Brasil

Número de brasileiros que aceitam adotar crianças negras dobra em 5 anos

26/05/16 - 15h00

O total de brasileiros que aceitam adotar crianças negras dobrou nos últimos cinco anos, apontam números do CNA (Cadastro Nacional de Adoção). Os dados foram divulgados pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), nesta semana, em que se comemora a Semana Nacional da Adoção.

Hoje, 16,6 mil pretendentes habilitados à adoção aceitam receber crianças negras — o que equivale a 47% do total de 35,6 mil pretendentes. Em 2010, havia 8,4 mil pessoas habilitadas abertas à adoção de crianças negras — o que equivalia a 31% do total de 27,6 mil pretendentes.

Os dados não incluem crianças pardas, cuja aceitação também subiu: de 58% em 2010 (16,2 mil pretendentes) para 75% em 2016 (26,9 mil pretendentes).

No mesmo período, o total de pretendentes que restringiam a adoção apenas a crianças brancas caiu de 10,7 mil (39%) para 8,0 mil (23%).

Hoje, das 6,6 mil crianças aptas à adoção, 1,1 mil são negras e 3,2 mil são pardas. O total de crianças brancas é de 2,2 mil.

Papel das ONGs

Um dos responsáveis pelo texto da Lei da Adoção (Lei 12.010/2009), em vigor desde 2009, o desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, coordenador das Varas de Infância e Juventude em Pernambuco, afirma que o maior mérito da mudança na preferência dos pretendentes é dos grupos de apoio à adoção.

— Eu vivenciei a época em que o brasileiro não aceitava menino, em que brasileiro não aceitava alguém da raça negra, em que brasileiro não aceitava irmãos, mesmo que gêmeos. Nos últimos anos, houve uma mudança intensa desse padrão. Isso não é mérito nem do Poder Judiciário, nem do Ministério Público, nem do Poder Executivo. Isso é mérito dos grupos de adoção, que são entidades da sociedade civil. Foram esses grupos que começaram a disseminar uma série de ideias e as pessoas começaram a perder um pouco do preconceito.

De acordo com a nova Lei da Adoção, antes de o pretendente ser habilitado, ele tem de fazer um curso preparatório. Os cursos costumam ser ministrados pelos grupos de apoio, em parceria com o Poder Judiciário.

A psicóloga Suzana Sofia Moeller Schettini, presidente da Angaad (Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção), afirma que o curso – cuja duração tem, em média, de 3 a 4 dias – é o meio pelo qual o pretendente costuma conhecer o grupo. Mas, segundo ela, a mudança das preferências em relação ao perfil da criança geralmente não ocorre exatamente no curso, mas depois dele, quando o pretendente começa a frequentar as atividades das organizações.

— Nas nossas reuniões, o pretendente vem para o grupo e eu pergunto: “Qual é o teu perfil [perfil da criança que pretende adotar]?” Em geral a resposta é: de zero a três anos. A gente jamais convence ninguém a mudar perfil. Mas ao frequentar o grupo, conhece famílias que já adotaram, crianças. Depois de um tempo a gente escuta: “Essa semana eu fui na Vara”. Eu pergunto por que. “Ah, eu vi que posso ter uma criança de 6 anos.” Então, a partir da convivência com outras famílias, com outros pretendentes, o perfil vai se flexibilizando.

Hoje, a Angaad reúne cerca de 100 grupos em 25 das 27 Unidades da Federação — apenas Tocantins e Roraima não têm ainda organizações registradas na associação. Cada grupo tem um modo particular de atuar, mas em geral realizam ao menos uma reunião mensal, com uma palestra e um tempo para que as pessoas conversem.

— Acho que as conversas informais são a parte mais importante da atividade. É ali que as pessoas tiram suas dúvidas com quem já adotou.

Em relação à questão da cor, Suzana afirma que a maior aceitação dos filhos adotivos na sociedade também contribui para a mudança.

— Antes, o fato de um filho ser adotivo, e não biológico, era coisa que se falava à boca pequena. Era segredo. Então os pretendentes buscavam crianças parecidas com eles. Agora, a adoção é mais bem aceita e essa semelhança física influencia menos na busca pela criança.

Idade
Embora a questão da raça/cor ter tido uma evolução considerável nos últimos anos, a adoção no Brasil ainda possui um outro gargalo importante: a idade. Boa parte dos pretendentes (37%) querem uma criança com, no máximo, 2 anos, enquanto a maior parte das crianças (66%) tem 10 anos ou mais. Suzana, no entanto, afirma que não se pode culpar as pessoas que querem adotar.

— Isso tem a ver com os limites de cada pessoa. Há problemas do poder público que têm de ser resolvidos. Temos uma legislação boa, mas temos que pôr as leis em prática. E, para isso, o Judiciário precisa de estrutura.

Dados de pesquisa realizada em 2015 pela Associação Brasileira de Jurimetria a pedido do CNJ apontam que o tempo para que uma adoção se concretize varia consideravelmente de acordo com a região do País. Em média, a habilitação dura cerca de dois anos e meio, enquanto o processo de adoção propriamente dito demora aproximadamente um ano e meio.

Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB-SP, afirma que a falta de assistentes no Judiciário faz com que os processos demorem. E a demora dos processos faz com que aumente o número de crianças mais velhas aguardando adoção.

— Há um déficit de funcionários. A Justiça precisa prover os cargos não só de juízes como também de assistentes sociais e psicólogos. A falta de assistentes atrapalha o juiz. Como um juiz vai dar uma sentença sem um laudo técnico? Como, por exemplo, o juiz pode destituir uma criança de sua família sem pareceres técnicos?

Destituição familiar

O problema da falta de funcionários, segundo Berlini, atinge sobretudo uma etapa anterior à adoção: a destituição da criança de sua família. Nesses casos, os pareceres de especialistas são fundamentais para a decisão do juiz.

O desembargador Figueirêdo concorda.

— O que demora mesmo é a destituição familiar. O processo de adoção é mamão com açúcar. No campo penal, a maior sanção que se pode sofrer é a privação da liberdade. No campo civil, a maior sanção que se pode sofrer é a perda da guarda dos filhos. Então, é uma decisão que precisa ser muito bem embasada.

Hoje, há cerca de 40 mil crianças albergadas. Ou seja, quase 35 mil estão em situação provisória, aguardando decisão final sobre sua situação.

— Presume-se que o Estado esteja fazendo de tudo para que essas crianças voltem para suas famílias. Mas tem de haver uma definição: ou volta ou não volta. E aí vai para a adoção, ganha uma nova família. O que é complicado é a espera.

Como adotar

Toda pessoa que deseja adotar uma criança deve, em primeiro lugar, procurar a Vara da Infância ou, em cidades onde não há Vara da Infância, o órgão do Poder Judiciário mais próximo do local onde mora. Lá, saberá os documentos que precisará apresentar.

Somente depois de passar pelo processo de habilitação, é que se entra oficialmente para o Cadastro Nacional de Adoção e se pode dar entrada em um processo de adoção, propriamente dito.

O perfil da criança desejada é apontado pelo pretendente no início do processo de adoção, mas pode ser alterado ao longo da tramitação.