Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará acredita ter descoberto o que está por trás do aparecimento de centenas de caixas de borracha em diversos pontos do litoral nordestino desde o ano passado. Segundo eles, o material é oriundo de um navio alemão atacado por tropas americanas próximo a Recife durante a Segunda Guerra Mundial.
A descoberta da origem das caixas pode ajudar a desvendar outro mistério que vem gerando danos ambientais na mesma região, o surgimento de manchas de petróleo em mais de 100 praias. Segundo os pesquisadores, há uma hipótese de que o mesmo navio seja a origem das manchas, uma vez que elas apresentam rota parecida com a que foi possivelmente percorrida pelas caixas.
Estudos de outro tipo são necessários para realizar essa verificação. Também participante da pesquisa, o professor Rivelino Cavalcante está coletando diversas amostras do óleo em praias cearenses. Elas serão enviadas a um laboratório nos Estados Unidos especializado nesse tipo de material, a fim de determinar pontos como característica, idade e origem geográfica. Pesquisadores divergem da conclusão porque afirmam que o petróleo encontrado agora é novo. O TNH1 questionou a Petrobras sobre essa informação, mas ela ainda não se pronunciou.
A pesquisa
O ponto de partida para a descoberta foi uma inscrição que havia em uma das caixas ‒ encontrada em julho deste ano em uma praia de Itarema (a cerca de 200 quilômetros de Fortaleza) ‒ indicando que o material do navio cargueiro provinha da Indochina Francesa. Esse território, situado nos atuais Vietnã, Laos e Camboja, era uma colônia da França, mas durante a Segunda Guerra foi dominado pelos japoneses, que, com alemães e italianos, compunham o bloco conhecido como Eixo.
Os dados encontrados indicariam que “esse produto era antigo, provavelmente de um naufrágio. Através dessa marcação [na caixa], fizemos uma pesquisa histórica e conseguimos identificar um cargueiro, chamado Rio Grande, que tinha uma carga de borracha com as inscrições referentes à Indochina Francesa”, explica o professor Carlos Teixeira, um dos responsáveis pela pesquisa.
De acordo com as informações (oriundas de um banco de dados americano sobre naufrágios no Atlântico Sul durante a Segunda Guerra), o cargueiro em questão foi afundado em 1944. Os sobreviventes conseguiram sair em pequenos botes, depois desembarcaram em Fortaleza e foram presos na 10ª Região Militar. O navio foi encontrado em 1996, a cerca de 5.700 metros de profundidade.
Para dar respaldo ao levantamento histórico, os pesquisadores fizeram então uma simulação numérica computadorizada. Nessa simulação, são liberadas partículas a partir do lugar onde o navio afundou. O resultado mostra que essas partículas chegam exatamente ao litoral nordestino, reforçando a tese de que a antiga embarcação é a fonte das caixas vistas em várias praias desde o fim de 2018.
Nessa simulação, são considerados fatores como direção das correntes marítimas, temperatura, salinidade e ventos. Com isso, é possível saber de onde os materiais vêm e para onde eles estão sendo transportados pelas correntes. “É um marco histórico, porque conseguimos identificar a origem dessas caixas em relação ao cargueiro que deve ter se rompido no fundo do mar”, reforça Teixeira. Um artigo científico sobre o achado está sendo finalizado e em breve será submetido a um periódico internacional.
O professor Luis Ernesto Bezerra, também responsável pelo estudo, diz que casos parecidos já ocorreram em outras partes do mundo. Um dos mais recentes se deu em 2012, quando muitas caixas surgiram em praias de alguns países europeus. Inicialmente, pensou-se que elas provinham do famoso Titanic. Posteriormente, porém, as pesquisas revelaram que a origem era um navio japonês afundado em 1917, na Primeira Guerra Mundial.
Outro item que ainda está sendo pesquisado e pode fornecer mais informações sobre a origem do material são as cracas encontradas nas caixas. Cracas são crustáceos que vivem em alto mar e vão se prendendo às superfícies que ficam à deriva.
“Isso é um indício de que as caixas vieram de alto mar e não de um local próximo à costa. Pelo tamanho das cracas, é possível saber há mais ou menos quanto tempo elas estão presas nas caixas. Ainda estamos aprofundando esses estudos de crescimento das cracas, mas elas estão lá há pelo menos três ou quatro meses, que é o tempo durante o qual essas caixas devem estar flutuando, pois as cracas só ficam na superfície”, descreve Luis Ernesto. Também está sendo analisado o DNA das cracas, para saber de onde essas espécies são.