Cinema

Murilo Benício se arrisca — e acerta — no papel de diretor de cinema

Em entrevista a VEJA, ator fala sobre dirigir ‘O Beijo no Asfalto’, de Nelson Rodrigues, e como o tempo afastado das novelas o ajudou neste processo

VEJA.com | 07/12/18 - 21h58
Murilo Benício | Reprodução

Há cinco anos Murilo Benício não é visto em uma novela. Apesar de ter feito, durante o período, as minisséries Nada Será Como Antes e Se Eu Fechar os Olhos Agora, o ator conta que é comum ser abordado por pessoas na rua que perguntam quando ele estará em um novo folhetim global. A espera vai acabar no ano que vem, quando ele retorna ao formato em Troia, a estreia da autora Manuela Dias (da minissérie Justiça), sua amiga pessoal, nas novelas.

O tempo longe do principal produto da Rede Globo foi bem aproveitado por ele no cinema. Além de estrelar longas como o thriller O Animal Cordial e a comédia Divórcio, Benício chega agora às salas escuras por trás das câmeras, como diretor, com uma belíssima e surpreendente adaptação do texto de Nelson Rodrigues O Beijo no Asfalto. No texto clássico do dramaturgo, um homem atropelado pede um beijo a Arandir (Lázaro Ramos), um dos transeuntes que tenta socorrê-lo. A cena de dois homens se beijando enquanto um deles morre em público cai no gosto de um repórter sensacionalista, toma o noticiário policial, e desmorona aos poucos a vida de Arandir e sua esposa Selminha (Débora Falabella). 

Na versão digna de um cineasta experiente, Benício mistura a linguagem de cinema e teatro, enquanto descortina os bastidores de ambos os formatos, ao exibir uma mesa de ensaio com os atores — cenas que ele conta terem sido feitas de forma livre, com improvisos, que renderam mais de quatro horas de material e uma (boa) dor de cabeça na hora de editar. O resultado é satisfatório. 

A VEJA, ele conta sobre a experiência, a inversão de papéis, os planos para a TV e o legado de Nelson Rodrigues para a cultura brasileira.

Como nasceu a ideia de se arriscar como diretor em um filme assim, com um texto tão conhecido do nosso teatro, mas com uma montagem tão ousada? Há alguns anos observava os diretores durante meu trabalho como ator e imaginava como eu faria. Senti que era uma necessidade minha dirigir. Já tinha o Nelson Rodrigues em mente. Quando li o texto do teatro, imaginei esse filme inteiro na minha cabeça. Queria mostrar pessoas estudando o texto, abrir a possibilidade para o espectador estar junto com os atores quando eles se preparam para uma peça, para um filme. Mas o importante era fazer isso sem perder o ritmo da história. Se não, ficaria com cara de documentário. Tudo ali foi desenhado por mim. Foi muito pensado e controlado. Apenas a mesa era solta. No final, eu tinha mais de quatro horas de material. Pensei: como vou editar isso? Tive que cortar coisas boas, mas com o propósito de não comprometer a história.

O elenco é composto por ótimos atores, que também são colegas de trabalho. Como foi filtrar esses nomes que vemos ali? O Otávio Muller é muito meu amigo, logo imaginei ele para o papel do Amado (o repórter sensacionalista). O Augusto Madeira (que faz o delegado Cunha) eu vi no teatro fazendo Nelson Rodrigues e fiquei impressionado em como o texto fica bom na boca dele. O Stênio Garcia (Aprígio, pai de Selminha e Dália) eu gosto, pois apesar de ser veterano, é um ator que está sempre querendo aprender, inovar. A Débora estava fazendo Avenida Brasil comigo enquanto eu pensava no filme. A princípio, tinha chamado ela para fazer a Dália, mas ela queria a Selminha. Aí fizemos testes para a Dália e a Débora viu a Luiza Tiso e gostou. Foi ela quem escolheu.

E dirigir a Fernanda Montenegro, como foi essa experiência? Olha, na verdade eu posso dizer que nunca dirigi a Fernanda (risos). Pois ela estava na mesa e os deixei muito à vontade. Coloquei duas câmeras girando ao redor deles o tempo todo e falei: vamos sentar, começar do começo a leitura do texto, e sempre que vocês quiserem interromper para comentar o que está acontecendo ou falar algo do Nelson que achem relevante, podem fazer. Então não posso dizer que essa parte do filme eu dirigi, pois deixei todos livres.

A Débora e você possuem uma boa parceria profissional. Dirigi-la foi diferente do que atuar com ela? Na verdade foi fácil, pois temos uma relação muito próxima e orgânica. Temos mais abertura porque nosso trabalho não acaba ali, ele continua em casa. A gente continua falando sobre ele. Ela participa muito de tudo o que eu faço. Mando para ela minhas ideias, para ela opinar. Ela pega e eleva tudo que eu penso. Nós pensamos igual, mas de uma forma diferente. Ela completa o que me falta.

O filme oferece uma visão íntima da história, que hoje poderia ser considerada datada. Era essa a ideia quando optou por fazer outra produção com este texto do Nelson Rodrigues? O Nelson é um autor que se relaciona com as pessoas. Não é difícil de entender, é fácil. Um nome que faz parte da nossa cultura. É importante manter o Nelson vivo para a cultura brasileira. Foi pensando nisso que fizemos essa montagem.

Você se dedicou ao cinema e minisséries nos últimos anos. Ficar afastado das novelas te fez bem, então? Olha, novela tem um ritmo muito diferente. É um ano da sua vida dedicado só àquilo. Então, fazendo cinema e séries me senti quase de férias (risos). Mas acho importante fazer novelas. É o carro chefe da Globo. Sou funcionário deles, muito bem tratado e respeitado. Me deram essa chance de fazer outras coisas. Enquanto para a emissora for importante fazer novelas, vou fazer. Se um dia elas perderem a importância, posso te dizer que vou me dedicar a outras coisas. E existe um apego do público, que sempre que me vê me cobra: quando vamos te ver nas novelas?

Ano que vem você volta às novelas com Troia. O que pode adiantar sobre o folhetim? Não sei nada. Conversei com a Manu há mais de um ano. Não sei se ela mudou tudo, porque ela é doida (risos). A novela foi adiada. Para minha surpresa, ela adorou, pois teria mais tempo para escrever e pensar. Ela é um poço de conhecimento. É a primeira novela dela e a minha volta, então estou bastante feliz. 

Não tem planos de tirar férias tão cedo, então. Por enquanto não, mas quando a gente faz o que gosta, vive descansado.