Política

Cunha aceita processo de impeachment contra Dilma; o que acontece agora?

02/12/15 - 18h28

Decisão de Cunha inicia uma guerra declarada (Crédito: Reprodução)

Decisão de Cunha inicia uma guerra declarada (Crédito: Reprodução)

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou nesta quarta-feira (2) abrir um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em razão das pedaladas fiscais. O peemedebista aceitou um pedido de representantes da oposição e que foi apresentado em 21 de outubro. O documento argumenta que as irregularidades fiscais de 2014 apontadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) teriam continuado em 2015.

Muitos juristas sustentam que a presidente só poderia sofrer impedimento por crimes cometidos no atual mandato. Ou seja, eventuais irregularidades do mandato anterior não poderiam justificar seu impeachment agora.

Outros estudiosos do direito, porém, argumentam que a reeleição torna o segundo mandato uma continuidade do primeiro e, por isso, seria sim possível iniciar um processo com base em crimes cometidos nos primeiros quatro anos de governo.

Foi justamente para tentar driblar essa controvérsia que um segundo pedido foi protocolado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. (ministro da Justiça no governo FHC) e Janaína Conceição Paschoal (professora da USP). Eles contam com o apoio da oposição, que participou do ato de entrega do pedido à Cunha.

O pedido passa primeiro pelo crivo dos deputados e depois pelo julgamento dos senadores.

Em meio a tantas dúvidas, a BBC Brasil elaborou um guia para você saber o que esperar a partir de agora.

Quais crimes podem gerar um processo?

Qualquer cidadão pode apresentar na Câmara dos Deputados um pedido de impeachment contra um presidente da República, por crime de responsabilidade. Essa solicitação, porém, deve vir acompanhada de provas documentais ou da indicação de no mínimo cinco testemunhas que possam comprovar as acusações.

Os motivos que podem justificar a abertura de um processo de impeachment estão previstos no artigo 85 da Constituição Federal. São chamados de crimes de responsabilidade atos da presidente que atentem contra “a segurança interna do país”, "exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”; a “probidade (honestidade) da administração pública” e a “lei orçamentária”, entre outros.

A lei 1.079 — criada em 1950 e ampliada em 2000 — especifica melhor que tipos de ações podem ser consideradas crimes de responsabilidade.

O pedido apresentado pelo jurista Hélio Bicudo, por exemplo, está centrado principalmente no desrespeito à “lei orçamentária” e ao princípio da “probidade administrativa”.

Ele argumenta que as “pedaladas fiscais” (atraso de pagamentos aos bancos públicos) e o esquema de corrupção na Petrobras significam o descumprimento da lei 1.079 — e cita os trechos específicos.

No entanto, há juristas que não consideram irregularidades fiscais motivo suficiente para um impeachment. Também argumentam que, para derrubar a presidente, seria preciso ter provas objetivas de que ela é responsável pelos desvios na estatal.

Baixa popularidade ou descumprimento de promessas eleitorais não servem para justificar a abertura de processo, mas a falta de apoio popular aumenta as chances de que o Congresso avalie e aprove um pedido.

Vale lembrar que, no início de outubro, o TCU emitiu parecer recomendando que o Congresso condene as contas do governo de 2014, mas os parlamentares ainda farão o julgamento definitivo da questão, provavelmente no início de 2016.

Há uma controvérsia entre juristas sobre se crimes praticados no primeiro mandato da presidente poderiam levar a um impeachment do atual mandato, já que a Constituição diz que "o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Eventualmente, a questão pode ser levada ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Como é o trâmite de um pedido de impeachment no Congresso?

Após o pedido ser aceito, a Câmara como um todo vai avaliar se o procedimento deve ser de fato iniciado.

Primeiro seria criada uma Comissão Especial, com representantes de todos os partidos, para analisar a questão e colher a defesa de Dilma antes de levar o pedido à votação do plenário. Neste ponto, há divergências entre o regimento interno da Câmara e a Lei 1.079 — o primeiro prevê um rito mais rápido que a segunda.

Esse é um dos pontos questionados no STF pelos deputados da base do governo, já que Cunha definiu que o rito teria como base principalmente as regras mais rápidas, estabelecidas pelo regimento. O Supremo suspendeu a decisão de Cunha provisoriamente, mas ainda não se manifestou em definitivo.

Provavelmente, no caso de iniciada uma análise de pedido, haverá uma mescla das duas regras, nota Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça e ex-ministro do STF, em artigo no site do jornal Zero Hora. Ele era deputado no governo Fernando Collor e relatou o processo na Comissão Especial da Câmara contra o então presidente.

Jobim observa que a Lei 1.079 é anterior à Constituição Federal e por isso houve algumas mudanças de interpretação a partir de decisões do STF no caso do impeachment de Collor (1992) e quando analisou um recurso contra o arquivamento de uma denúncia contra o presidente José Sarney (1990). Essas mudanças foram incorporadas então no regimento, escreveu.

O mandado de segurança do Supremo no caso Collor (MS 21.564) garantiu dez sessões para sua defesa — prazo que tende a se repetir no caso de um eventual procedimento contra Dilma.

É possível que haja mais de uma sessão por dia, mas para contagem de prazos só é contabilizada a primeira realizada, de modo que fica garantido ao menos dez dias para o acusado se defender.

Após a Comissão concluir seu trabalho, deve emitir um parecer a favor ou contrário ao impeachment. Segundo o rito definido por Cunha, que ainda está em análise no STF, qualquer que seja a orientação da Comissão sua decisão será submetida ao plenário.

Após votação aberta, se houver apoio de dois terços da Casa (342 deputados), um processo é instaurado no Senado. Em caso contrário, a denúncia é arquivada.

Quando iniciado, o processo de avaliação na Câmara é relativamente rápido. No caso do impeachment de Collor, em 1992, essa etapa durou um mês. Já o processo no Senado durou mais três meses, encerrando-se com sua condenação em 30 de dezembro.

Como seria um julgamento no Senado?

O julgamento de um processo de impeachment é presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF. Instaurado o processo, Dilma ficaria automaticamente afastada do cargo por até 180 dias.

De acordo com a lei 1.079, para que seja iniciado o julgamento, é eleita uma comissão, formada por um quarto dos 81 senadores. Esses parlamentares devem, então, produzir um texto de acusação (libelo acusatório) contra a presidente.

Nessa hipótese, ele seria então apresentado ao presidente do Senado, atualmente Renan Calheiros, que teria que remetê-lo ao presidente do STF e marcar a data do julgamento.

As peças do processo e o libelo acusatório seriam também encaminhadas ao acusado (a presidente Dilma, nesse caso), que deve também ser intimado a comparecer no dia do julgamento. No entanto, o acusado pode ser representado por seus advogados.

São necessários votos de 54 senadores (dois terços do total) para que Dilma sofra um impeachment. Se isso ocorrer, ela perde o cargo e fica proibida de exercer função pública por oito anos. Então, quem assumiria o comando do país seria o vice-presidente, Michel Temer.

Caso seja absolvida, retoma ao cargo de presidente. Se após 180 dias o julgamento não for concluído, o processo continua acontecendo, mas a presidente pode voltar ao comando do país.