Texto de Nuno Vasconcelos, no portal “IG”:
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“A paralisação dos trabalhos no Congresso Nacional devido ao feriado de Corpus Christi, na quinta-feira da semana passada, teve, entre outros efeitos sobre a política, o de jogar um pouco de água fria na fervura que já vinha se levantando em duas das comissões de inquérito que funcionam simultaneamente no parlamento brasileiro. A primeira é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) — ou seja, do Senado e da Câmara — instalada a pretexto de se investigar as invasões das sedes dos Três Poderes nos atos do dia 8 de janeiro. A outra, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), formada por deputados que tentam avançar na discussão dos métodos utilizados nas invasões de terras pelo MST.
As duas preencheram todos os requisitos necessários e por isso foram instaladas. Ambas foram requeridas, como manda o regimento, a partir de fatos determinados que, no entender do número de parlamentares da Câmara e do Senado previsto no regimento, merecem atenção especial por parte do Congresso. A partir da data da instalação, cada uma terá o prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60, para concluir seu trabalho. Ou seja, as atividades estenderão por um período que pode chegar a seis meses. Não precisava tanto tempo. Existe na política brasileira uma lenda segundo a qual todos sabem como começam essas comissões de inquérito, mas ninguém é capaz de dizer como elas terminarão. No caso dessas duas, no entanto, isso está longe de ser verdade.
Sem a pretensão de fazer qualquer exercício de futurologia, é possível afirmar hoje, a pelo menos quatro meses da conclusão do trabalho de cada uma das comissões, que o desfecho de uma é tão previsível quanto o da outra. A despeito do barulho e da poeira que cada uma delas vier a levantar, nenhuma levará a lugar diferente do que se já chegou até agora. Mais do que isso, nenhuma avançará um centímetro nem mudará uma vírgula na (para usar a palavra da moda) ‘narrativa’ dos grupos que digladiam em torno dos temas que estão sob investigação.
Aconteça o que acontecer no plenário da CPMI, os políticos ligados ao governo continuarão se referindo à balbúrdia que tomou conta da praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro como uma tentativa de golpe de Estado por parte da direita. Os políticos conservadores, por sua vez, continuarão apontando a omissão do governo na proteção dos prédios públicos e criticando os exageros na aplicação indiscriminada de penas a todos os participantes, independentemente de sua culpa individual.
No caso da CPI que acontece na Câmara, os políticos governistas continuarão dizendo, como sempre disseram, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social que luta pela Reforma Agrária e que as acusações de violência contra o grupo liderado pelo companheiro João Pedro Stedile não passam de uma reação da direita latifundiária aos avanços da luta social no campo…
E os políticos conservadores continuarão afirmando que o MST é uma organização que se usa de métodos terroristas para extorquir os proprietários rurais. Esse tem sido o discurso que se ouve no parlamento desde o surgimento do MST, no final dos anos 1980, e essa CPI não terá o poder de mudá-lo.
Se é assim, e voltando à pergunta feita no título deste texto, é o caso de perguntar novamente: para que servem as CPIs? Pelo andar da carruagem, tanto a CPMI do dia 8 de janeiro quanto a CPI do MST servirão apenas para deixar tudo como está. Sua consequência mais previsível será a de tornar ainda mais acentuado o clima de divisão que, há anos, impede que o Congresso Nacional chegue a um entendimento em torno das providências para tirar o Brasil de uma crise que se arrasta há mais de dez anos e que mantém a Economia do país praticamente parada.
Haverá gritos estridentes no plenário, dedos em riste apontados para o rosto de algum adversário e ofensas gratuitas dirigidas às pessoas convocadas para prestar depoimentos. Também haverá a tentativa de se utilizar o regimento de acordo com a preferência política da relatoria e toda aquela sucessão de cenas lamentáveis que costumam ser vistas nas CPIs. Mas tudo, no final, seguirá exatamente como está. Infelizmente.”
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