Cultura

'Kanye West da Bahia', Baco Exu do Blues lança disco de luta contra a opressão

Folhapress | 25/11/18 - 12h36
Reprodução/Vírgula

"Queria fazer um disco de blues, só que sem cantar blues", afirma Diogo Moncorvo, 22, tentando elencar as origens de seu segundo álbum, o recém-lançado "Bluesman".

O rapper baiano, mais conhecido pela alcunha de Baco Exu do Blues, não toca guitarra e seu disco não soa como o célebre ritmo americano. Para ele, ser bluesman é ter impulso para sair de baixo. "É qualquer tipo de pessoa que já se sentiu oprimida, subjugada ou desvalorizada - e não quer mais estar nesse lugar."

Baco tenta trazer para o presente a mesma dinâmica que levou os escravos das plantações de algodão do sul dos Estados Unidos a lidarem com o sofrimento da opressão e do racismo por meio da arte. Antes, com o blues. Agora, com o hip-hop.

Mais do que um discurso coletivo de superação, contudo, "Bluesman" é a materialização de uma trajetória particular de conquistas.

Na faixa "B. B. King", a derradeira do novo disco, Baco canta que "entrou duas vezes para a história em dois anos, só com 22 anos". Ele se refere a 2016 e 2017, período em que foi de MC promissor à linha de frente do hip-hop nacional com dois lançamentos de peso.

Primeiro, graças à faixa-protesto "Sulicídio", parceria com o pernambucano Diomedes Chinaski, que foi um marco.

Sem poupar xingamentos, a música chegou como um desabafo, colocando em xeque os privilégios dos rappers do eixo Rio-São Paulo e reclamando os holofotes para o Nordeste.

Depois, com seu primeiro álbum, o elogiado "Esú" (2017), Baco ganhou visibilidade para além do rap. Alavancado pelo hit "Te Amo Disgraça", o trabalho uniu samples da música brasileira (Novos Baianos, Arthur Verocai) às batidas eletrônicas do trap. "Esú" levou o rapper aos palcos de todo o Brasil, além de render prêmios, a simpatia da crítica e um status de celebridade.

Entre os discos, ele também se mudou de Salvador para São Paulo. "É muito duro, mas [em Salvador] você não consegue arrecadar dinheiro para fazer os projetos nem ter a atenção devida. Existe um mecanismo gigante que não enxerga algo que não seja aprovado pela crítica."

Apesar de abrir muitas portas, "Esú" também foi resultado de um período conturbado, em que ele conviveu com a depressão. "Não é como se minha saúde mental tivesse melhorado muito", diz. "Só que 'Esú' foi minha fase autodestrutiva, enquanto 'Bluesman' é por que eu não me destruí."

Se há um ano Baco debatia a dificuldade de lidar com as expectativas externas, o momento agora é de afirmação pessoal como artista e homem negro. A capa de "Bluesman" é um símbolo de resistência: um presidiário empunhando uma guitarra, em foto de João Wainer, no Carandiru.

As referências vão de ícones negros, como Exaltasamba e Jay-Z, a artistas do peso de Van Gogh e Jorge Luis Borges.

Mas a citação mais curiosa do disco é ao rapper americano Kanye West, respeitado como artista, apoiador de Donald Trump e polemista em suas declarações. Recentemente, chegou a dizer (para depois desdizer) que a escravidão foi uma "escolha". Em uma faixa, Baco se define como o "Kanye West da Bahia".

"Aquilo era o ego dele falando, que se houvessem vários Kanye West nós não seríamos escravizados", afirma Baco. "Todas as revoltas escravistas foram boicotadas pelos próprios negros. E eu não os culpo. Mas é a forma dele dizer que não faria essas coisas."

O Kanye West da Bahia, no entanto, prefere não anunciar apoio a políticos.  "A aproximação de Kanye com Trump foi uma forma de ele mostrar que é livre, fazer algo que não queriam que ele fizesse. Para o bem e para o mal, ele é bluesman. Eu não apoiaria Trump como não apoio Bolsonaro. Quero ter a criatividade e a liberdade que [Kanye] tem, deixando claro que não compactuo com certas coisas."

"Bluesman" firma Baco como expoente de uma nova geração do hip-hop nacional, ao lado do carioca BK e do mineiro Djonga. Mas o baiano não vê motivos para festa.

"Esse disco é para dar força [aos negros], da mesma maneira que ele me deu força. É mais sobre luta do que sobre celebração. Há apenas uma celebração pessoal. Passei por estágios de suicídio e não me matei, então, é algo que tenho de comemorar. Em um momento em que pretos são caçados, estou vivo. Temos que celebrar que estamos vivos, dar força aos nossos. Enquanto a gente ficar se lamentando, nada vai acontecer".