Saúde

Sem definição federal, estados usam intervalos diferentes para CoronaVac

UOL | 23/01/21 - 09h27
Marcelo Justo/UOL

O Brasil começou a vacinação contra a covid-19 com um imunizante que precisa de duas doses. Mas a falta de definição para todo o país de um intervalo fixo entre as aplicações tem resultado em prazos diferentes nas unidades da federação.

Responsável pelo plano de imunização, o Ministério da Saúde enviou para as secretarias estaduais um informe técnico em que sugere que a segunda dose deve ser aplicada em um período entre 14 a 28 dias após a primeira. A recomendação vale para a CoronaVac, vacina que começou a ser aplicada no país na semana passada. 

De acordo com levantamento do UOL nas secretarias estaduais, há estados, como Santa Catarina, que decidiu completar o esquema vacinal após um intervalo de 15 dias. Já o vizinho Paraná optou por uma janela de 25 dias. E ainda há estados que, assim como o ministério, não definiram um intervalo para seus municípios.

Intervalo em aberto

No informe, o ministério ressalta que "a eficácia desta vacina foi demonstrada em um esquema contendo duas doses com intervalo de duas semanas", citando um período equivalente a 14 dias.

No documento, a pasta também diz que "a vacina deverá ser administrada exclusivamente por via intramuscular em esquema de duas doses, com intervalo determinado conforme segue: intervalo entre as doses, de duas a quatro semanas."

"É muito ruim deixar aberto. Não que esteja errado [o informe]. Seria muito mais fácil se tivesse uma diretriz única, que facilitaria para todos."

"Senão, você deixa a decisão para uma pessoa ou um grupo de pessoas que não tem conhecimento, e os critérios podem ser diferentes", diz. Ao menos dez unidades da federação deixaram para os municípios a escolha do intervalo.

Já no Rio de Janeiro, a Secretaria da Saúde fluminense disse, em seu informe técnico para o estado, ter recomendado um intervalo de 21 dias "visando facilitar o monitoramento". 

Apesar de o governo federal ter elaborado o plano de vacinação, a execução dele fica sob responsabilidade de estados e municípios. Sobre a questão do intervalo, o Ministério da Saúde não liberou um porta-voz para atender a reportagem, e apenas enviou uma nota em que não responde a pergunta sobre o intervalo estar em aberto.

No comunicado ao UOL, o ministério pontua a "a necessidade de seguir as orientações coordenadas pelo Programa Nacional de Imunizações, que prevê ciclos de vacinação de acordo com os grupos prioritários definidos em estudos populacionais". 

Butantan é a favor de 28 dias

Responsável pela CoronaVac no Brasil, o Instituto Butantan é favorável a um intervalo de 28 dias para a população em geral. Já para profissionais de saúde, foco do estudo no Brasil, o ideal seria o intervalo mínimo de 14 dias porque eles estão mais suscetíveis ao novo coronavírus.

"O esquema vacinal que a gente utilizou é um esquema de duas doses, mas com um intervalo de tempo muito curto", disse o diretor-médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan, Ricardo Palácios, no pronunciamento à imprensa em que anunciou a taxa de eficácia geral de 50,38% da CoronaVac, em 12 de janeiro. O instituto disse não ter porta-voz para atender a reportagem.

"Agora, a nível comunitário, isso [janela de 14 dias] não seria necessário. Um intervalo de quatro semanas seria excelente e não teria maior impacto."

A SBIm concorda com um intervalo maior de 28 dias em razão de a vacina do Butantan ser do tipo inativada, que costuma apresentar resultados melhores quando a janela de aplicação entre as doses é maior. 

A outra vacina aprovada no Brasil, a de Oxford, é de vetor viral. No Reino Unido, recomenda-se que a segunda dose seja aplicada após um espaço de três meses porque o resultado seria melhor do que o de um intervalo menor, além de poder imunizar mais pessoas em um primeiro momento.

O imunizante de Oxford, com doses produzidas na Índia, chegou nos últimos dias ao Brasil —o país, inclusive, não deverá conseguir imunizar todos os brasileiros maiores de 18 anos ainda em 2021.

Sem recomendação

No Reino Unido, o informe técnico das autoridades de saúde local, sugeriu um intervalo de 4 a 12 semanas, mas recomendando que a segunda dose do imunizante de Oxford fosse aplicada com o limite superior, ou seja, de três meses. 

"Aqui, isso [uma recomendação específica de intervalo] não ficou estabelecido no informe técnico", diz Cunha, da SBim, sobre a CoronaVac. "O informe técnico, por não ter sido incisivo, deixou essa possibilidade [de escolher o intervalo]." 

"Não é errado aplicar com duas semanas [de intervalo]. Não é errado aplicar com três semanas. Não é errado aplicar com quatro semanas. Entre duas e quatro é o preconizado."

Problema à vista?

A questão do intervalo pode não ser um problema hoje, mas, sim, no futuro. No momento, não há vacinação em postos de saúde. A imunização tem como alvo profissionais de saúde e comunidades específicas, como idosos. Então, as doses são aplicadas diretamente em hospitais e asilos, por exemplo.

Mas, com o avanço da vacinação, quando chegar o momento do uso de postos de saúde para a CoronaVac, as campanhas de comunicação na mídia deverão ser reforçadas.

E um ponto fundamental para elas, segundo a comunidade médica, é trazer mensagens e informações claras, além de reforçar a importância da segunda dose para ter a melhor proteção contra a covid-19. Os intervalos diferentes para uma mesma vacina podem gerar confusão.

Para o presidente da SBIm, a comunicação a respeito do imunizante está sendo falha. "E mesmo coisas que poderiam ser mais simples, como isso, com um indicativo mais direto [de intervalo], seria um facilitador para todos."