Ciência

Molde de silicone corrige 'orelha de abano' em bebês e dispensa cirurgia

Tratamento deve ser usado em recém-nascidos com até 45 dias de vida e custa cerca de R$ 10 mil

Folhapress | 15/10/18 - 19h05
Bebê com o molde | Karime Xavier/Folhapress

Orelha de abano, pontuda ou dobrada? Essas e outras deformidades podem afetar de maneira negativa a percepção que as pessoas têm sobre a própria imagem e ainda se transformar em motivo de bullying na infância e na adolescência.

Uma aposta dos médicos para evitar essas situações desagradáveis é o uso de um molde de silicone que trata essas alterações já em recém-nascidos –quanto mais precoce o tratamento, maiores são as chances de bons resultados.

Muitas vezes correções cirúrgicas são possíveis, mas geralmente só vão acontecer depois dos 7 anos de idade, às vezes só na idade adulta, demandando anestesia geral e outros cuidados.
Nos recém-nascidos, a cartilagem, estrutura responsável pela forma da orelha, ainda é bastante flexível, permitindo a modelagem.
A plasticidade tem um motivo: nas primeiras semanas de vida ainda circula no organismo do bebê o estrógeno, hormônio materno que mantém as cartilagens moles –o que possibilita que a criança passe pelo canal de parto, inclusive.

Uma vez que o bebê nasce e o cordão umbilical é rompido, a quantidade do hormônio no organismo começa a reduzir rapidamente.
Um estudo científico publicado na revisa Plastic and Reconstructive Surgery e realizado com 488 pacientes com deformidades afirma que mais de 90% tiveram melhora com o molde. Os bons resultados são mais comuns se a aplicação do molde acontecer até três semanas após o nascimento. Após seis semanas, a chance de sucesso é baixa.

O tratamento leva de quatro a seis semanas e custa em torno de R$ 10 mil (planos de saúde não costumam cobrir procedimentos estéticos).
Além de poder sair mais barato do que uma cirurgia (que pode superar os R$ 15 mil) há outras vantagens do Ear Well (nome do produto): a não invasividade do tratamento, a preservação da audição e o não comprometimento da amamentação e o sono.

Para o bebê, o pior que pode acontecer, além de o molde não surtir efeito, são úlceras de pressão na orelha, que tendem a se resolver sem grandes intervenções. Durante o tratamento, não é permitido lavar a cabeça, o que dificulta a higienização. "Mas cabeça de bebê é limpinha", brinca o cirurgião plástico Maurício Orel, entusiasta da técnica.
O advogado Wagner Kohatsu, 39, e a médica Gabriela Schelini, 35, buscaram o tratamento para Lis, de 2 meses, que nasceu com orelhas de abano –quem percebeu foi o enfermeiro ao colocar os brincos; depois conversaram com um pediatra. Assim que soube da possibilidade de correção não cirúrgica, o casal correu atrás da alternativa.

"Espero que minha filha nem se lembre disso tudo, que um dia teve orelha de abano", diz Gabriela.
Sem tratamento, é possível que alguns casos regridam sozinhos, afirma Orel, mas outros não têm volta. O risco de a orelha de abano permanecer é proporcional à distância do meio da hélice (borda da orelha) ao crânio, explica o médico. A partir de um certo limiar (1 cm), é certeza que a criança terá a deformidade, diz o cirurgião plástico.

No caso da bebê Lis, o início do tratamento demorou um pouco mais que o preconizado e talvez o benefício não seja completo. Ciente disso, Wagner diz que a menor chance de conseguir algum resultado já justifica a tentativa.

Outra bebê, Manuela (nome fictício), também faz a moldagem. Prematura de 33 semanas, ela passou um mês na UTI. Os pais ainda pularam de médico em médico até que, algumas semanas depois, o tratamento tivesse início.

O pediatra havia alertado que a alteração, conhecida como "lop ear" –na qual a porção superior é dobrada para fora–, não afetaria a audição de Manuela. Mesmo assim, os pais decidiram recorrer ao tratamento. A mãe disse que, apesar de sair caro, seria importante evitar que a filha tivesse algum tipo de problema com a aparência e que ela ficasse à vontade para fazer coisas simples, como usar um penteado do tipo rabo de cavalo.

Outros métodos também podem ajudar a corrigir as deformidades das orelhinhas. Um deles utiliza gesso para colocar a orelha no lugar, mas tem pouca aceitação no meio médico. Outro jeito, também eficaz, é o uso de algodão, hastes plásticas e esparadrapo.

A vantagem do molde, diz Orel, é a certeza de que ele vai permanecer no local até a próxima visita ao médico. "Com ele ali ninguém esquece que o tratamento está em andamento."
Deformidades de orelhas em recém-nascidos são bastante comuns e cerca de 30% se resolvem naturalmente, especialmente aquelas que têm uma aparência amassada. Em adultos, estima-se que 5% das pessoas apresentem algum nível de alteração.

Boa parte da explicação para esse tipo de condição é genética: se ambos os pais têm orelha de abano, a chance de a criança também ter é grande.
Malformações –como microtia (quando falta parte da orelha) e anotia (ausência total), nas quais há déficit de cartilagem e de pele– são raras: afetam cerca de 1 a cada 3.800 bebês. Elas podem ter origem em infecções virais (como rubéola e herpes), pelo contato com substâncias teratogênicas ou por defeitos genéticos.

Se as críticas ao molde de silicone se dão mais pelo custo e pela falta de estudos científicos mais robustos, há também quem saúde a chegada de técnicas que permitem a resolução de casos que seriam cirúrgicos no consultório, seja pelo pediatra ou por outros especialistas.