Desde que Daniel Alves foi colocado em liberdade provisória pela Audiência de Barcelona, em 25 de março, redes sociais no Brasil foram inundadas de comentários e críticas, como dizer que um estupro na Espanha "custa" EUR 1 milhão (R$ 5,4 milhões, valor da fiança imposta ao ex-jogador) ou que a Justiça só existe para pobres que não possam arcar com tal valor.

O presidente Lula (PT), por exemplo, disse: "Estamos sabendo agora que o Daniel Alves poderá ser libertado se pagar alguma coisa. Aprendi lá em Pernambuco que as pessoas diziam: 'Aqui no Nordeste, quem tem 20 contos de réis não é preso'. Essa máxima continua".
Já a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, afirmou que "R$ 5 milhões compram a liberdade de um estuprador que já foi julgado e condenado por estupro".

A Folha de S.Paulo conversou com o especialista Valentín Quiroga Martínez, sócio e diretor de um escritório de advocacia que atua em Madri e Barcelona, para entender quais os mecanismos jurídicos do caso do ex-jogador. Martínez tem 20 anos de experiência em direito penal na Espanha. Confira abaixo perguntas e respostas sobre o caso.

PERGUNTA - Por que Daniel Alves conseguiu liberdade provisória após ser condenado?

VALENTÍN QUIROGA MARTÍNEZ - São duas as razões. Em primeiro lugar, a defesa, a acusação e a promotoria pública apresentaram recursos questionando a pena (a defesa quer diminuir; os outros, aumentar). Esses recursos criaram a necessidade de os juízes reavaliarem os autos e proferirem uma sentença final, que ainda não foi dada. Se ninguém recorresse, a sentença de quatro anos e meio teria sido definitiva e não haveria espaço para liberdade provisória.

A liberdade provisória foi concedida apenas para o período entre a sentença inicial e a definitiva, que pode durar alguns meses. "Também há casos em que os réus saem antes de a sentença ser proferida. Tivemos casos em que, após o julgamento, mas antes da sentença [duas ou três semanas depois], libertaram nosso cliente porque o juiz já sabia que a pena não seria muito alta", lembra Quiroga.

P. - E a segunda razão para sua liberdade provisória?
VM - O risco de fuga diminuiu muito após a sentença. "A pena de Daniel Alves, que poderia ser de 10 anos ou 12 anos, acabou sendo de quatro anos e meio. Considerando que ele já esteve quase um ano e meio na prisão e que é possível, após esse tempo, ter acesso a benefícios penitenciários, o risco de fuga diminuiu muito", diz o advogado. "Ou seja, se Dani Alves permanecer mais seis ou sete meses na prisão, é possível que ele já seja libertado condicionalmente."

P. - A Justiça considera que acabou o risco de fuga de Daniel Alves?
Diminuiu muito. No entanto, como sempre há algum risco, o tribunal determinou medidas para prevenir uma fuga agora. "Por exemplo, a fiança de EUR 1 milhão é para que ele não fuja. Dani Alves pode pensar que, se fugir, perderá EUR 1 milhão. Fugir para não cumprir apenas seis meses não faz sentido", explica Quiroga. O tribunal também exigiu que ele compareça uma vez por semana e determinou a entrega de seus dois passaportes. "Temos a fiança, a apresentação semanal e a retirada dos passaportes que asseguram ou reduzem muito o risco de fuga. Por isso, agora, ele pode sair."

P. - Após a sentença final, Daniel Alves voltará à prisão?
VM - Sim, a menos que a sentença final o absolva ou diminua sua pena o suficiente para a liberdade condicional imediata. A fiança também será devolvida a ele.

P. - Por que Daniel Alves passou 14 meses preso preventivamente antes do julgamento?
VM - Porque havia alto risco de fuga, diz Valentín Quiroga. A equação considerada pela Justiça é: quanto mais alta a pena, maior o risco de fuga. "Quando detiveram Daniel Alves, lá no início, a pena teórica poderia ser de 8 ou 10 anos, até 12 anos, ou seja, uma pena muito alta. E é preciso analisar a pessoa. Daniel Alves, por suas circunstâncias econômicas, tem muita facilidade para ir a qualquer lugar do mundo com seu dinheiro."

P. - Um réu sem tantos recursos financeiros pode ser solto antes do julgamento, em vez de ficar 14 meses preso aguardando a sentença, como Daniel Alves?

VM - "Sim, isso é muito comum", afirma Quiroga. "Um acusado que está com sua família, trabalhando na mesma cidade, vivendo lá a vida toda, e não tem muitos meios para fugir tem um risco de fuga bem mais baixo." No caso de Alves, os advogados de defesa pediram sua liberdade provisória antes do julgamento por cinco vezes, mas não a conseguiram. "Sim, claro, porque o risco de fuga é sempre individual", diz Quiroga.

P. - Para a liberdade condicional, o réu deve cumprir um terço da pena?

VM - Neste caso, sim. "A partir de um terço, é possível ter acesso a benefícios carcerários", diz o advogado. Sua pena atual é de 54 meses, e ele já cumpriu 14. Quando completar 18 meses, poderá sair em liberdade condicional, caso cumpra alguns requisitos do sistema penitenciário, como boa conduta e endereço fixo, entre outros.

P. - O valor de EUR 1 milhão para uma fiança é normal na Espanha?
VM - Não. Foi um valor alto, que se deveu às possibilidades econômicas de Alves. "Legalmente, não há um valor mínimo. Isso sempre depende de cada pessoa. Mas, digamos, para réus que tenham um trabalho comum, as fianças podem ser entre EUR 10 mil (R$ 54 mil) e EUR 50 mil (R$ 273 mil)", afirma Quiroga.