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Grupo que fez o ataque em Araçatuba é chamado de ‘novo cangaço’; entenda

Extra Online | 31/08/21 - 07h53
Divulgação

Depois do ataque de uma quadrilha a duas agências bancárias de Araçatuba (SP), numa ação que deixou três mortos ontem de madrugada, quando reféns foram amarrados a carros usados pelos assaltantes, os moradores passaram a viver com o medo da explosão de artefatos deixados pelas ruas. Os explosivos feitos à mão, chamados de metalon, foram usados pelo grupo no assalto. Entre os cinco feridos na ação, está um homem que teve pernas decepadas por uma das bombas feita com pedaços de metal. Segundo o secretário interino de Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, mais de 20 criminosos e dez carros participaram do ataque.

Essa modalidade criminosa, que assusta a população pela violência empregada, é chamada por policiais de “novo cangaço”, EM alusão ao histórico bando de Lampião, que levava medo a cidades do sertão nordestino Nos anos de 1930. Os ataques do “novo cangaço” se baseiam em ações de grupos que costumam atacar cidades pequenas.

Segundo moradores de Araçatuba, a 521km da capital paulista, a ação começou por volta da meia-noite e durou mais de duas horas. Após atacarem as agências, os criminosos abordaram motoristas e fizeram reféns, que foram amarrados em veículos usados como escudo na fuga. A quadrilha, que seria de integrantes da principal facção criminosa de São Paulo, cercou bases da PM e atacou viaturas.

Um dos três mortos era integrante da quadrilha. Outro criminoso se feriu e foi preso pela PM. Um terceiro foi capturado sem se ferir. Entre os inocentes mortos, está o proprietário de um posto de combustíveis Renato Bortolucci, de 38 anos, que gravou cenas de tiroteio, escondido atrás de um carro, antes de ser atingido por um tiro. A outra vítima foi o personal trainer Márcio Victor. Já o homem que teve os pés amputados teria passado de bicicleta perto de explosivo, que teria um sensor de movimento para ser detonado.

No ataque da madrugada de segunda, os bandidos teriam usado um drone para controlar a movimentação dos policiais. Os assaltantes fecharam acessos a Araçatuba incendiando caminhões. PMs de outros municípios foram chamados para reforçar a caça à quadrilha. O secretário de Seguraça disse que o crime foi cometido a partir de informações sigilosas.

— Era um tesouraria do Banco do Brasil, e não sabíamos desse valor. Foi novamente uma ação com informação privilegiada — afirmou, referindo-se ao prédio do Banco do Brasil que foi atacado com a agência da Caixa Econômica Federal. — Há indícios de que são quadrilhas que têm treinamento para esse tipo de ação, e agora vai nossa inteligência para chegar nessas pessoas.

Um dos principais polos de produção de álcool e açúcar do estado, Araçatuba tem 200 mil habitantes e PIB per capita de R$ 35,5 mil. Está entre as 450 cidades mais ricas do país. O município chegou a ser responsável por 47% do etanol produzido no estado e se tornou polo administrativo da região, concentrando investimentos.

O ataque surpreendeu e asssustou a população da cidade também pelo horário em que foi realizado.

— Começamos a ouvir muita movimentação de carros, o que é estranho aqui no interior num domingo de noite. Ouvimos muitos barulhos, como se fossem fogos, muito fortes. Por volta de meia-noite e 15, começamos a ouvir as explosões mesmo. Pareciam simultâneas. Eu e meus avós ficamos com muito medo. O prédio mexeu, ficou todo mundo desesperado. A gente não sabia o que tinha acontecido, ninguém queria nem entrar nos quartos, pensava que podia ser no apartamento, porque sentimos muito forte o tremor. Era muito tiro, muito forte e muito rápido, não acabava nunca — contou a estudante de Direito Tatiana Garcia, de 22 anos, que mora com os avós no prédio em cima da agência da Caixa, um dos alvos.

Nathália Ximena, de 18 anos, mesmo morando longe do Centro de Araçatuba, conseguiu ouvir o tiroteio e as bombas. Segundo Nathalia, “foi difícil distinguir se era tiro de metralhadora, revólver, fuzil, ou de bomba”:

— Meu irmão veio correndo e ficamos no meu quarto. Meus pais disseram para a gente ficar longe das janelas. O som era muito assustador. Parecia que estava dentro de casa.

Vídeos e fotos do assalto feitos pelos moradores foram divulgados nas redes sociais, e o crime chegou a ser um dos principais tópicos do Twitter no Brasil.

Depois do assalto, o prefeito de Araçatuba, Dilador Borges, pediu que a população ficasse em casa por causa dos explosivos deixados nas ruas pela quadrilha. Eles teriam espalhado os artefatos por pelo menos 13 pontos, de acordo com a PM.

— É uma sensação horrível, um horror. Moro a poucas quadras do Centro. Ouvi todos os tiros, acompanhando através de vidros — disse Borges.

Escolas estaduais e municipais da cidade suspenderam as aulas ontem. A circulação de transportes também parou na região central.

O Grupo de Armamento Tático Especial da PM foi acionado para desativar os explosivos. O artefato é improvisado e pode ser detonado à distância. Segundo o tenente-coronel Valmor Racorti, comandante do Batalhão de Operações Especiais de São Paulo, já foi usado em Araraquara, Botucatu, Ourinhos, Mococa e Jarinu, no estado de São Paulo, além de Criciúma (SC) e Uberaba (MG)

— Tem mais 13 explosivos “quentes” na cidade. Estamos correndo para tentar entender a forma deles — disse Racorti.

Conforme dados do Batalhão de Operações Especiais, o metalon foi usado em 50% dos crimes com explosivos no estado de São Paulo em 2020.

Promessa de punição

O governador de São Paulo, João Doria, usou as redes sociais para reforçar que as “cenas de terror” não ficarão impunes: “Dois criminosos foram presos e um terceiro foi morto em confronto com a polícia. Há uma grande força-tarefa envolvendo 380 policiais e dois helicópteros Águia para prender e punir os responsáveis”.

O prefeito de Araçatuba divulgou nas redes um vídeo em que definiu a ação dos criminosos como “terrorismo”. Ao lado do prefeito no vídeo, o secretário de Segurança Pública insistiu que ainda pode haver explosivos perto do local do crime:

— Qualquer objeto estranho que venha a ser encontrado, avisem ao 190, para que uma pessoa técnica possa ir verificar.

O assistente jurídico Thales Patrizzi, de 24 anos, disse que ficou chocado com a “brutalidade com os reféns”.

— Eles poderiam ter feito a ação sem mexer com as pessoas. A agressão psicológica que nos causaram vai ficar marcada. Tem muita gente com medo de sair. Não sabemos quando isso vai acabar, porque a gente não sabe onde estão os explosivos.

Patrizzi lembrou que houve outro assalto em Araçatuba em 2017, quando uma quadrilha roubou uma empresa de valores. A ação terminou com um policial morto.