Na linha de frente da guerra contra o coronavírus, Esther Gomez, 25, trabalha há cinco anos como enfermeira especialista em urgências e emergências num hospital público de Madri, uma das cidades mais atingidas pela pandemia.

"Vivemos um atentado terrorista por dia", diz, comparando o número de mortes pela Covid-19 com os deixados pelos ataques realizados em 2004, que deixaram 193 mortos e feriram 2.050.

Desde que primeiro caso foi confirmado na Espanha, em 31 de janeiro, morreram ao menos 13.800 pessoas por causa do coronavírus, uma média de 206 por dia.

Esther tem feito turnos de oito horas e trabalhado como voluntária no contraturno. No último domingo (5), ela contou à reportagem como a pandemia mudou sua vida.

Há cinco anos trabalho em docência e enfermaria, profissão que escolhi porque a cada dia você termina com a sensação de ter feito algo bom, que muda não só sua vida mas também a das pessoas que cuidamos.

Nunca havia vivido uma crise como essa, mas meus professores me contaram como foram os atentados terroristas, os provocados por movimentos separatistas e o de 11 de março de 2004, o maior que já houve no país. Comparando o número de falecidos, estamos vivendo cada dia como se fosse um atentado terrorista.

Este domingo [5 de março] era meu dia livre, e, como muitos enfermeiros, estou trabalhando como voluntária, atendendo a chamados em um hospital perto de casa.

Não tive que dobrar turnos, como fazem alguns de meus colegas, mas, quando chego em casa, tento continuar ajudando. Faz duas semanas que tenho tomado remédios para dormir, porque não consigo adormecer. Vivo com minha família, seis pessoas, mas ninguém está em grupos de risco, então não precisei me mudar. Tiro sapatos, roupas, tomo um banho e adoto todos os cuidados.
Tenho sorte de meus pais me ajudarem, fazerem minha comida. Algumas companheiras estão passando muito mal.

Acordo, vou trabalhar, volto para casa, trabalho. Não dá tempo de fazer exercícios, porque a verdade é que a cabeça não deixa.
Desde o começo da pandemia, morreram muitos, muitos, muitíssimos pacientes, mais do que os meios de comunicação retratam. Vemos isso todos os dias.

No meu hospital faltam recursos, máscaras, kits de teste, praticamente não temos nada. Ao menos em recursos humanos somos suficientes, mas não tem sido assim em toda a Espanha.

Dizem que enfermeiros são preparados para as más experiências, mas não concordo. Na universidade não nos preparam de forma adequada para isso, é muito difícil administrar a dor.

Tenho uma amiga psicóloga, e falo sempre com ela para desabafar e para que me oriente. Minha família também conversa bastante e, quando sabem que foi um mau dia, não me perguntam nada, percebem que não é o momento. A cada dia, acho que vou ficando um pouco mais forte.

Eu via muito sofrimento, não só dos pacientes quanto dos familiares que ficavam em casa, então com meu celular comecei a fazer videochamadas.

Coloquei um pedido de ajuda na minha rede social, e isso acabou levando ao projeto "Acortando la distancia" [que distribui tablets e celulares em hospitais e asilos] e ajudando centenas de famílias.

Essa situação mudou minha vida muitíssimo, na forma de pensar. Nas relações pessoais, familiares, às vezes não damos valor a um abraço, um contato físico, e isso muda quando você vê as pessoas morrendo sozinhas.

Para a sociedade, acho que uma das lições foi começar a valorizar mais profissionais de saúde, principalmente enfermeiros. Há gente que nem sabia que essa é uma carreira universitária, que muitos fazem doutorado. Nossa profissão não era respeitada nem valorizada. Agora, somos nós que entramos nos quartos quando um paciente está isolado, somos nós que cuidamos e fazemos os contatos com suas famílias.

Dos mil e vinte é o ano da enfermagem, e, com a pandemia, acho que a sociedade passou a dar valor à profissão.
O que mais quero fazer quando tudo isso acabar é dormir [risos]. Descansar. Precisei fazer isolamento antes mesmo da quarentena e estou há mais de um mês sem encontrar meu namorado. Adoraria vê-lo.