, Alvaro Toubes Prata (2008 a 2012) e Roselane Nekel (2012 a 2016), não são alvo das acusações do delegado.

Outro lado

A Polícia Federal de Santa Catarina informou, em nota, que "recebeu representação encaminhada por servidores públicos federais, que se sentiram vítimas de possíveis crimes contra a honra diante da exposição de faixas com dizeres tidos como ofensivos nas dependências da Universidade Federal de Santa Catarina".

Não deu detalhes nem disse se algum inquérito diz respeito ao discurso do professor Mario de Souza Almeida. "Foram instaurados dois inquéritos policiais para apurar os fatos. Como em todos os inquéritos conduzidos pela PF, é pertinente esclarecer que são investigados fatos e não pessoas, sendo a política do órgão não comentar investigações ainda em andamento", afirmou a instituição.