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Votação de nova Constituição em Cuba vai enfrentar maior oposição

Referendos anteriores tiveram aprovação quase unânime, mas consulta popular de domingo encara sociedade menos afável

VEJA.com | 21/02/19 - 23h39
Cuba | Pixabay

No próximo domingo, 24, os cidadãos de Cuba vão às urnas para ratificar uma nova Constituição. A proposta do governo, que institui mudanças econômicas modestas e mantém o sistema de partido único, contudo, deve enfrentar uma sociedade cubana cada vez menos afável às decisões do regime.

Pela primeira vez desde a Revolução de 1959, a oposição à nova Carta Magna pode atingir pelo menos um quarto do total dos votos – uma rejeição significativa no cenário político de partido único cubano.

A Constituição atual foi aprovada em 1976 por 97,7% dos 5,6 milhões de eleitores registrados. Houve apenas 54.000 votos de rejeição. A maioria dos analistas acredita que a nova versão será aprovada por uma margem inferior da de 1976, em um universo de 8 milhões de eleitores registrados.

“Desta vez, eu diria que cerca de três quartos da população votará sim”, disse Rafael Hernández, analista cubano e editor da Temas, revista cultural voltada para as reformas.

A nova Carta Magna
Durante três meses, em 2018, o projeto de nova Constituição foi debatido pela população antes de ser ajustado e aprovado no final de dezembro pelo Parlamento. Houve consulta às opiniões dos cidadãos. Para o governo, tratou-se de um vasto exercício de democracia.

O resultado foi um texto que reconhece o mercado, a propriedade privada e o investimento estrangeiro, sem renunciar ao modelo autodeclarado comunista. Mudanças feitas nos últimos dez anos permitiram uma pequena abertura da economia cubana. Atualmente, 591.000 cidadãos trabalham no setor privado, o equivalente a 13% da força de trabalho do país.

Por outro lado, a nova Constituição abandona a definição de matrimônio como a união “entre duas pessoas”, que abriria o caminho para o reconhecimento do casamento homossexual. A maioria dos participantes do debate se opôs a essa modificação, para tornar esse direito mais claro, segundo as autoridades.

“Sim à Revolução”
Nas ruas de Havana, é difícil fugir da campanha pelo “sim” à ratificação da nova Constituição. O slogan aparece nas telas de avisos e mensagens nos ônibus, bem como nos outdoors nos cruzamentos. Adesivos em caixas eletrônicos e expositores de supermercados também exibem a mensagem de campanha, que é compartilhada com forças pelas autoridades locais também nas redes sociais.

“Em 15 dias, vamos ter passado a #Constituição que escrevemos pensando no bem de todos. #Cuba será um país melhor. #YoVotoSí”, tuitou na segunda-feira 18 o presidente Miguel Díaz-Canel.

“Compadre, e por que fazem um referendo?”, respondeu imediatamente um internauta.

Para Sara Martínez Tamayo, médica de 54 anos, seu voto quer “dizer sim à Revolução e a tudo que diz respeito aos cubanos”. “Se todos nós nos sentimos cubanos (…) temos que dar esse passo à frente e ir às urnas para dizer ‘sim’ para Cuba”, acredita Ariel Zumaquero, um fisioterapeuta de 49 anos.

Mas “o orçamento público está sendo usado para apoiar uma única opção, em um contexto em que os cidadãos podem votar sim ou não”, critica Norges Rodríguez, coordenador do blog Yucabyte.org, dedicado a novas tecnologias.

“Isso levanta dúvidas sobre a credibilidade do processo”, acrescenta, lamentando a ausência de uma “autoridade eleitoral independente” para “verificar o resultado final” do referendo.

SMS seletivo
Segundo o blog independente 14ymedio, a única operadora de celular de Cuba, a Etecsa, tem bloqueado SMS contento a mensagem #YoVotoNo. Eles nunca chegam a seu destinatário.

“Seria como visitar a Coppelia (famosa sorveteria em Havana) e poder escolher livremente entre baunilha ou baunilha”, escreveu um internauta no Twitter.

Ao contrário de 1976, os cubanos têm agora acesso à internet em seus telefones, já que em dezembro do ano passado o serviço 3G na ilha foi implementado.

Em seu perfil no Twitter, o Observatório Cubano de Direitos Humanos mostra um grande “Yo voto no” (eu voto não, em português)  em um fundo vermelho e elabora uma lista de dez razões para isso. O principal motivo deles seria desafiar o status atual de liderança única do Partido Comunista de Cuba (PCC).

Nas redes sociais, também surgiram fotomontagens de cartazes pelo ‘sim’ transformados em ‘não’. De acordo com Rodriguez, a campanha “YoVotoSí” do governo é também uma resposta ao “YoVotoNo” na Internet.

“A preocupação do governo é precisamente sobre o impacto que (a campanha do “não”) possa ter sobre o voto. A preocupação é que o voto positivo (pelo “sim”) seja maciço, como de costume”, diz Rodríguez. “Temos de entender que há mudanças na sociedade, que não é um todo monolítico. As pessoas estão começando a pensar mais livremente, são informadas por diferentes vias, (…) consultam a internet”, acrescenta.