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Cerejeiras florescem antes do previsto no Japão e preocupam cientistas; entenda

CNN | 06/04/21 - 10h38
Foto: Reprodução

Ao imaginar o Japão na primavera, certamente a primeira imagem que vem à sua mente é a das famosas flores de cerejeira do país, também conhecidas como “sakura”. São as delicadas flores brancas e rosas que cobrem as cidades e montanhas, montando tapetes de pétalas por toda parte.

As flores, que vivem um “pico de floração” que dura apenas alguns dias, são reverenciadas no Japão há mais de mil anos. Multidões comemoram com festas de exposição das flores, reunindo-se nos locais mais populares para tirar fotos e fazer piqueniques embaixo dos galhos.

Mas, neste ano, a temporada das cerejeiras veio e se foi em um piscar de olhos, em uma das floradas mais antecipada já registrada na história. Os cientistas alertam que o fato é um sintoma de uma crise climática maior, que ameaça os ecossistemas em todos os lugares.

Yasuyuki Aono, pesquisador da Universidade da Prefeitura de Osaka, coletou registros de Kyoto desde o ano 812 d.C., a partir de documentos históricos e diários. Na cidade de Kyoto, as flores de cerejeira atingiram o pico de 2021 no dia 26 de março, o primeiro em mais de 1.200 anos, disse Aono. Já na capital Tóquio, as flores de cerejeira floresceram em 22 de março, a segunda data mais antiga registrada.

“À medida que as temperaturas globais aumentam, as geadas da última primavera estão ocorrendo mais cedo e a floração também vem antes”, afirmou o doutor Lewis Ziska, do departamento de Ciências de Saúde Ambiental da Universidade de Columbia, nos EUA.

As datas de pico de floração mudam a cada ano, dependendo de vários fatores, incluindo clima e precipitação, mas mostraram uma tendência geral de adiantar cada vez mais. Em Kyoto, a data de pico oscilou em torno de meados de abril durante séculos, de acordo com os dados de Aono, mas começou a se mover para o início de abril durante o século 19. A data caiu para o final de março apenas um punhado de vezes na história registrada.

“As flores de cerejeira são muito sensíveis à temperatura”, contou Aono. “A floração e a plena floração podem ocorrer mais cedo ou mais tarde, dependendo apenas da temperatura. A temperatura era baixa na década de 1820, mas subiu cerca de 3,5 graus Celsius até hoje”.

Segundo ele, as estações deste ano, em particular, influenciaram as datas de floração. O inverno foi muito frio, mas a primavera veio rápida e excepcionalmente quente, então "os botões estão completamente despertos depois de um descanso suficiente".

A floração precoce, no entanto, é apenas a ponta do iceberg de um fenômeno mundial que pode desestabilizar os sistemas naturais e as economias dos países, disse Amos Tai, professor assistente de ciências da terra na Universidade Chinesa de Hong Kong.

Existem duas fontes de aumento de calor, que é o principal fator que faz com que as flores desabrochem mais cedo: urbanização e mudanças climáticas. Com o aumento da urbanização, as cidades tendem a ficar mais quentes do que a área rural circundante, no que é chamado de efeito de ilha de calor. Mas um motivo maior é a mudança climática, que causou o aumento das temperaturas na região e no mundo.

A antecipação da florada não afeta apenas os turistas lutando para viajar no pico da estação antes que todas as pétalas caiam: ela pode ter um impacto duradouro em ecossistemas inteiros e ameaçar a sobrevivência de muitas espécies.

Ação e reação

Plantas e insetos dependem muito uns dos outros, e ambos usam pistas ambientais para “regular o tempo de diferentes estágios de seus ciclos de vida”, disse Tai. Por exemplo, as plantas sentem a temperatura ao seu redor. Se estiver quente o suficiente para um período consistente, elas começam a florescer e suas folhas começam a emergir. Da mesma forma, os insetos e outros animais dependem da temperatura para seus ciclos de vida, o que significa que um calor mais alto pode causar um crescimento mais rápido.

“A relação entre plantas e insetos e outros organismos se desenvolveu ao longo de milhares a milhões de anos. Mas, no século mais recente, a mudança climática está realmente destruindo tudo e perturbando todas essas interações”.

Diferentes plantas e insetos podem responder ao aumento do calor em ritmos diferentes, tirando a sincronia dos seus ciclos de vida. Considerando que antes elas cronometravam seu crescimento simultaneamente a cada primavera, agora as flores podem florescer antes que os insetos estejam prontos, e vice-versa, o que significa que “os insetos podem não encontrar alimento suficiente para comer nas plantas, e as plantas não têm polinizadores suficientes (para se reproduzirem)”, disse o professor Tai.

Na última década, algumas populações de plantas e animais já começaram a se mudar para “altitudes mais altas” e “latitudes mais altas” para escapar dos efeitos das mudanças climáticas, de acordo com um estudo de 2009 publicado na “Biological Conservation”. Mas está se tornando mais difícil para os ecossistemas se adaptarem, com as mudanças climáticas tornando o clima cada vez mais imprevisível. Embora a tendência das datas de floração esteja geralmente se movendo para mais cedo, o clima inesperado e extremo significa que ainda há uma grande variabilidade ano a ano.

“Os ecossistemas não estão acostumados a esse tipo de grande flutuação, isso causa muito estresse. A produtividade pode ser reduzida e os ecossistemas podem até entrar em colapso no futuro”, afirmou Tai.

Não só as cerejeiras

A mudança nas datas de floração deste ano não se limita apenas ao Japão: as flores de cerejeira que adornam o Tidal Basin na capital dos EUA, Washington, também abriram mais cedo. De acordo com o National Park Service, a data de pico de floração das cerejeiras em Washington avançou quase uma semana de 5 de abril a 31 de março.

Além disso, os efeitos da mudança climática não se limitam apenas às flores de cerejeira. “As flores de cerejeira chamam a atenção, as pessoas adoram ir vê-las, mas muitas outras plantas também estão passando por mudanças em seu ciclo de vida e podem ter uma influência ainda mais forte sobre a estabilidade de seus ecossistemas”, disse o professor Tai.

O mesmo fenômeno já está acontecendo com muitas culturas e plantas economicamente valiosas – trazendo grandes problemas para a segurança alimentar e a subsistência dos agricultores. O abastecimento de alimentos em algumas das regiões mais vulneráveis do mundo está sendo diretamente afetado por secas, falhas de safra e enxames de gafanhotos.

Em algumas regiões, os agricultores podem ser forçados a mudar os tipos de plantações que cultivam. Alguns climas ficarão muito quentes para o que está sendo plantado agora, enquanto outros climas verão mais inundações, mais neve, mais umidade no ar, o que também limitará o que pode ser cultivado.

“Os agricultores têm muito mais dificuldade em prever quando terão um ano bom e quando terão um ano ruim", acrescentou o professor Tai, de Hong Kong. “A agricultura agora é mais como uma aposta, porque a mudança climática está tornando aleatório o que acontece em nossos sistemas ecológicos”.