Brasil

Da mandioca à cerâmica: mostra traz saberes de Irará para Salvador

Correio 24 horas | 17/05/19 - 14h18
Divulgação/Correio 24 horas

No próximo fim de semana, quem visitar o centro histórico de Salvador tem a chance de viajar por tradições da zona rural sem sair da capital. Basta visitar a Mostra Cultural Sabores e Saberes de Irará. A exposição reúne um pouco da história do município através das artes plásticas, da gastronomia, da música e da fotografia.

No povoado de Sobradinho, em Irará, a 128 quilômetros de Salvador, 33 mulheres avançam sobre a lavoura para colher a mandioca, plantada um ano antes pelos agricultores familiares. A hegemonia feminina no cultivo da raiz é uma tradição secular na comunidade.

Marinalva Cerqueira, de 51 anos, faz parte da quarta geração da família a manter o cultivo. Tanto que adotou a atividade como apelido. Há mais de quatro décadas, desde que tinha 9 anos, se orgulha de ser chamada de Nalva do Beiju.

“Eu criei meus filhos assim. Na roça, arrancando mandioca, fazendo farinha e goma. Aprendi com minha tia, que aprendeu com minha avó, depois de minha bisavó”, conta a agricultora, famosa na região pela produção de beijus recheados. Um dos mais populares é o Beiju de carne do sol com farinha nutritiva de cenoura, beterraba e couve. 

Barro

Na mesma região, outra tradição se perpetua desde o século XVII, a produção de cerâmica. A antiga arte de dar forma ao barro foi herdada dos antigos índios Paiaiás, que habitavam a região, e ganhou influência africana nos séculos seguintes. 

Não é por acaso que as peças do ceramista Francisco Moreira, que nasceu na região, trazem uma forte presença de personagens femininas, faces com traços afro-ameríndios e religiosidade. Mulheres grávidas, amamentando, ou lidando com a lavoura, se multiplicam entre as peças.

“Tem um pouco de sofrimento, de alegria, e de amor. Eu amo fazer arte, e com a atividade ainda mantenho minha família”, afirma o artista. 

Cores

Em todas as telas do artista plástico João Martins, lá está Inácio, um pássaro sofrê de estimação. A ave circula entre potes e panelas de barro, voa entre mangas e cajus, pousa em janelas de casas de taipa. Retratar o cenário colorido e alegre da zona rural é uma marca do artista. Foi assim que ele ganhou o apelido de Poeta da Cor, dado pelo artista plástico Floriano Teixeira há mais de 30 anos.

“O universo colorido retrata a alma alegre. Ainda hoje isso tudo existe lá na zona rural, e ainda encanta muito”, afirma o artista que está expondo a mostra Mãos ao Barro, no Museu de Cerâmica e Azulejaria Udo Knoff, também no Centro Histórico. 

Fotografias

O cotidiano dos trabalhadores do campo também é o tema das imagens registradas pela fotógrafa baiana Lucy Anunciação. A filha de agricultores, nascida em Irará, percorreu várias comunidades da zona rural do município para registrar detalhes da rotina de quem tira o sustento na terra. 

Nas fotografias é possível ver detalhes do manejo da raiz, do preparo dos beijus e da tradição que se tornou a principal fonte de renda de muitas famílias.

“Estas pessoas demonstram muita força de vida e determinação. Quero que o trabalho delas seja mais valorizado e que elas encontrem mais facilidade para comercializar os produtos”, pontua a fotógrafa.

As exposições também fazem parte da programação da Semana dos Museus, e ficarão abertas ao público até agosto no Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica da Bahia.

“Nós estamos falando do futuro das tradições. É essencial mostrar esta riqueza tradicional. Mas não apenas o objeto pelo objeto. Ele só faz sentido quando contado junto com a história destas mulheres, dos homens, das famílias que passam esta arte de geração para geração”, afirma Renata Alencar, coordenadora do Museu Udo Knoff.