Ela estava organizando mais um calendário, de mais um mês, de um ano sem fim. Em meio aos compromissos profissionais e protocolares na vida de uma mãe, aquela agenda suspensa na parede era necessária. Desta vez, era o último mês do ano. Aquela mistura de “já” e “enfim” eram antagônicas e concretas: o ano com dias eternos acabara e ela nem sentira. Um alívio desesperador estava presente junto com a sensação de que não existe fim em dias iguais de diferentes anos que se retroalimentam em rotinas insistentes e contínuas. O presente é lento como um caramujo enquanto o passado corre feito um lince. E assim, nossos agoras parecem infinitamente mais compridos do que os anos que já vivemos: nossa infância inteira recordamos em poucos minutos enquanto um diálogo recente parece precisar de milhões de palavras e tropeços para ser reproduzido com exatidão. E todos os anos eram assim - cansativos e tranquilizadores e tão infinitos quanto fugazes. Havia feito tanto e ainda faltava muito. Sabia que, por mais que cumprisse os desafios propostos pela vida adulta, sempre restaria algo por fazer. A roda viva sem fim da existência era gigante e lenta como um moinho de vento – e não parava de girar. E ela teimava em distrair-se com as frivolidades do mundo – que por ora pareciam mais sensatas do que os desatinos da maturidade de fato. E teimava em enfeitar a casa na época do Natal, para as crianças e para a própria alma. A árvore, silenciosa e majestosa, parecia cuidar de todos os sonhos que ainda a aguardavam na vida.
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As férias aumentavam as atribulações, ao invés de amortizá-las. E ela nem tivera tempo de incluir a última grande empreitada do dia naquele calendário gigante pendurado na parede. Para as crianças, arrumar a casa para o Natal é quase tão importante quanto o advento. Daqueles movimentos ritualísticos dos fins de ano que sempre pareciam fazer muito sentido para que as coisas transcorressem em paz. A disciplina e organização das filhas era do mesmo tamanho da magia que a invadia naquele momento. Olhar uma árvore de Natal sempre a fazia se sentir um pouco como criança. E ela não entendia este poder.
O mês mal havia começado e os dias já estavam praticamente todos preenchidos. Ela esperou tanto por dezembro e ele estava ali materializado, escancarado e urgindo para começar. Por entre as obrigações, consultas, reuniões, encontros, compromissos e vencimentos, um vazio. Percebeu que faltava algo ali tão importante quanto a noite do Natal. Ela queria esquecer aquele dia, mas era uma data tão importante que precisava ser lembrada naquele calendário também. Pegou uma caneta cor de rosa e desenhou um coração no dia 9 de dezembro. E lembrou de anotar uma data muito especial que ela não iria comemorar mais uma vez.
A filha, que não sabia ler ainda mas reconhecia muito bem aquele símbolo de amor, perguntou inocentemente:
- O que vamos fazer neste dia, mamãe?
“Este dia é o dia do aniversário do seu avô, minha filha.”
- Aquele que pendurou um laço na nossa árvore de Natal, mamãe?
A árvore dela não tinha laços.
E ela lembrou que os laços sempre serão mais fortes que os nós. E o pai a protege e segue vivo. E que ele sempre trará grandes presentes imateriais para ela. Para ela e para todos que acreditam no Natal. Há algo maior e secreto e ela sabe. O pai existe.
E assim como as crianças, gostava de brincar com as palavras e as letras. Tinha uma estranha obsessão por palíndromos e descobriu um segredo que estava diante de seus olhos desde o dia de seu nascimento. Leu o nome do detentor de todos os sonhos de Natal ao contrário e teve uma epifania. Eram apenas as 4 primeiras letras do nome do seu pai, mas já eram suficientes para que qualquer magia virasse realidade. Sempre seria ele. O pai. Sim, aquele que coloca os laços invisíveis em todas as árvores de Natal existe.
E as pessoas insistem em chamá-lo de NOEL.
► *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima