Polícia

'O perigo da omissão': casos de feminicídio trazem à tona debates sobre como evitar que mais crimes aconteçam

João Victor Souza e Ana Carla Vieira | 22/07/22 - 14h06
Maria Elenilda, Daniela Fernanda e Maria Aparecida foram mortas por esposos em Alagoas

O termo feminicídio está cada vez mais presente no dia a dia do alagoano. Seja nos noticiários, ou no "boca-a-boca" da população, os crimes têm repercutido e chocado a todos, que acabam se comovendo com tamanha brutalidade dos assassinatos. Mas, afinal, o que significa feminicídio? Por que acontece? O que pode ser feito para tentar coibi-lo? E qual o contexto histórico para tal crime?

O feminicídio é o homicídio de mulheres no âmbito familiar ou em situações motivadas pelo fato da vítima ser do gênero feminino. Mesmo com a criação de duas leis no Brasil para endurecer a pena para esse tipo de violência (a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio), o índice de casos segue alto, com números alarmantes.

Nos últimos oito dias, Alagoas registrou ao menos três casos. Dois aconteceram em Maceió e outro foi registrado em Arapiraca. Em todos eles, as mulheres foram assassinadas pelos próprios companheiros, e em dois, o assassino tirou a própria vida. No terceiro caso, registrado nessa quinta, 21, no bairro Antares, o criminoso tentou suicídio após matar a esposa, mas sobreviveu.

A delegada Ana Luiza Nogueira, da Delegacia da Mulher, destacou que a vítima deve procurar a polícia para registrar a violência doméstica e não temer, porque vai receber todo o suporte de proteção do estado. "A partir dos primeiros sinais de abuso, de violência, a vítima deve procurar a Delegacia da Mulher, porque a violência doméstica tem um ciclo. Muitas vezes começa com xingamentos, ameaças e depois acaba em agressões físicas e até com a morte da vítima. Então, peço para que a mulher não se intimide", ressaltou a delegada.

"Em Maceió, temos duas delegacias que vão dar toda a celeridade que o caso requer, porque a partir do momento que tomamos o depoimento da mulher, já procuramos dar uma medida protetiva de urgência, com autorização da vítima, para evitar que a violência perpetue. O juiz tem um prazo de 48 horas para conceder essa medida, que pedimos no mesmo dia. Sobre a proteção, nós atuamos para que a vítima seja levada a um abrigo ou a casa de família, como também realizamos a escolta dela caso precise retornar à residência para pegar seus pertences", acrescentou.

As delegacias especializadas citadas por Ana Luíza Nogueira ficam localizadas, em Maceió, na Rua Boa Vista, 443, Centro, e na Rua Antônio de Souza Braga, 270, Conjunto Salvador Lira, próximo ao Posto de Saúde. Também há delegacia especializada no interior do estado, na cidade de Arapiraca, além de Centros Especializados e da Casa da Mulher Alagoana. Todos os locais, com endereços e telefones estão disponíveis nesse link

A delegada também afirmou que o agressor sofre punições já durante a investigação. "Pedimos restrições ao agressor, pedimos à Justiça para delimitar o espaço de aproximação dele. Também pedimos a perda do porte de arma, caso ele tenha, e também para negar uma possível autorização para o porte no futuro. Então o agressor já vai enfrentar penalidades durante a investigação", destacou.

Os familiares e amigos de vítimas também podem denunciar os agressores para a polícia, tanto pessoalmente nas delegacias, quanto por meio de ligações telefônicas para a Polícia Militar, no número 190, ou para a Polícia Civil, com o Disque Denúncia 181.

"O perigo da omissão" - A presidente da Comissão Especial da Mulher, da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB-AL), advogada Cris Lúcio, disse que toda mulher deve ser incentivada a denunciar agressões sofridas no meio familiar ou por questão de gênero. "É importante que essa mulher, vítima de violência, tenha conhecimento que existem leis específicas e mecanismos que coíbam essa violência. Após a denúncia, a vítima tem que ter todo amparo dos órgãos de proteção estatal, por meio de uma rede que dará apoio psicológico não só à vítima, mas a toda família que estará fragilizada. Importante propagar a informação da existência de uma rede de apoia a essa mulher vítima de violência, para que ela tenha a certeza que não estará só no enfrentamento da violência e no resgate de sua dignidade e autoestima", enfatizou a advogada.

A representante da Comissão da OAB-AL destacou também que o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher necessita do envolvimento de toda sociedade. "Cada um necessita fazer a sua parte. As autoridades, a sociedade, o vizinho que tem o conhecimento de que há uma vizinha que sofre esse tipo de violência. Como já dito, existem leis específicas e mecanismos que podem inibir essa violência, precisando propagar a informação e trazer para cada um de nós o problema. A omissão acaba sendo mais uma violência contra essa mulher que sofre já a violência doméstica e familiar. Acreditamos que é um mal que cabe a toda sociedade combater", disse Cris Lúcio.

A OAB/AL, por meio da Comissão, informou que está em contato constante com os órgãos de proteção às vítimas de violência doméstica e familiar. "Temos acesso à rede de apoio, de modo que as vítimas podem entrar em contato conosco, que estaremos dando todo amparo e suporte necessários para o resguardo e proteção de sua vida e integridade física e psicológica, uma vez que buscaremos diretamente acompanhar e encaminhar essas vítimas às autoridades competentes e aos locais de acolhimento".

Foto: Reprodução/Internet

Contexto histórico - Dos primeiros passos dos seres humanos até determinado período histórico, a figura da mulher sempre esteve relacionada a todo tipo de submissão perante o homem. Essa imagem antiga do homem mandar na mulher, e às vezes, a tratar como um objeto, fez o gênero femimino sofrer diversas ações, como ter que obedecê-lo e, a mais grave de todas, ser violentada de todas as formas, sendo o assassinato a pior delas, com maior dano à vida.

Com o passar dos séculos, a luta pelos direitos da mulher ainda é presente, diária e necessária. As mulheres ainda são vítimas de discriminação e desigualdade. A submissão da mulher por questão única de ser do sexo oposto do homem, por lei, não é mais admitida, porém as ocorrências de casos de violência não diminuíram. No país, o mais comum crime de feminicídio é o de violência familiar ou doméstica, quando o causador é da família ou construiu um laço afetivo com a vítima.

A advogada Cris Lúcio lembra que o feminicídio, implementado no Código Penal, pela Lei 13.104/15, consiste na conduta de matar a mulher por razões da condição do sexo feminino, entende-se esta condição em virtude de violência doméstica ou familiar, menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher, aplicando-se pela de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, incluído no rol dos crimes hediondos.

'Desde a antiguidade a imagem da mulher sempre esteve associada à submissão perante o homem, com ordens atreladas a vários tipos de violências. Violência esta que mais tarde resultou na mais gravosa e no maior dano a uma vida, o assassinato. Podemos dizer que tudo isso adveio de uma cultura patriarcal, a qual ainda está enraizada em nossa sociedade, e que de certa forma contribui para a violência doméstica e familiar", recorda a advogada.

"Mesmo diante de discriminação, desigualdade e violência, a mulher ainda desempenha importante papel na sociedade. A representatividade feminina vem avançando em vários segmentos. No entanto, ainda há um longo caminho a se percorrer para alcançar a igualdade entre homens e mulheres. A implementação de leis que coíbem qualquer tipo de discriminação e violência contribui para diminuição da desigualdade, além da implementação de políticas públicas, que são a basilar ferramenta para coibir atos deploráveis de violência contra mulher, como o feminicídio", concluiu.

Três feminicídios em oito dias - O primeiro caso aconteceu na última quinta-feira, 14. Um casal foi encontrado morto dentro do quarto, no bairro Pontal da Barra, em Maceió. Cláudio Jackson Barbosa dos Santos, 36 anos, autor do crime, usou uma arma de fogo para disparar cerca de 10 vezes contra a vítima, Maria Elenilda Vieira da Silva, 28 anos. Logo após de assassinar a esposa, Jackson tirou a própria vida com um tiro na boca. 

O segundo registro ocorreu cinco dias após o primeiro caso, em Arapiraca, nessa terça-feira, 19.  A vítima, identificada como Daniela Fernanda Silva Belo, 29 anos, foi brutalmente assassinada a golpes de arma branca pelo próprio marido, Diego Fernandes Lira da Silva, 32 anos. Após cometer o crime, Diego mandou um áudio para a cunhada confessando o crime e depois foi encontrado morto dentro de um carro, em consequência de ferimentos causados por uma colisão com caminhão. Testemunhas relataram que ele também teria cometido suicídio.

O terceiro registro aconteceu no final da manhã desta quinta-feira, 21. Um homem matou a companheira, a advogada identificada como Maria Aparecida Bezerra, de 54 anos, a facadas em um conjunto residencial no bairro do Antares, na parte alta de Maceió. O homem, identificado como Alisson Bezerra da Silva, foi encontrado no local do crime com ferimento no pescoço, após supostamente ter tentado cometer suicídio.