Após a oração mariana do Angelus, deste domingo (27/01), no Lar do Bom Samaritano Juaz Díaz, em Cidade do Panamá, o Papa Francisco recordou as vítimas do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), no final da manhã de sexta-feira (25/01). Pelo menos 37 pessoas morreram.
O Pontífice citou também a tragédia ocorrida no Estado mexicano de Hidalgo, onde a explosão de um oleoduto perfurado ilegalmente mantou até o momento 114 pessoas.
“ Desejo expressar meus sentimentos de pesar pelas tragédias que atingiram os Estados de Minas Gerais, no Brasil, e Hidalgo, no México. Confio à misericórdia de Deus todas as pessoas falecidas. Ao mesmo tempo, rezo pelos feridos e expresso meu afeto e proximidade espiritual a seus familiares e a toda a população. ”
Solidariedade da CNBB
A presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também manifestou sua solidariedade para com as vítimas de Brumadinho, emitindo uma Nota de Solidariedade, na tarde deste sábado (26/01), a respeito do fato ocorrido na sexta-feira.
Na nota, os bispos destacam que aquela tragédia recente e semelhante quando houve rompimento de outra barragem em Mariana (MG) ensinou muito pouco.
Em nome do episcopado brasileiro, os bispos da presidência se unem aos familiares das vítimas e às comunidades para pedir: “As famílias e as comunidades esperam da parte do Executivo rigor na fiscalização, do Legislativo, responsabilidade ética de rever o projeto do Código de Mineração, e do Judiciário, agilidade e justiça“.
A presidência manifesta estar unida também com toda a família arquidiocesana de Belo Horizonte e reforça o pedido do arcebispo, dom Walmor Oliveira: “É urgência minimizar a dor dos atingidos por mais esse desastre ambiental, sem se esquecer de acompanhar, de perto, a atuação das autoridades, na apuração dos responsáveis por mais um triste e lamentável episódio, chaga aberta no coração de Minas Gerais”.
No final da Nota de Solidariedade, a Presidência da CNBB “oferece orações ao Senhor da Vida em favor das famílias, das comunidades da Arquidiocese de Belo Horizonte, atingidas pelo rompimento da barragem da mineradora Vale. Convidamos cada pessoa cristã a se associar aos irmãos e irmãs que sofrem com a perda de seus entes queridos e de seus bens“.
Leia a Nota, na íntegra:
NOTA DE SOLIDARIEDADE
“Toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8, 22)
A tragédia em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, vem confirmar a profecia de São Paulo VI: “Por motivo de uma exploração que não leva em consideração a natureza, o ser humano começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação (Discurso à FAO, (16/11/1970).
Por ocasião do “Desastre de Mariana”, também em Minas Gerais, o Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB afirmava que “é preciso colocar um limite ao lucro a todo custo que, muitas vezes, faz negligenciar medidas de segurança e proteção à vida das pessoas e do planeta” (25/12/2015). “O princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceitual da economia” (Laudato Sì, 195). Esse princípio destrói a natureza e a pessoa humana.
É muito triste constatar que o “desastre de Mariana” tenha ensinado tão pouco. É urgente que a atividade mineradora no Brasil tenha um marco regulatório que retire do centro o lucro exorbitante das mineradoras ao preço do sacrifício humano e da depredação do meio ambiente, com a consequente destruição da biodiversidade. “O meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos” (Laudato Sì, 95).
As famílias e as comunidades esperam da parte do Executivo rigor na fiscalização, do Legislativo, responsabilidade ética de rever o projeto do Código de Mineração, e do Judiciário, agilidade e justiça.
Unidos à família arquidiocesana de Belo Horizonte, assumimos como nossas as palavras do seu Arcebispo Dom Walmor Oliveira de Azevedo: “É urgência minimizar a dor dos atingidos por mais esse desastre ambiental, sem se esquecer de acompanhar, de perto, a atuação das autoridades, na apuração dos responsáveis por mais um triste e lamentável episódio, chaga aberta no coração de Minas Gerais. A justiça seja feita, com lucidez e sem mediocridades que geram passivos, com sentido humanístico e priorizando o bem comum, com incondicional respeito e compromisso com os mais pobres” (25/01/2019).
A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expressa solidariedade e oferece orações ao Senhor da Vida em favor das famílias, das comunidades da Arquidiocese de Belo Horizonte, atingidas pelo rompimento da barragem da mineradora Vale. Convidamos cada pessoa cristã a se associar aos irmãos e irmãs que sofrem com a perda de seus entes queridos e de seus bens.
A esperança de viver na “Casa Comum” anime os nossos passos, e a fé na ressurreição ilumine a nossa dor!
Brasília-DF, 26 de janeiro de 2019
Cardeal Sérgio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de Salvador
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
A rede Igrejas e Mineração também manifestou solidariedade às vítimas de Brumadinho na nota abaixo.
Choramos com a Mãe Terra lágrimas de lama e sangue. Não à impunidade!
A rede Igrejas e Mineração chora junto às vítimas do crime ambiental de Brumadinho, Minas Gerais (Brasil).
Estamos escrevendo hoje desde esta comunidade violada, que bem conhecemos e voltamos a visitar, após termos celebrado com ela várias vezes, na caminhada, a vida e a resistência frente à expansão da mineração.
Escrevemos também desde as muitas comunidades latino-americanas atingidas pela violência arrogante do extrativismo, hoje abraçadas silenciosamente à pequena Brumadinho, em lágrimas.
Estamos solidários às famílias das vítimas e às comunidades de fé, que terão o árduo desafio de reconstruir a esperança. Unimo-nos também à Arquidiocese de Belo Horizonte, que, com as palavras do Evangelho, definiu a tragédia como “abominação da desolação”, referindo-se aos “absurdos nascidos das ganâncias e descasos com o outro, com a verdade e com o bem de todos”.
Seguimos acompanhando e assessorando as igrejas empenhadas nos territórios feridos pela mineração e em todos os conflitos abertos entre empresas extrativas e comunidades (só no Brasil há mais de 70 Dioceses onde foram mapeados conflitos).
A impunidade consolida o crime
A empresa Vale S.A., junto à BHP Billiton, é responsável por 19 mortes e pela contaminação da bacia do Rio Doce, em 05 de novembro de 2015. A repetição do mesmo dano, três anos depois, com um rastro de mortes e destruição bem mais grave, é a confirmação de sua incapacidade de gestão e prevenção dos danos, de descaso e de conduta criminal.
Esta responsabilidade envolve também o Estado, que licencia os projetos extrativos e deveria monitorá-los para garantir a segurança e a vida digna das comunidades e do meio ambiente.
A responsabilidade do Estado é dupla, porque a impunidade e a falta de reparações completas e suficientes para as vítimas do crime de Mariana foi uma das condições principais que permitiram o novo crime de Brumadinho.
Portas giratórias
De braços dados, o capital das mineradoras e o poder político facilitam a instalação ou ampliação de grandes projetos extrativos, minimizando as condicionantes e as regras de licenciamento dos mesmos. A própria mina Córrego do Feijão, cuja barragem de rejeitos estourou, obteve em dezembro de 2018 licença ambiental para expansão de 88% de suas atividades. No Conselho de Políticas Ambientais do Estado de Minas, só o Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc) votou contra esta expansão, denunciando mecanismos “insanos” para reduzir as exigências no licenciamento de empreendimentos de mineração de grande porte.
Não se podem denominar “acidentes ambientais” os desastres provocados por condutas irresponsáveis das empresas aliadas ao poder público.
Sociedade civil organizada mas não escutada
Desde 2011 a população de Brumadinho e da região manifesta-se de forma organizada contra a mina, seus impactos e ameaças. O FONASC, em dezembro de 2018, escreveu comunicação oficial ao Secretário Estadual de Meio Ambiente, pedindo a suspensão do licenciamento da mina Córrego do Feijão. A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale denunciou na Assembleia Geral dos Acionistas da Vale, em abril de 2018, “o perigo do reiterado processo de redução de custos e despesas em suas operações”, fazendo explicita menção a diversas barragens de rejeitos.
Os responsáveis por estes crimes não podem alegar ou justificar desconhecimento dos riscos e ameaças. Ao contrário, em nome da ilusão do “progresso” e do lucro para muito poucos, há desqualificação sistemática das vozes dissonantes, dos que pedem cautela e cuidado, dos que identificam os riscos e exigem processos de licenciamento detalhados e escuta da população ameaçada, afetada ou atingida pelos projetos.
Teimosamente, fazemos ressoar as palavras de Papa Francisco na encíclica Laudato Si’: “no debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (LS 183).
Flexibilizar até quebrar
O Presidente recém eleito no Brasil, atendendo às pressões de quem financiou sua campanha, manifestou o plano de flexibilizar ao máximo o controle e licenciamento ambiental. Criticou a suposta “indústria da multa ambiental”; seu Governo esvaziou de atribuições a pasta do Meio Ambiente, suspendeu contratos com ONGs empenhadas em defesa do meio ambiente, extinguiu secretarias que trabalhavam para políticas públicas contra o aquecimento global.
Também os Governos anteriores facilitaram a expansão desregrada da mineração no País, promovendo o Plano Nacional de Mineração e reformulando, por decreto, o Marco Legal da Mineração.
Os acontecimentos recentes demonstram, violentamente, que estas políticas são um suicídio coletivo e uma ameaça à vida das futuras gerações.
Este modelo de crescimento é insustentável e letal; não se pode chantagear quem precisa de emprego para sobreviver em regiões controladas pela mineração, sem garantir ao mesmo tempo segurança, saúde e bem-estar social. Os problemas não se resolvem “apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos”. “Não é possível conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente com o progresso. Neste campo, os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso. Trata-se simplesmente de redefinir o progresso” (LS 190, 194).
Falsos diálogos
Frequentemente, as empresas e os governos apelam à mediação dos conflitos com as comunidades através do “diálogo”. Buscam, inclusive, a intermediação das igrejas, para oferecer a estes processos maior credibilidade.
Também institucionalmente tem-se investido em mediações extrajudiciais e termos de ajustamentos de conduta para tornar mais efetiva e rápida a reparação de danos e violações ambientais.
A falta de execução das mitigações e reparações, a leniência em prevenir novos desastres e a repetição de práticas irresponsáveis e criminosas confirmam: este tipo de proposta não é um diálogo verdadeiro. É uma estratégia das empresas para seduzir a opinião pública, garantindo uma espécie de licença social para poluir, reduzir a resistência popular e iludir que o grande capital pode se converter aos valores da sustentabilidade e do bem comum.
Mais que neste “diálogo”, assimétrico e desrespeitoso, acreditamos nas regras democráticas de proteção ambiental e dos direitos das populações e em autoridades que efetivamente monitorem seu respeito e punam quem as violar. Apoiamos um Tratado Vinculante para Empresas e Direitos Humanos, em nível internacional, e na responsabilização judicial, eficaz, rápida e consistente, de quem aposta na impunidade ou, no máximo, na leve incidência financeira de raras multas aplicadas. Crime socioambiental não é acidente!
Desde Brumadinho e desde América Latina, 26 de janeiro de 2019