Cultura

Blogueira do TNH1 lança livro sobre a gastronomia alagoana na Bienal

18/11/15 - 14h54

A Jornalista Nide Lins lança nova edição de seu livro sobre gastronomia popular de Alagoas na Bienal (Crédito: Vanessa Alencar)

A Jornalista Nide Lins lança nova edição de seu livro sobre gastronomia popular de Alagoas na Bienal (Crédito: Vanessa Alencar)

Nide Lins teve uma ideia e tanto ao reunir em um guia as postagens sobre botecos alagoanos publicadas em seu blog de turismo e gastronomia no Portal TNH1. O resultado não poderia ser diferente: tiragem esgotada, sucesso absoluto. Todo mundo quis levar para casa o roteiro de delícias presente no Guia da Gastronomia Popular Alagoana, lançado em 2013, pela Editora da Imprensa Oficial Graciliano Ramos.

“Em 2015, vamos repetir o prato, que vem numa porção ainda mais generosa”, brinca a jornalista, ao comentar a nova edição da obra – revista e ampliada – que será lançada no próximo dia 27, às 19h, na Bienal do Livro de Alagoas, no centro de convenções de Maceió.

O atual volume vem acrescido com 30 novos endereços para comensais ampliarem o cardápio da gula ao mirar iguarias de botecos, bares e restaurantes. Sabores diversos e originais para todos os gostos. Prepare o paladar porque, desta vez, Nide incluiu até sanduicherias e comidinhas de ambulantes, como pasteis, bolinhos, tapiocas, canjicas e outros quitutes aprontados com os temperos típicos da nossa região.

Num texto leve e informativo – quase uma conversa informal com o leitor –, a autora revela detalhes sobre modos de preparos e comenta o sabor dos pratos sobre a mesa farta. Entre uma garfada e outra, o texto também registra a história de famílias que construíram bares e receitas na capital e no interior de Alagoas. Assim, o livro indica lugares tão pitorescos quanto aprazíveis – da Churrascaria Cristo Redentor, em Pão de Açúcar, ao Recanto da Macaxeira, em Maceió, e da Maria Furadinha, em Marechal Deodoro, ao Caldinho de Capela, entre tantos outros.

O guia também reúne imagens ilustrativas; serviços com endereços, horários de funcionamento e contatos, e mapa indicativo para o leitor não perder a rota ao visitar os estabelecimentos selecionados. “Fico feliz, porque muitos botecos, antes esquecidos e desconhecidos, aumentaram a clientela depois do blog e do guia. Muita gente me diz: ‘Fiquei fã do Boteco do Tonho por causa do blog’. Ou então: ‘Nide, meu marido, antes de sair de casa, consulta o seu livro para escolher um lugar para comer’”, revelou.

A seguir, você confere uma entrevista exclusiva com a blogueira, que indica seus endereços preferidos e os pratos mais inventivos, fala sobre os novos endereços da nova edição do guia e revela memórias de sua juventude em botecos da capital. Imperdível.

GRACILIANO – Quando você percebeu que as postagens no blog sobre a gastronomia popular alagoana poderiam se tornar um livro?

NIDE LINS – No final de 2012, a jornalista Janayna Ávila, que acompanhava as minhas reportagens sobre a gastronomia popular no blog, convidou-me para fazer o livro pela Editora da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Achei a ideia maravilhosa e seguimos adiante. Fiquei muito feliz, porque além de indicar restaurantes e bares dos bairros – muitos deles desconhecidos e esquecidos –, o livro também incentivou os alagoanos a frequentarem os chamados botecos de rua.

Na minha adolescência havia lugares fantásticos, como a macarronada do Edson, no bairro do Prado, que reunia desde o povo do movimento estudantil (eu era desse grupo) até o grupo da direita. Detalhe: na época só existiam dois partidos políticos, PMDB e Arena. O bar nunca saiu da minha memória, eu ficava observando a cozinha (era aberta), as mulheres de braços fortes virando o macarrão em peneiras enormes, o aroma da galinha cabidela tomando conta do lugar…  Demorava, mas ninguém reclamava porque tudo era feito na hora. Nas paredes do modesto restaurante, havia santinhos de políticos dos dois partidos e uma imagem de Padre Cícero. O estabelecimento fechou e não existe registro desse bar, onde a esquerda e a direita tinham algo em comum: a macarronada do Edson. O livro é história e a proposta me encantou exatamente por isso, para poder registrar essa memória.

A primeira edição do guia foi lançada há dois anos, obteve excelente repercussão e a tiragem inicial esgotou-se rapidamente. Pode-se dizer então que o paladar do alagoano tem uma preferência especial pela chamada “comidinha caseira”?

Os alagoanos apreciam os botecos e os bares localizados no bairro onde moram. Todo mundo acaba adotando os seus prediletos, gerando uma relação de amizade. Muitos clientes se consideram até família dos proprietários. As pessoas conhecem o dono, as cozinheiras e os garçons, que geralmente são poucos. Com as mudanças na defesa ambiental, a fiscalização à pesca predatória, a tradição acabou de certo modo afetada. Mesmo assim, a comida caseira nunca vai sair de moda, é cultura, é tradição. Atualmente, o camarão barba roxa de criatório, por exemplo, você encontra em todo lugar. Sem contar que ele é mais barato. Já o camarão de água doce é raro. Os pitus quase desapareceram. Era uma iguaria rara nas mesas dos botecos até há pouco tempo, mas em 2015 ele voltou e, assim, a tradição da pituzada retornou aos restaurantes e bares, especialmente os situados nas cidades ribeirinhas do Rio São Francisco.

É um exagero ou já podemos dizer que a gastronomia popular é uma marca expressiva da culinária local?

Em Alagoas, ela é expressiva e rica. Mas em todo Brasil há tradições, sabores e aromas que representam a identidade cultural do povo. Isso é muito legal. Quem viaja sempre quer experimentar as comidas típicas da cidade. Na Bahia, o acarajé é uma instituição. Em Alagoas, o sururu no coco é a nossa identidade, Em Belém, o peixe-filhote é o rei da Amazônia…  Nesta segunda edição do Guia, o roteiro está mais amplo – do mar ao sertão, passando pelo agreste. Temos a fritada de aratu da Marinete, em Porto de Pedras (a única); a cabeça de bode (tradição de interior), no Vavá em Arapiraca; as broas de gomas de Maragogi… É muita riqueza de sabores.

 

No novo volume, 30 novos endereços foram acrescentados. Quais os critérios você adotou para a escolha dos contemplados?

O critério principal é a comida ser saborosa, e depois vem a história e a tradição. O sabor é o que nos encanta, que enche a barriga também de felicidade, aquilo que deixa saudades. Para ser saborosa, a comida não pode ser salgada e nem insossa. A medida do sal é uma ciência. Na verdade, a medida é mão, é dom. A textura dos alimentos deve ser macia, a costelinha de porco tem que desfiar com o garfo, o tempero cominho é mais alagoano nas panelas, mas em excesso mascara os sabores. O peixe não deve chegar congelado à mesa, tem que estar macio e suculento.

Os estabelecimentos indicados no livro têm a história de gente simples, que não teve dinheiro para investir, geralmente abre as portas das casas com poucas cadeiras para iniciar o bar, mas como a comida é boa, o estabelecimento cresce.  Eles são empreendedores natos. Não são formados em cursos de gastronomia. A escola é a família e a cozinha. Aprenderam a cozinhar desde cedo. A Marinete, por exemplo, começou com oito anos porque precisava trabalhar para sobreviver, e lá se vão mais de 40 anos. Hoje, ela é dona do seu restaurante, e o tempero da fritada de aratu não muda. Ou seja, manter o mesmo padrão é a alma do negócio.

Vale ressaltar que na gastronomia popular, geralmente os empreendimentos são administrados pelas próprias famílias e, neste caso, não existem serviços cinco estrelas, e sim uma informalidade especial no atendimento. O lugar é simples, a cadeira é de plástico, a refrigeração vem do ventilador, mas a comida é luxuosa de sabores.

 

No total, o guia enumera 58 indicações. Liste cinco delas que qualquer um – seja residente ou turista – deve conhecer obrigatoriamente.

Difícil escolha. Indico todos, porque depende muito do paladar de cada um. Nem todo mundo tem coragem de comer cabeça de bode. Eu provei e gostei, é uma tradição do interior de Alagoas e do Nordeste também, e está cada vez mais difícil encontrar restaurantes que sirvam a iguaria, que é mais comum nas festas de cidades do interior. Tanto, que foi numa festa na Ilha do Ferro, no Sertão de Alagoas, onde eu cheguei atrasada e a cabeça de bode já tinha sido devorada – sobrou apenas o pirão. Em Arapiraca, a buchada do Vavá é única. A pituzada de Pão de Açúcar, no Cristo Redentor, olhando o Rio São Francisco e comendo com as mãos – sem formalidades – os pitus cozidos apenas no sal, não tem preço. O crustáceo é uma raridade. Detalhe: o pitu é mais saboroso do que as lagostas. A galinha do Bar do Doge indico porque é tradicional. As galinhas são criadas no sítio onde reside a família, e também onde fica o barzinho. O preparo das galinhas, seja guisado ou de mulher parida, é sempre feito na noite anterior. As aves são cozidas em fogão de carvão. O caldinho de Capela também é ótimo. Entre as opções, gosto mais do caldo de galinha.

Dos inúmeros pratos e petiscos que você experimentou, quais deles chamaram mais atenção como resultado da equação sabor mais criatividade?

A hóstia do Bar do Tonho são rodelas crocantes de queijo parmesão. Tem também o caldinho de mocotó de Olho D´Agua do Casado. Os donos primeiro colocam o caldo no copo, entregam um prato fundo, um garfo e um ovo e pedem para o cliente machucar. Em seguida, a gente mistura o ovo e o caldo. Resultado: uma iguaria substanciosa. Outro prato curioso é o pirão de peixe do Bar do Beto Pituba, na Barra de Santo Antônio – no lugar da farinha, o pirão é feito com macaxeira.

Ao apresentar opções variadas de lugares que oferecem iguarias da gastronomia popular, o guia vai na contramão de uma tendência que recentemente passou a dominar os cardápios nos quatro cantos do país: a “gourmetização” da culinária. Como você transita por esses dois extremos?

Transito dos restaurantes cinco estrelas aos botecos, usando o mesmo critério: cozinha boa. Gourmet. Não aprecio esta palavra, porque virou nome comum e na minha opinião não define o tipo de cozinha, muito menos se ela é realmente saborosa. Copiei uma definição encontrada na internet: “Gourmet é um ideal cultural associado com a arte culinária da boa comida e bebida, de haute cuisine (alta cozinha)”. Também não adoto o termo alta gastronomia, acho errado, afinal, onde fica a baixa gastronomia? Nos botecos? Gosto de definições mais simples: comida boa e ruim, cozinheiro bom e cozinheiro ruim.  Acho gourmet um termo fora de moda. Agora, hoje tem a gastronomia contemporânea, cheia de requintes e de muita criatividade. Por exemplo, usar a flor de sal (sal especial) para condimentar o doce é uma tendência.  Mas mesmo a gastronomia contemporânea bebe na fonte das tradições para criar. Quem diria que a tapioca, de origem indígena, comum nas nossas mesas, iria virar o item sagrado nas cozinhas dos chefs? Hoje é moda porque não tem glúten. Também não curto o termo cozinha internacional. Ela não define também se a comida é boa. Só por que utiliza ingredientes importados? Estamos no Brasil, vamos valorizar o que é nosso, porque é bom. O chef pode até usar técnicas francesas, mas os produtos devem ser brasileiros.  A comida japonesa autêntica só no Japão, aqui ela foi adaptada ao nosso paladar. Se usamos os nossos peixes, melhor ainda, afinal, o salmão que comemos vem de criatório de ração. Claro, eu como, é bom, mas o nosso atum é melhor ainda.

Resumo: o chef Paulo Martins, de Belém do Pará, que infelizmente deixou o universo cedo e foi o responsável em divulgar a gastronomia Brasileira para o mundo. Nas criações dele tinham farinha, tucupi, açaí, peixes e tudo do mercado público Ver-o-Peso. Depois, veio Alex Atala e Rodrigo Oliveira, e em Alagoas, temos seus seguidores  Wanderson Medeiros, Serginho Jucá, Felipe Lacet, Jonatas Moreira, André Generoso, Simone Bert. Cito eles, porque são nomes que extrapolaram o território alagoano, com destaque no cenário nacional. Cada um tem seu estilo, mas em comum utilizam produtos alagoanos para fazer a comida boa, cheia de riscos e arte, sem esquecer o essencial, que é o sabor. E outra nova geração em Alagoas já segue o mesmo caminho.