Renato Braga, 40, abre a câmera do computador e mostra uma língua inteiramente azul para a reportagem da GQ Brasil. Não é uma condição de saúde. Na verdade, o contrário. Todos os dias, ele usa oito gotas do oxidante com mitocondrial para melhora na cognição e concentração para o dia-a-dia. Renato, de Campinas, não é o único. Ele integra a comunidade “biohacking”. Ou seja, pessoas que buscam “hackear” e aprimorar o organismo.
Você já deve conhecer uma parte da receita. Eles praticam exercícios físicos regulares. Mantêm uma dieta livre ou com restrições a ultraprocessados. Fazem check-ups médicos frequentes. A diferença é o pulo do gato: o uso de elementos naturais ou sintéticos em busca de mais concentração, criatividade, regulação de sono e ter uma memória mais aguçada.
Alguns elementos são naturais, como a ingestão bem controlada de cafeína pela manhã. Mas há também as sintéticas: as chamadas “smart drugs”. Na prática, são combos de vitaminas e aminoácidos encontrados em plantas e alimentos, que são manipulados em farmácias com controle e regularidade administrados pela própria pessoa em busca do “hack perfeito".
Existe um lado filosófico para isso. Nos últimos anos, você deve ter se deparado com a evolução de tecnologias como a Inteligência Artificial. O boom das redes sociais. Smartphones mais potentes. Ao mesmo tempo, uma avalanche de WhatsApp, a onipresença do home office e a crise global de burnout com tantas demandas exigidas ao mesmo tempo.
Renato se deparou com essa questão em 2020. Passou a ler artigos científicos, livros de estudiosos do tema e a concordar sobre certo descompasso entre o organismo humano e a maneira como vivemos após a revolução digital - e, diga-se, também corporativa. Assim, concluiu que tínhamos à disposição meios internos e externos para acompanhar essa mesma velocidade.
“Se a máquina e a tecnologia evoluem, por que nosso corpo não evolui também?”, questiona. “O celular passou de tijolo a um computador de bolso. A gente, em cinco anos, continua com o mesmo cérebro, o mesmo corpo, as mesmas 24 horas. O corpo humano não evolui na mesma velocidade que os softwares. Então, a gente precisa otimizar o que a gente tem”, diz.
Foi assim que ele inaugurou uma plataforma própria de compostos para aprimoramento físico e biológico. Mandou manipular o fármaco Azul Metileno para consumo humano - a versão industrial é usada como corante - que azula a língua, mas que afirma clarear a mente.
Também passou a usar um composto de colina, uma vitamina do complexo B que ajuda na liberação de acetilcolina. A proposta é auxiliar o pensamento lógico, aprendizagem. Você pode consumi-lo em menores quantidades em alimentos na sua geladeira, como é o caso do ovo de galinha.
Os biohackers também estudam o uso de sintéticos como o piracetam, indicado para processos de aprendizagem, memória, atenção, consciência e vertigem. À GQ Brasil, a Anvisa explica que o medicamento é liberado para uso, mas com atenção à indicação na bula.
Anvisa libera medicamento, mas com restrições médicas
Isso significa não ser usado por pessoas com alergia à substância ou a seus derivados, por pacientes com hemorragia cerebral, doença renal avançada ou diagnóstico de Coreia de Huntington, uma condição neurológica e hereditária que prejudica movimentos físicos e também a cognição. O uso dele é contraindicado para crianças menores de 3 anos.
Além disso, é necessária atenção redobrada para quadros com risco de sangramento: o piracetam interfere na agregação na coagulação do sangue e é preciso cautela em casos de úlceras, histórico de AVC hemorrágico, distúrbios de coagulação, cirurgias recentes (inclusive odontológicas) ou uso de anticoagulantes e antiagregantes, como a aspirina em baixas doses.
O uso das smart drugs, fármacos e nootrópicos não é uma coisa nova. As primeiras defesas desses combos vitamínicos datam dos anos 60. Na última década, tornou-se uma carta para o aumento de produtividade no ambiente acadêmico e, em especial, no ideal do Vale do Silício.
Uma parte da comunidade médica é cética sobre o tema, em especial pela dificuldade de promover estudos randomizados e controlados para a análise de perto da ação de todos esses componentes para nossa biologia. Por outro lado, os biohackers defendem que são elementos naturais ou sintéticos usados de forma regrada, com licença para experimentação.
A ideia não é, exatamente, se tornar um computador operantes 24 horas por dia, diz Renato. Cafeína só pela manhã. Ao anoitecer, o segredo é um óculos com lentes amarelas contra as luzes azuis dos aplicativos que dificultam a chegada da serotonina -- o hormônio do sono.
Renato afirma que a comunidade também abole o uso de medicamentos como ritalina e venvanse, estimulantes do sistema nervoso da família das anfetaminas usadas para tratamento de condições como hiperatividade, devido ao longo histórico de mortes pelo uso abusivo pela busca de intensa produtividade. “Essas substâncias têm efeitos colaterais pesados. E se a pessoa já estiver em um estado emocional frágil, pode ser perigoso”, explica.
O biohacking aposta em compostos controlados e naturais, acrescenta, e com ritmo de ciclagem: ou seja, interrupções e retomadas no uso de nootrópicos e smart drugs ao longo do tempo. Toda cautela é pouca. O que funciona para um, pode não funcionar bem para outro. “Cada corpo responde de um jeito. Por isso é importante monitorar sempre a saúde”, diz.
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