"Enquanto o Brasil se distraía com o início do julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe, senadores bolsonaristas e lulistas, com poucas exceções, afrouxaram juntos a Lei da Ficha Limpa, na terça-feira, 2 de setembro, assim como políticos de ambos os lados da suposta polarização haviam feito com leis penais e de improbidade administrativa durante o governo do ex-presidente.
O placar no plenário do Senado foi de 50 votos a 24, e a lista completa de nomes pode ser vista no fim deste texto. O Centrão, como sempre, colaborou para a aprovação do projeto de lei complementar apresentado pela deputada federal Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha de Eduardo Cunha (Republicanos-RJ).
Aprovado e encaminhado a Lula para sanção presidencial, o PLP 192/2023 antecipa o início da contagem do prazo e reduz a duração da inelegibilidade de indivíduos punidos com a proibição de disputar eleições, exceto nos casos dos crimes:
- contra a administração pública;
- de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
- de tráfico de entorpecentes e drogas a fins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
- de redução à condição análoga de escravo.
- contra a vida e a dignidade sexual;
- praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Essas exceções foram propostas pelo senador e ex-juiz Sergio Moro (União-PR), que atuou na contenção de danos, e acatadas pelo relator Weverton (PDT-MA).
No caso desses crimes, portanto, fica mantida a sanção de inelegibilidade prevista na Lei Complementar n° 64, de 1990, ou seja: imposta a partir da decisão condenatória por órgão judicial colegiado e válida até o transcurso do prazo de 8 anos APÓS o cumprimento da pena.
Ainda assim, o afrouxamento da Lei da Ficha Limpa passa a favorecer indivíduos punidos pelos seguintes crimes, chamados por Weverton de “menos graves”:
- contra a economia popular, a fé pública e o patrimônio público;
- contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
- contra o meio ambiente e a saúde pública;
- eleitorais, para os quais a lei comine [imponha] pena privativa de liberdade;
- de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública.
Para esses casos, foi fixada a sanção de inelegibilidade por 8 anos a partir da decisão condenatória colegiada, ou seja: não se espera mais o fim do cumprimento da pena para dar início à contagem desse prazo, nem a data original de término do mandato cassado.
Além disso, foi estabelecido um limite de 12 anos de inelegibilidade em caso de 'eventuais condenações posteriores' à referida punição por improbidade administrativa.
Dos 50 votos favoráveis ao PLP 192/2023, 11 foram do PL, partido de Valdemar Costa Neto ao qual Bolsonaro é filiado – incluindo os de seu filho Flávio (RJ) e dos ex-ministros Marcos Pontes (SP) e Rogério Marinho (RN).
O único senador do PL a dar voto contrário ao afrouxamento foi Jaime Bagattoli, de Rondônia.
'Reduzir a inelegibilidade de condenados pela Lei da Ficha Limpa é um péssimo recado à sociedade. Aprovar essa mudança é dar carta branca para a impunidade e a corrupção no Brasil. Infelizmente, o Congresso Nacional envia mais um péssimo recado à nação', publicou Bagattoli em rede social.
Aliados de Bolsonaro em outros partidos, como Ciro Nogueira (PP-PI), Esperidião Amin (SC) e Luis Carlos Heinze (RS), além da ex-ministra Tereza Cristina (MS) e do ex-vice-presidente Hamilton Mourão (RJ), votaram a favor.
Já o PT deu 3 votos favoráveis: Beto Faro (PA), Jaques Wagner (BA) – líder do governo Lula no Senado – e Rogério Carvalho (SE) – líder do partido -; e 5 contrários: Augusta Brito (CE), Fabiano Contarato (ES), Humberto Costa (PE), Paulo Paim (RS) e Teresa Leitão (PE).
Mas aliados de Lula em outros partidos reforçaram o grupo a favor, como Omar Aziz (AM), Otto Alencar (BA), Rodrigo Pacheco (MG) e Sérgio Petecão (AC), do PSD; a ex-suplente de Flávio Dino, Ana Paula Lobato (MA), e o relator Weverton (MA), do PDT; Pedro Chaves (GO) e Renan Calheiros (AL), do MDB.
Eleito por parlamentares lulistas e bolsonaristas, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ao anunciar em plenário seu voto favorável ao afrouxamento, declarou:
'Eu faço questão dessa modernização, dessa atualização da Lei da Ficha Limpa para dar o espírito do legislador quando da votação da lei. A inelegibilidade não pode ser eterna! Está no texto da lei: oito anos. Não pode ser nove nem vinte. E o meu voto é sim.'
Essa 'modernização' pode agilizar a volta de ícones da velha política brasileira, como:
- Eduardo Cunha, pai da autora do projeto de lei e ex-deputado federal cujo mandato, que terminaria em 2018, foi cassado pela Câmara em 2016 por ele ter mentido em CPI sobre suas contas bancárias na Suíça (com a nova regra, portanto, ele estaria apto a disputar as eleições de 2026);
- Anthony Garotinho, ex-governador do Rio e ex-secretário da gestão de sua esposa, Rosinha, como prefeita de Campos dos Goytacazes (RJ), condenado em 2018 por improbidade administrativa, em caso de compra de votos em troca do benefício assistencial “cheque cidadão”, para favorecer candidatos a prefeito e vereador do seu núcleo político nas eleições de 2016.
- José Roberto Arruda, ex-governador do DF, condenado em 2014 por improbidade em processo decorrente da Operação Caixa de Pandora, em caso de compra de apoio político com dinheiro de propina recebida de empresas de informática beneficiadas com contratos públicos em sua gestão.
- Marcelo Crivella, ex-prefeito do Rio e deputado federal, condenado em outubro de 2024 pelo TRE-RJ, com inelegibilidade imposta até 2028, por abuso de poder político e econômico no caso do “QG da Propina”, esquema de fraude em licitações e desvio de recursos públicos usado para abastecer, via caixa 2, sua campanha à reeleição na prefeitura em 2020, quando foi derrotado pelo prefeito Eduardo Paes..."