Comportamento

Pais idosos, nova rotina: envelhecimento requer adaptação e, às vezes, apoio psicológico

Folhapress | 25/08/19 - 10h11
Carmela e a filha Fernanda | Folhapress

"Deus não poderia ter colocado pessoa melhor para cuidar de mim. Ela é um anjo na minha vida." É dessa forma que Carmela Carnevale, 83 anos, descreve sua filha, Fernanda Carnevale, 50, com quem mora na região central de São Paulo.

Devido a uma isquemia na medula durante uma cirurgia para corrigir uma válvula da aorta, Carmela perdeu a força nas pernas e o controle de suas necessidades fisiológicas, necessitando de ajuda 24 horas por dia desde então, como muitos idosos e idosas Brasil afora.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2018, 14% da população brasileira é composta por idosos com idade superior a 60 anos.

Com o crescimento dessa parcela da população, o interesse para se tornar um cuidador de idosos aumentou da mesma forma. Segundo dados divulgados pelo Cebrac (Centro Brasileiro de Cursos), os cursos de formação de cuidadores tiveram no ano passado um aumento de 84% na procura, quando comparados aos dados de 2017.

Muitos idosos perdem sua independência e precisam de auxílio durante todo o dia, seja por conta da velhice ou por alguma patologia que os acomete. Como nem todos têm uma Fernanda em suas vidas, cuidadores de idosos como Albert Domingos, 34, e Davi Baptista, 44, entram em campo.

Profissionais da enfermagem que se dedicam a cuidar de pessoas da terceira idade há mais de 15 anos, eles exercem a profissão juntos já há dez anos e dão a receita completa para conseguir cuidar de um idoso: ser paciente e ter empatia.

"A palavra-chave é paciência. Você tem que ter muita paciência para lidar. Cuidar de idoso é saber que ele vai comer e vai esquecer, é ir falando sempre tudo o que vai acontecer. É ter paciência e se colocar no lugar da família e do paciente. Ter empatia. Empatia é tudo", afirma Domingos.

A dupla cuida atualmente de uma idosa de 83 anos que necessita de ajuda por conta de perda de força. Eles se revezam em uma escala de 12 horas por 48 horas para que ela fique resguardada 24 horas por dia, com total auxílio. Sendo muito próximos a ela e à família, Domingos diz que isso não é regra e varia muito de acordo com o estilo de cada uma.

"Já trabalhamos com famílias muito carinhosas, que fazem de tudo por mais alguns minutos de vida de seus amados. Mas também já trabalhamos com idosos as famílias não estão nem aí e os cuidadores dão carinho, dão amor e vão até o final da vida com eles", conta Domingos. "Há muitas famílias que deixam o idoso totalmente na nossa mão. O mundo é corrido, as pessoas trabalham demais. Nossa profissão não tem sábado, domingo ou feriado. Muitas vezes, trabalhamos em datas especiais", diz Baptista.

Foi justamente o emprego de Fernanda que possibilitou que ela pudesse se entregar e mudar totalmente sua rotina para cuidar de sua mãe. Trabalhando há mais de dez anos na administração própria do prédio em que sua mãe mora, do dia para a noite Fernanda largou os filhos, sua casa e as horas de sono para morar com a mãe e dar atenção a quem muito já cuidou dela.

"Eu tinha uma rotina certinha. Chegava do trabalho, jantada e deitava para ver minha novela e dormir até seis da manhã. Hoje, não. Estou morando aqui com ela há mais de um ano e meio e, desde então, meu sono está todo desaparelhado porque ela dorme só 1h, 2h da manhã e eu tenho que pensar meu dia todo baseado nos remédios e nos cuidados dela. Tenho que estar aqui de manhã, de tarde e de noite", conta Fernanda.

Resistência a cuidadores

"Nem fala isso alto que a Fernanda vai ouvir", brinca dona Carmela, quando questionada sobre a possibilidade de ter um cuidador. "Não admito alguém de fora dentro da minha casa. Uma prima minha já teve e não foi legal. Tenho minha filha que está aqui quando eu preciso. Não posso reclamar, ela é um anjo na minha vida."

E não é só filha que sente falta da rotina de antes. "Eu sinto falta de ficar 'zanzando' por aí. Antes eu ia no mercado, cozinha para minha filha e meus netinhos."

Agora, eu tenho que carregar essa porcaria [referindo-se ao andador] para cima e para baixo. Eu me sentia mais útil", conta Carmela, com lágrimas nos olhos. "Às vezes ela chora porque diz que não quer dar trabalho para ninguém. Ela cuidava de todo mundo e os papéis se inverteram", revela Fernanda.

Toda essa emoção entre familiares também acontece com os cuidadores. Domingos e Baptista dizem que é possível, sim, manter um distanciamento saudável do paciente e da família, mas também contam que, por vezes, o envolvimento emocional é inevitável.

"Vamos no enterro do idoso, abraçamos os familiares, choramos. A gente cria um vínculo, não tem como. Estamos todos os dias ali", afirma Baptista.