Brasileiro faz autodeportação e deixa 6 filhos e mulher nos EUA: 'Angústia'

Publicado em 06/07/2025, às 16h14
The Boston Globe
The Boston Globe

Por UOL

Um dos últimos atos do mineiro Frilei Brás ao lado de seus seis filhos e esposa foi reuni-los todos na sala de casa para uma oração. Instantes depois, ele se dirigiu ao aeroporto de Boston, nos EUA, para uma viagem que jamais havia planejado fazer: estava se autodeportando.

No total, o governo americano insiste que um milhão de estrangeiros já deixaram o país de "livre e espontânea vontade". Os números não foram comprovados por nenhuma entidade independente nem detalhados pela Casa Branca. Mas fazem parte de uma tentativa deliberada do governo de Donald Trump para colocar pressão máxima para que os imigrantes sem documentos optem pela saída.

Vivendo nos EUA desde 2005, Brás entrou de forma irregular no país. Mas, ao longo dos anos, conseguiu autorização de trabalho, obteve carteira de segurança social, mantinha uma empresa aberta, pagava impostos, tinha uma escolinha de futebol, seu programa numa rádio local era o de maior audiência, teve cinco filhos e passou a tratar uma enteada como sua própria filha.

Figura carismática da comunidade brasileira, Brás era uma espécie de referência.

Em 2018, ele chegou a ser pego pelas autoridades migratórias. Mas passou a responder o processo em liberdade e jamais foi prioridade para a polícia. Não tinha antecedentes criminais, cumpria um papel social importante na comunidade e era pai de seis americanos.

Mas tudo mudou com a chegada ao poder de Trump. No dia 14 de maio, como ele sempre fazia uma vez por ano, se apresentou às autoridades migratórias, uma prática comum entre aqueles que esperam, um dia, serem regularizados.

Mas, naquela tarde, a história seria diferente. Antes de entrar na sala de entrevistas, ele ouviu que a mulher que o antecedeu havia tido um ataque de choro. "Ela vai ficar bem", afirmou um dos policiais.

Quando foi a vez do brasileiro, uma tornozeleira foi imediatamente colocada em sua perna e pediram que ele retornasse em uma semana.

"Cumpri a ordem e uma semana depois eu estava lá", disse ao UOL, já no Brasil. "Mas, quando entrei na sala, um agente me disse que a ordem que eles tinham recebido era para me levar preso", lembra o brasileiro.
Sobre a mesa havia uma corrente e algemas. Quatro agentes na pequena sala deixavam claro que o objetivo era colocar medo.

Depois de uma conversa, um deles disse que Brás deveria se considerar "sortudo por não ser levado imediatamente".

As explicações, porém, iam mudando conforme a conversa se desenrolava. "Primeiro me disseram que teria dois meses para deixar os EUA. Cinco minutos depois, me falaram que eu teria apenas 15 dias", afirmou.

Brás sabia que não poderia arrancar a tornozeleira. "Seria um crime federal", admitiu. "Eu tenho seis filhos americanos com um futuro pela frente. Seria muito mais grave", disse. "Fui obrigado a acatar e comprei uma passagem para voltar ao Brasil", contou.

"Eu não decidi sair. Eu fui obrigado. Não tinha escolha", explicou. Segundo ele, nas conversas com os agentes, alguns deles pareciam entender que a política adotada contra os estrangeiros era "injusta". "Alguns não estavam de acordo com o que estava ocorrendo. Eles me confidenciaram que escolheram deportar os mais vulneráveis. E eu era um deles", disse.

Brás insiste que foi alvo de uma pressão, mesmo estando fazendo a "coisa certa". Eu fui me apresentar, como faço todos os anos. Fui fazer algo correto", disse.

"Somos apenas um número"

Para ele, um imigrante hoje é "apenas um número".

"Foi o que os agentes me disseram. Eles têm de bater uma meta de 3.000 prisões por dia. Você, portanto, vai ser o número 500, 600 ou 10. Não importa tua história", disse.

O brasileiro optou por não pegar o pacote oferecido pelo governo americano, que incluiria um cheque de US$ 1.000 dólares (R$ 5.420). "Quem garante que vão pagar? Confiar neles nessa altura do campeonato? Eu não vi ninguém recebendo", explicou.

Em 19 de junho, Brás desembarcou em Belo Horizonte e hoje está em Central de Minas (MG), perto de Governador Valadares.

Foi numa escala no Panamá —no vôo entre os EUA e Minas Gerais— que ele se deu conta de tudo que estava acontecendo. "Tive uma profunda crise de choro, embarcando para Belo Horizonte. Não sei quando vou ver minha família de de novo", lamentou.

Sua esposa, que enfrenta um problema de saúde, e seus seis filhos de 1 a 19 anos, recebem ajuda de amigos, até que o brasileiro consiga meios para voltar a contribuir.

"Numa das conversas, um dos agentes ameaçou deportar todo mundo. Mas ele sabe que seria ilegal, já que são todos americanos", disse Brás. "Isso faz parte de uma pressão psicológica muito grande", explicou.

Segundo ele, naquela sala sozinho e com agentes policiais, não há o que dizer ou responder. O mineiro lembra que quando o prazo que ele havia recebido de dois meses foi reduzido para apenas 15 dias, ele tentou argumentar. Mas a resposta foi dura: "Ou é isso ou você será levado agora mesmo".

Brás estima que, entre a comunidade de brasileiros, a pressão das autoridades está deixando famílias inteiras em "agonia e medo".

"Conheço gente que comprou a passagem e decidiu voltar ao Brasil. É uma profunda crise de ansiedade que se vive e a instauração do medo", disse. "No fundo, trata-se de uma estratégia de muito êxito por parte dos americanos para conseguir que você saia dos EUA, sem que eles tenham de ter procurar e te deportar", avalia.

Brás conta que, nos últimos meses, tem visto como muitos se arrependeram de votar por Trump. "Não esperavam isso na questão migratória", disse.

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