Política

Cunha pode cair nas mãos do juiz Moro; o que pode acontecer com o deputado?

06/05/16 - 07h30
Estadão Conteúdo

Afastado do cargo de deputado federal por decisão unânime do STF (Supremo Tribunal Federal), a situação do agora ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é considerada “sem precedentes” por juristas. Réu no STF desde março decorrente das investigações na Operação Lava Jato, o parlamentar corre o risco de ver seu processo cair nas mãos do juiz federal Sérgio Moro, caso venha a perder o mandato.

O jurista Dalmo Dallari explica que, apesar de o Supremo ter aprovado a suspensão do mandato de Cunha, ele permanece com o foro privilegiado. Ou seja, ele não perde o cargo, mantendo inclusive seu salário de R$ 33 mil, mas é afastado de forma cautelar e não pode exercer funções parlamentares.

— O Supremo pode afastá-lo enquanto durar o processo, mas não pode tirar o mandato. Só a própria Câmara pode fazer isso. Se ele for condenado no Supremo, a Câmara é comunicada e o plenário vota pela perda ou manutenção do mandato.

Acusado de receber mais de US$ 5 milhões em propinas de contratos da Petrobras, Cunha sofre duas ameaças de perda definitiva de mandato.

A primeira no próprio STF. O Supremo tornou Cunha réu em 3 de março passado por suspeitas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Não há prazo para que o julgamento ocorra, mas se a Corte determinar a condenação, a decisão é remetida à Câmara, que, em plenário, vota pela manutenção ou perda de mandato, como explicou anteriormente o jurista Dallari.

A segunda ameaça contra Cunha está no Conselho de Ética da Câmara, onde corre um processo por quebra de decoro parlamentar — a matéria se arrasta desde novembro em razão de manobras executadas por Cunha. O conselho avalia se Cunha mentiu na CPI da Petrobras, quando afirmou não possuir contas no exterior, fato questionado pelas descobertas da Lava Jato.

Se umas das duas possibilidade se concretizar e Cunha for cassado, ele perderá o foro privilegiado. Assim, abrem-se as chances de o STF remeter os autos para a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Moro.

O professor de direito constitucional Erival da Silva Oliveira diz que, sem Cunha na Câmara, cresce a expectativa de um desfecho da situação dele pelo próprio Conselho de Ética.

— Com a decisão de hoje, o STF deu um passo para, de certo modo, acelerar o processo contra ele no Conselho de Ética.

O presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo (PR-BA), já avisou que, com o afastamento de Cunha, os trabalhos do conselho serão feitos com maior "tranquilidade".

O pedido ao STF para que o peemedebista fosse afastado foi feito em dezembro do ano passado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e estava parado até agora nas mãos do relator do caso no Supremo, ministro Teori Zavascki.

Na madrugada de quinta-feira (5), uma decisão liminar do ministro colocou uma pausa nos 459 dias de Cunha como presidente da Câmara dos Deputados. Janot já havia elencado 11 motivos para sustentar o afastamento do parlamentar. Entre eles, havia a suposta ameaça ao ex-relator do processo contra ele no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato (PRB-SP).

No pedido, Janot sustentou que Cunha estava “utilizando do cargo de deputado federal e da função de presidente da Câmara dos Deputados em interesse próprio e ilícito, qual seja, evitar que as investigações contra si tenham curso e cheguem a bom termo, bem como reiterar as práticas delitivas, com o intuito de obter vantagens indevidas”.

Interferência

A forma como Zavascki decidiu sobre o afastamento do deputado não foi a melhor possível, segundo o jurista Ives Gandra Martins. Ele diz que uma suspensão de mandato ter partido de um único ministro pode ser vista como uma interferência do poder Judiciário sobre o Legislativo — a decisão de de Teori foi referendada à tarde pelo plenário da Corte, que aprovou a liminar por unanimidade.

Martins lembra que já estava marcada para a tarde de ontem uma sessão para tratar do tema e que seria melhor que a determinação partisse do plenário do Supremo.

— Se ele [Teori Zavascki] aguentou de dezembro até agora, poderia esperar. Com o senador Delcídio [do Amaral], ele levou a questão ao plenário. Uma decisão colegiada seria uma decisão mais legitimada. Isso era uma questão de horas, porque o presidente [do Supremo] Ricardo Lewandowski já disse que colocaria isso na pauta hoje.

Dallari, por outro lado, refuta a possibilidade de interferência entre os poderes.

— Absolutamente não existe isso. Os membros do Legislativo não são imunes à responsabilidade jurídica e ações perante o Judiciário. Eles só têm um foro privilegiado. Mas respeitado isso, é normal que eles sejam processados.

Durante a leitura de seu voto no Supremo, o ministro Gilmar Mendes comentou a independência dos poderes.

— O respeito à institucionalidade exige que também haja um respeito por parte dos órgãos e das instituições em relação aos valores éticos que subjazem ao estado de direito.

O professor Erival Oliveira também diz não ter percebido qualquer excesso por parte do ministro do STF.

— O Judiciário faz aquilo que estabelece a legislação. O que o Teori está fazendo é aquilo que está na lei. No ato de julgar, pode condenar membros do Legislativo, do Executivo ou do próprio Judiciário.

Cunha se defende

Em entrevista coletiva concedida em frente de sua residência em Brasília após a decisão do STF, Cunha disse que respeita a Corte, mas que "não pode deixar de contestar e estranhar" a decisão. "Há pontos a serem contestados com muita veemência", afirmou o deputado afastado.

Cunha disse ainda que sua defesa não teve tempo para o devido contraditório. "Não houve tempo para que se pudesse o devido contraditório", afirma Cunha. Afirmou também que faltou tempo para os ministros ficarem sabendo da integridade do voto do relator, ministro Teori Zavascki.

O peemedebista afirmou estranhar que a decisão de Teori tenha sido dada logo depois de o processo de impeachment ter sido aprovado na Câmara e contestou alguns pontos do documento formulado pela Procuradoria-Geral da União.

São "pontos muito graves que têm de ser colocados com muitos detalhes". Cunha disse ter havido interferência "clara e nítida" no Legislativo e que sofreu "retaliação política pelo processo de impeachment" porque o "PT gosta de companhia no banco dos réus".

Cunha também rebateu as declarações da presidente Dilma desta quinta-feira e afirmou que "na quarta-feira que vem, vamos poder dizer "antes tarde do que nunca"" e afirmou que Dilma será afastada.