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Quem é o artista que postou o meme de Britney surtada no Instagram de Museu

Marina Consiglio/Folhapress | 07/05/21 - 08h11

Quadrado por quadrado, o rosto de Britney Spears começa a ganhar forma no feed do Instagram. Seria mais um dia comum para quem frequenta a rede social -afinal, a imagem da cantora no auge do seu surto circula na internet há tanto tempo que já entrou para o panteão dos memes-, não fosse o perfil que a publicava, o do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC.

O público não entendeu nada. O pessoal do mundo da arte, tampouco. Mesmo levando o peso da arte contemporânea no nome, as redes sociais do museu traziam um conteúdo bem convencional, meramente informativo.

Uma mensagem que circulava entre as instituições dava o veredito. "Rackearam [sic] o Instagram do MAC da USP." E completava dizendo que o "criminoso está incrível!".

"Me chamaram de criminoso, mas também disseram que eu estava incrível", diz Gustavo Von Ha, de 43 anos, o artista que assume a identidade da instituição nas redes desde os últimos dias de abril. A ação é chamada informalmente por artista e museu de "infiltração". Foi o próprio museu que confiou a senha a Von Ha, mesmo sem fazer ideia do tipo de conteúdo que seria publicado.

O artista é um dos que compõem a exposição "Lugar Comum", que seria inaugurada no final de maio pela instituição. A mostra física foi adiada para setembro, mas a performance digital foi mantida. "Vai ficar como uma centelha inicial", afirma Ana Magalhães, curadora e diretora do MAC.

O museu esteve no topo da vanguarda artística do país nos 15 anos em que foi comandado pelo crítico Walter Zanini desde a sua abertura, em 1963. Mas acabou trilhando um trajeto mais conservador e acadêmico com o passar dos anos.

Com a performance de Von Ha, a instituição demonstra estar aberta a retomar esse caminho mais experimental. "Achamos que seria um modo inusitado de começar a falar da exposição", comenta Ana Magalhães. "A repercussão foi inesperada, uma surpresa no bom sentido. O público reagiu bem, de um modo geral. E foi tudo muito rápido."

O próprio Von Ha foi pego de surpresa com a iniciativa. "Achei muito radical eles terem topado, sem nem saber o que eu iria postar", conta. "Está sendo uma experiência bem contemporânea mesmo."

Segundo Magalhães, essa adaptação de linguagem veio com a pandemia. Ela admite que há uma defasagem das instituições culturais na relação com o mundo virtual, que era visto mais como uma plataforma informativa. Mas, se foi a pandemia que forçou o atraso da inauguração da exposição, foi ela também que obrigou o espaço a encontrar novas maneiras de dialogar com o público.

E é aí que entra Von Ha. Com uma carreira artística que ele diz ser difícil de definir, mas que "certamente não está em um lugar formal", o paulista tem dedicado parte de sua pesquisa à linguagem das redes sociais -o que pode ser acompanhado em seu perfil no Instagram, @von_ha.

"Não me considero um memeiro", diz. Segundo ele, a origem do meme parte de uma questão coletiva, que atinge todo mundo. "Se não for assim, vira mais uma imagem, uma piada. O meu lance está completamente em outro lugar."

"Do que eu publico nas redes, nada combina com nada, mas tudo combina comigo. Eu não tenho um estilo muito definido, mas a mão do artista aparece mesmo quando eu me escondo. Tanto, que mesmo nessa avalanche de imagens [no perfil do MAC], teve gente que conseguiu reconhecer a minha autoria."

Ana Avelar, curadora e professora de história da arte na Universidade de Brasília que acompanha a carreira de Von Ha, concorda. "Ele não havia me dito que iria fazer isso, mas na hora que vi, escrevi perguntando se era ele", conta.

"Há um procedimento característico, muito evidente no trabalho dele, embora ele trabalhe com apropriação de imagens". Segundo Avelar, o trabalho do artista põe o público num lugar muito difícil, tanto juridicamente quanto economicamente. "No final, a quem pertence a imagem da celebridade? A todos nós que a consumimos", diz.

Essa ambiguidade é outra característica da obra de Von Ha, que aborda questões como a dualidade entre o verdadeiro e o falso, o real e a ficção. "A pessoa que escreveu que o Instagram do MAC havia sido hackeado disse que o 'o criminoso está incrível'. O que separa uma coisa da outra, exatamente?", questiona. "Essa é uma linha tênue de que gosto muito."

Ele conta que fez estágios com falsificadores profissionais para descobrir as técnicas deles. Num de seus trabalhos mais famosos, Von Ha copia desenhos de Tarsila do Amaral e os expõe -com a autorização da família da modernista. Em outro, exibiu trailers de filmes que não existiam em salas de cinema comerciais.

"Se eu copio um desenho da Tarsila e não assino, é uma falsificação. Às vezes eu deixo as ilustrações encostadas por meses sem assinar e, quando eu faço isso, estou cometendo um ato criminoso. Então eu pego, escrevo o meu nome, e aquilo deixa de ser crime", analisa. "É a mesma coisa com o perfil do MAC. Se eu mudar aquela senha, vira crime."

Para além de questões jurídicas e de direitos autorais, a ambiguidade da "infiltração artística" de Von Ha levantou outro questionamento, principalmente entre os seguidores do museu –afinal, aquilo é arte?

Segundo Ana Avelar, se é ou não, não importa. "Hoje as imagens são consumidas muito rapidamente, especialmente nessas plataformas.

Quando o Von Ha insere um ruído, uma imagem bizarra, ele está provocando a sua perspectiva crítica", diz. "É quando você se dá conta de que você não estava pensando no que estava vendo, consumindo."

Na visão de Von Ha, a pandemia despertou um sentimento inesperado -que se reflete no consumo nas redes. "São imagens tão absurdas e tudo que a gente consegue fazer é rir."

Mas concorda que, no final, a ação deu um chacoalhão nas soluções que as instituições haviam encontrado para a situação atual. "Sim, os museus migraram para as redes sociais, mas transformaram tudo em um PDF. Fiquei pensando muito nisso, com a impossibilidade da experiência física. Não é só sobre meme."