Brasil

Estudo usado como referência em decreto diz que armas pioram violência

Texto menciona índices de levantamento produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea para justificar facilitação da posse

VEJA.com | 15/01/19 - 18h04
Pixabay

Ao prever as hipóteses de “efetiva necessidade” para facilitar a posse de armas, o Decreto 9.685 assinado nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) cita como parâmetro o índice de violência medido pelo Atlas da Violência 2018, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Fórum, entretanto, lamentou o texto publicado no Diário Oficial da União e que já está em vigor.

“Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armas, mais crimes”, afirma a entidade, em nota. O fórum também vê “burla” ao Estatuto do Desarmamento. “Um decreto nunca poderia ser superior a uma lei. E a lei estipula que é necessário haver um critério.”

Segundo o decreto, todos que morem na área rural ou em cidades localizadas em estados com mais de dez homicídios a cada 100 mil habitantes no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência publicado em 2018, terão direito a adquirir armas e munições. Na prática, libera a posse no país todo, já que todas as unidades da federação têm índices superiores ao previsto.

Além de mapear a taxa de homicídios em todo o país, o relatório também mostra que 71,1% dos homicídios em 2016 foram praticados com armas de fogo. Entre suas conclusões, o Atlas da Violência aponta que a difusão de armas de fogo “apenas jogou mais lenha na fogueira da violência letal”. O estudo menciona que, desde 1980, o crescimento dos homicídios foi basicamente devido às mortes com o uso de armas, uma vez que os assassinatos causados por outros meios permaneceram constantes desde o começo da década de 1990.

O estudo que o governo usou para embasar seu decreto também aponta que o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, interrompeu a “corrida armamentista” que impulsionava mortes violentas e impediu um crescimento de 12% além do registrado. “Não fosse essa legislação que impôs um controle responsável das armas de fogo, a taxa de homicídios seria ainda maior que a observada”.

Para Isabel Figueiredo, conselheira do FBSP, a menção ao estudo reforça a “importância e consistência dos dados produzidos”. “Mas o governo criou um critério tão amplo que, concretamente, significa não ter critério. Isso vai contra ao espírito do Estatuto do Desarmamento, que é restringir o acesso a armas”. “A quantidade de riscos que este decreto traz é muito grave diante de uma possibilidade nenhuma de servir para reduzir a criminalidade. As pessoas vão estar mais inseguras em suas residências ou em qualquer estabelecimento comercial”.

O Fórum também afirma que o a prioridade do governo deveria ser melhorar seus próprios instrumentos de controle de circulação de armas de fogo. “Basta dizer que 94,9% das armas apreendidas em 2017 não foram cadastradas no sistema da Polícia Federal (Sinarm) e 13.782 armas legais foram perdidas, extraviadas ou roubadas, o que equivale a 11,5% das armas apreendidas pelas polícias no mesmo ano. É como se um mês de trabalho das polícias tivesse se perdido”, aponta.