Futebol Internacional

Final é só um entre tantos casos da Libertadores mais atribulada de todas

Folhapress | 30/11/18 - 18h11

Em seus 58 anos de história, a Libertadores da América acumula causos e confusões das mais diversas envolvendo sua falta de organização, mas nenhuma edição, ao menos entre as mais recentes, foi tão problemática quanto a atual. Imagem que ficou escancarada com o adiamento da final em Buenos Aires e sua transferência para Madri.

Um marco da série de episódios ilustres desta edição do torneio continental aconteceu já nas oitavas de final no duelo entre Santos e Independiente (ARG).

As equipes empataram em 0 a 0 na Argentina. Contudo, houve a suspeita de que o clube paulista poderia ter escalado o uruguaio Carlos Sánchez, que chegou ao Santos no meio do ano, de forma irregular por um cartão vermelho pelo River Plate (ARG), em 2015, cuja suspensão não havia sido cumprida.

O Independiente entrou com o pedido dos pontos da partida na Conmebol, e a entidade entendeu que Sánchez estava de fato irregular, mesmo estando apto segundo o Comet, sistema de registro de atletas mantido pela própria confederação e no qual o Santos se baseou para escalar o meio-campista.

Antes do jogo de volta, a entidade que comanda o futebol sul-americano julgou o caso e decretou vitória por 3 a 0 aos argentinos na partida de ida. No Pacaembu, precisando reverter a vantagem e com Carlos Sánchez em campo (liberado pela Conmebol), o duelo terminou aos 35 minutos do segundo tempo em razão da invasão de santistas no gramado e confusão nas arquibancadas do estádio.

Uma das tentativas de defesa do Santos foi o argumento de que Sánchez não era o único jogador irregular na competição. Bruno Zuculini, do River, também tinha suspensão a cumprir no torneio por antecedentes quando ainda era atleta do Racing (ARG).

O que a Conmebol alegou na ocasião foi "falta de denúncia", e por isso não puniu o clube. Também reconheceu que o River havia consultado a entidade no início do ano, e que o clube recebera sinal verde para escalá-lo. Zuculini teve de cumprir a suspensão durante a competição.

O mesmo aconteceu com o centroavante Wanchope Ábila, do Boca Juniors (ARG). Ábila foi outro atleta que atuou na Libertadores com jogos a cumprir por uma expulsão na final da Copa Sul-Americana de 2015, quando defendia o Huracán (ARG). O Libertad (PAR), adversário do Boca nas oitavas de final, entrou com o pedido de anulação do jogo na Conmebol. Mas a confederação aplicou o mesmo procedimento de Zuculini. Por atraso na denúncia dos paraguaios -o pedido deve ser feito em até 24 horas após a partida-, a confederação não declarou o Boca culpado.

Na fase seguinte, a Conmebol voltou a mostrar sua falta de critério e padrão nas decisões.

No jogo de ida das quartas de final entre Boca e Cruzeiro, na Bombonera, o zagueiro Dedé acertou uma cabeçada, imprudente mas sem intenção de machucar, no rosto goleiro argentino Andrada. Ambos disputavam uma bola pelo alto. Depois de revisar o lance no VAR, o árbitro paraguaio Eber Aquino considerou que a ação foi violenta e expulsou Dedé.

Para o jogo de volta, no Mineirão, o Cruzeiro entrou com pedido no tribunal da Conmebol pela anulação da expulsão do zagueiro cruzeirense. E conseguiu. Apto para a partida, Dedé enfrentou os argentinos em Belo Horizonte, mas voltaria a receber o cartão vermelho e o Cruzeiro seria eliminado da competição.

Na semifinal do torneio, a Conmebol voltou a mostrar-se em meio a um imbróglio com a visita do técnico do River, Marcelo Gallardo, ao vestiário do time no intervalo do jogo de volta contra o Grêmio, em Porto Alegre. Gallardo estava suspenso pela confederação pelo atraso da equipe na volta para o segundo tempo na partida de Buenos Aires. A Conmebol o puniu com um jogo.

Diante do Grêmio, o treinador se comunicou com o auxiliar Matías Biscay por rádio, mas no intervalo desceu ao vestiário, sem a autorização da entidade, para falar com os atletas. Gallardo voltou a ser punido, dessa vez para a decisão do torneio. No primeiro jogo entre River e Boca na final, na Bombonera, ele não pôde ir nem ao estádio.

O clube gaúcho pediu os pontos do duelo à Conmebol, mas sem sucesso.

O ápice dos problemas nesta Copa Libertadores chegaria na final do torneio entre Boca Juniors e River Plate, que fazem o maior clássico do futebol argentino e, possivelmente, do futebol sul-americano. O que era para ser a maior decisão da história da competição acabou se transformando em um episódio vergonhoso de repercussão internacional.

No duelo de ida, na Bombonera, a partida que ocorreria no sábado (10) precisou ser adiada pela tempestade que castigou Buenos Aires naquele dia e alagou o gramado. Foi provavelmente a única ocasião em que a Conmebol foi vítima e não responsável pelo transtorno. O jogo foi disputado no dia seguinte, domingo, e acabou empatado em 2 a 2.

Duas semanas depois, o Monumental de Nuñez receberia a grande decisão com casa cheia -só de torcedores do River, já que na Argentina o público visitante está proibido nos clássicos da primeira divisão desde 2013. Contudo, um ataque ao ônibus que levava a delegação do Boca ao estádio fez com que o jogo não começasse na hora programada, às 18h (de Brasília) do último sábado (24).

Na tentativa de conter o tumulto, a polícia argentina utilizou gás de pimenta. A substância entrou pelas janelas quebradas do ônibus e afetou os atletas, que passaram mal na chegada ao Monumental. O volante e capitão da equipe Pablo Pérez precisou ser levado a uma clínica para tratar um corte no braço e um problema no olho, ambos causados pelos estilhaços de vidro do ônibus.

O Boca afirmou que não entraria em campo para a final. A Conmebol anunciou mais dois adiamentos até o fim do sábado, mas o clube manteve sua decisão de não pisar no gramado e a partida foi adiada para o dia seguinte.

No domingo (25), o Boca nem compareceu ao Monumental de Nuñez e permaneceu no hotel da concentração. Com a manutenção do pedido do clube de não jogar, o confronto foi suspenso e as duas equipes, convocadas a uma reunião na Conmebol para definir os passos a seguir.

Na última terça-feira (27), Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, e os mandatários de Boca e River, Daniel Angelici e Rodolfo D'Onofrio, respectivamente, se reuniram na sede da entidade, no Paraguai. A primeira resolução do encontro foi anunciar que a final seria jogada longe da Argentina, o que desagradou o River Plate, que insista no Monumental como palco do jogo. A preferência da Conmebol era por Doha, no Qatar.

O Boca Juniors mantinha sua postura de não querer entrar em campo, conquistando os pontos no tribunal e sagrando-se campeão. Nesta quinta-feira (29), a entidade deu sua última cartada na tentativa de fazer o jogo acontecer. Ou o que parece ser o desfecho tardio desta Copa Libertadores.

Por sugestão do presidente da Fifa, Gianni Infantino, River e Boca se enfrentarão no estádio Santiago Bernabéu, em Madri, no próximo dia 9. Será a primeira final de Libertadores fora do continente, justamente no ano em que a Conmebol mostrou ao mundo sua falta de capacidade para organizar os próprio torneios.