Ciência

Estudos para entender o Universo estão errados, dizem cientistas

Folhapress | 26/11/21 - 10h11
A conclusão está em artigo na edição desta semana da revista científica Nature, uma das mais importantes do mundo | Foto: Gianni/ Flickr

Há algo de errado nas medições do comportamento das partículas mais fujonas do Universo, os neutrinos. Segundo uma nova pesquisa, os modelos descrevendo as transformações que os neutrinos sofrem ao longo do tempo estão fora de prumo, e isso pode afetar seriamente o uso deles para entender as origens do Cosmos. A conclusão está em artigo na edição desta semana da revista científica Nature, uma das mais importantes do mundo.

Uma equipe internacional de pesquisadores, liderada pela israelense Adi Ashkenazi, da Universidade de Tel Aviv, calcula que até 70% das interações dos neutrinos com os detectores montados pelos cientistas teriam de ser revisadas, por não representar fielmente o que acontece com as partículas ao longo de sua trajetória. As mudanças que acontecem com os neutrinos viajantes são um dos grandes enigmas que cercam essas partículas fantasmagóricas. Elas são caracterizadas pela ausência de carga elétrica (daí o "neutro" que compõe seu nome) e por terem massa tão pequena que se torna muito difícil "pesá-las" de maneira precisa.

Outra dificuldade tem a ver com o fato de que os neutrinos interagem pouquíssimo com as demais partículas de matéria -calcula-se que 100 trilhões deles atravessem nosso corpo a cada segundo, sem efeito algum sobre o organismo humano (e sobre quase tudo o que existe na Terra e em outros lugares do Universo). Nessas jornadas, os neutrinos costumam oscilar entre diferentes "sabores", como dizem os físicos (veja infográfico abaixo).

Eles parecem ter massa ligeiramente diferente entre si e são conhecidos como neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau porque essas partículas (elétrons, múons e taus) é que acabam sendo detectadas quando os neutrinos interagem com os núcleos dos átomos. É como se eles tivessem "tripla personalidade" e ficassem alternando entre um "personagem" e outro em seu trajeto. E essa versatilidade talvez seja a chave para compreender um processo que foi essencial para a formação do Cosmos como o conhecemos. Acontece que, segundo os modelos atuais, o Universo deveria ter contado com quantidades iguais de matéria (como a que forma o corpo humano e tudo o que existe na Terra) e antimatéria em seus princípios.

A antimatéria é formada basicamente por partículas semelhantes às de matéria, mas com "sinal trocado". Veja, por exemplo, o elétron, uma partícula de matéria que tem carga negativa, enquanto o pósitron, de antimatéria, tem carga positiva. O problema é que, quando matéria e antimatéria se encontram, elas destroem uma à outra. Ou seja, se o Universo-bebê tivesse proporções iguais de ambas, ele acabaria se transformando num Cosmos completamente vazio.

Como isso não aconteceu, muito provavelmente havia mecanismos que fizeram a matéria ser mais numerosa que a antimatéria e, portanto, sobreviver ao encontro explosivo inicial. É aí que entram os neutrinos. As constantes transições entre "sabores" dessas partículas talvez sejam uma pista de processos que levaram à formação mais elevada de matéria no Universo primordial. Mas, para confirmar que algo do tipo realmente aconteceu, é preciso ter uma ideia muito mais clara de como os neutrinos se comportam. Um dos métodos para isso é lançar um feixe deles de um laboratório para outros lugares com detectores, separados por distâncias diferentes, uma maior e outra menor.

O trajeto crescente faz com que as oscilações entre os "sabores" aconteçam paulatinamente e sejam observadas. O problema é que, pela própria natureza fantasmagórica dos neutrinos, tudo isso acontece de forma indireta, quando eles trombam nos núcleos de átomos e produzem outras partículas. Para tentar entender melhor como o processo acontece, a nova pesquisa, liderada por Adi Ashkenazi, usou outra partícula, o elétron, cujo comportamento é muitíssimo mais compreendido e fácil de medir e, além disso, pode ser descrito matematicamente de forma parecida com o dos neutrinos.

Ao usar esse método, a equipe descobriu que os modelos empregados para reconstruir o comportamento dos neutrinos parecem ser bastante imprecisos, sendo incapazes de produzir dados confiáveis sobre os elétrons (nesse caso, como era possível medir diretamente os elétrons, ficava relativamente fácil checar a precisão dos modelos). "São resultados que, portanto, indicam a necessidade de uma melhora substancial na precisão com que as interações dos neutrinos são modeladas", diz Noemi Rocco, do Laboratório do Acelerador Nacional Fermi (EUA), que comentou o estudo sobre os neutrinos a pedido da Nature.
Sem essa melhora, as partículas fujonas não serão suficientes para revolucionar o conhecimento sobre as origens do Universo.