Nordeste

Caso Miguel completa um mês e Mirtes relembra filho: 'tudo que fazia era por ele'

Diário de Pernambuco | 03/07/20 - 08h47
'Quero que ela (Sarí) seja condenada, presa, que pague pelo que fez com meu filho', diz Mirtes Renata, mãe do menino Miguel. (Foto: Paulo Paiva/DP.) 'Quero que ela (Sarí) seja condenada, presa, que pague pelo que fez com meu filho', diz Mirtes Renata | Foto: Paulo Paiva / DP

Neste 2 de julho, faz um mês que o menino Miguel Otávio morreu. Desde que ele caiu do 9º andar do edifício Píer Maurício de Nassau, no bairro de São José, centro do Recife, a vida da doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, de 33 anos, virou pelo avesso. Nesta quinta-feira (2), foi celebrada uma missa de 30 dias sem Miguel, na Igreja Imaculada Conceição, no Barro, Zona Oeste do Recife. A mãe e a avó de Miguel, Marta Souza, 60, estiveram na celebração. Mas horas antes, a Mirtes concedeu entrevista ao Diario, onde diz estar se sentindo “5% em paz” com o indiciamento de sua ex-patroa, Sarí Côrte Real, primeira-dama de Tamandaré. 

Sem seu filho, passou a batalhar para que Sarí seja punida por ter sido omissa - a criança estava sob sua responsabilidade temporariamente. Nessa quarta-feira (1), a ex-patroa foi indiciada pela Polícia Civil de Pernambuco por abandono de incapaz com resultado morte e, caso condenada pela Justiça, pode pegar 4 a 12 anos de reclusão.

Mirtes ainda sofre e não entende como aguentou esses 30 dias sem Miguel. “Virão mais meses, anos sem ele. Não sei se vou aguentar passar esse tempo todo assim. Eu vivia para ele. Todo o sacrifício que fazia era em prol dele. Era uma criança extremamente feliz. Aquele sorrisão dele era tudo para mim”, relembra.

A rua onde fica a casa da família - viviam Miguel, Mirtes e Marta - é íngreme. Na tarde desta quinta, crianças da mesma idade do menino brincavam na rua. A doméstica recorda da alegria de seu filho quando se juntava à turma. “Ele ficava brincando na rua, corria. Corria também dentro de casa. Adorava ficar brincando. De noite, pedia para dormir junto comigo na mesma cama. A gente rezava. Às vezes era ele quem me colocava para dormir. Agora não tenho mais meu neguinho por conta da irresponsabilidade daquela mulher”, prossegue. 

A bicicleta e o patinete do filho estão encostados na sala. No quarto, onde dormiam mãe e filho, as duas camas estão arrumadas. Numa delas há roupas empilhadas: “Deus vai me dizer, no momento certo, o que fazer. Mas tudo que pertencia a ele está guardado e preservado. Não penso em doar”. Em dado momento, a mulher de 33 anos relembra algumas “trelas” do menino. “Uma vez ele arranhou a porta da minha geladeira brincando. Na hora disse ‘desculpa, mamãe!’. Ele tem um carrinho que ele brincava dizendo que era o Uber dele”, recorda, com nostalgia.

Inquérito policial

A investigação da morte foi concluída nessa quarta (1). De acordo com o delegado responsável, Ramon Teixeira, Sarí Côrte Real foi omissa com o menino. Ela estava fazendo as unhas em casa, enquanto Mirtes tinha descido para passear com a cadela da ex-patroa. Na ocasião, a primeira-dama de Tamandaré estava com a guarda momentânea da criança. E Miguel estava atrás de sua mãe. Por sete vezes, correu nos elevadores do prédio. Sarí ia atrás, mas na última ocasião, segundo a polícia, deixou a porta do elevador se fechar e não se importou em saber por onde a criança andava.

Sarí e Mirtes tinham uma boa relação até então. Mas a mãe de Miguel ficou decepcionada com a forma com que sua ex-patroa passou a tocar o caso, especialmente no depoimento dado à polícia. “Ela deixou meu filho de qualquer forma ali (no elevador). Não teve a menor preocupação em saber para qual andar ele foi, de ligar para a portaria para que o porteiro me chamasse de volta ou visse no painel das câmeras onde que Miguel tava indo. Simplesmente ela entrou no apartamento e voltou a fazer as unhas. A manicure perguntou ‘cadê Miguel?’ e ela disse que ‘mandou ele passear’. Por que não deixou a filha dela ir passear junto de Miguel? Ela abandonou meu filho dentro do elevador. Todo mundo está vendo isso”, desabafa.

“Ela disse que a culpa do que aconteceu era de Miguel, que ela não fez nada. É muito bom botar a culpa em uma criança de cinco anos, mas ela é uma adulta. Tem 30 anos. Se ela não se acha responsável por uma criança, então ela não se acha responsável pelos próprios filhos”, discorre. Outro ponto que deixou Mirtes indignada foi a afirmação de que ela e Marta, que também trabalhava como doméstica para a família de Sarí, estiveram na casa da patroa em Tamandaré sem fazer nada. “Se a gente estava à toa, quem que estava arrumando a casa, deixando limpinha, cheirosinha, passando roupa, fazendo comida?”, questiona.

A tipificação da conduta de Sarí foi classificada como abandono de incapaz com resultado morte. Um “crime preterdoloso”, segundo o delegado Ramon. Mirtes se diz satisfeita com o resultado final da investigação. “Meu coração está aliviado. Eu vi que a polícia realmente trabalhou, que fizeram tudo certinho, de forma minuciosa a mostrar a realidade. O advogado dela (Sarí) disse que não concordava, mas tudo bem, é dever dele tentar defendê-la. Mas os depoimentos, as imagens são claras no que houve”, aponta.

Agora, Mirtes quer ver Sarí condenada. “Eu quero a justiça. Agora tem as próximas etapas, com o Ministério Público (MPPE) e com a Justiça (TJPE). Espero que dê tudo certo, porque vou continuar batalhando. Quero que ela seja condenada, presa, que pague pelo que fez com meu filho. Pode demorar o tempo que for, mas eu vou até o fim. Não vou descansar. Não admito pena alternativa, ela tem que ir para a cadeia como todo mundo”, finaliza. 

Outro lado

Foto: Leandro de Santana / DP

O advogado Célio Avelino, um dos representantes de Sarí Côrte Real, afirma que a mulher se encontra em casa, triste, e não está satisfeita com o resultado do inquérito. “E nem com o linchamento que ela passou a receber de todos. Da parte de Mirtes, tudo bem, ela era a mãe do menino, está emocionada, tudo dela é perdoável. Mas tem gente se aproveitando dessa dor para se promover”, salienta. 

“No próprio inquérito policial, o delegado diz o seguinte: ‘não existiram, ao longo da cadeia investigatória do ocorrido, elementos que levassem a inferência de que a implicada (Sarí) visualizou a possibilidade ou a probabilidade de que Miguel perdesse a vida’. A perícia conclui que a natureza do ocorrido foi fortuita, acidental. Ramon conduziu tudo com perfeição e excelência, mas a conclusão do inquérito colide com o que está dentro dele”, argumenta.

Outra crítica que Célio faz é ao acompanhamento do caso pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE). “É desnecessária. A mãe e a investigada têm advogados particulares. Foi criticada a antecipação do depoimento dela, mas nada falaram sobre o tumulto que aconteceu na delegacia, que pôs em risco a integridade física de Sarí e de seus advogados. A reação popular não me magoa porque foi coisa de pessoas exaltadas, mas o silêncio da instituição sim”, lamenta.

O presidente da comissão, Cláudio Ferreira, contemporiza a crítica. “Foi um ruído desnecessário (o depoimento mais cedo), porque pareceu que seria um privilégio. Teria sido muito melhor se fosse feito em um horário normal, organizado a entrada e saída (da Sarí) com cordão de isolamento, polícia na rua”, analisa. Entretanto, ele avalia como positivo o resultado das investigações. 

“O inquérito permitiu produzir todas as provas necessárias para que todas as teses fossem expostas. O determinante, agora, é a ação a ser proposta pelo MPPE e o resultado na Justiça. Mas o relatório do delegado foi importante. Ele conduziu tudo dentro do devido processo legal. O inquérito não deixou margens a nenhuma nulidade. E para a OAB-PE, interessa que tudo seja cumprido em seu papel. Particularmente, não tenho críticas ao trabalho policial. Fiquei temeroso a algumas concessões que foram feitas, mas agora vejo que foi tudo para que o inquérito fosse concluído da melhor forma”, pontua.

Em nota ao Diario, o MPPE informa que “a Central de Inquéritos da Capital (CIC-MPPE) aguarda a remessa do inquérito referente ao caso Miguel. Só depois de recepcioná-lo é que será possível entrar em fase de distribuição para o promotor de Justiça responsável, de forma que o órgão ministerial só poderá se pronunciar após se inteirar de todo o conteúdo do autos”.