Mercado de Trabalho

Sindicatos querem tirar reajuste de quem não pagar contribuição

Direitos conquistados pelas organizações não valeriam para quem fizesse oposição ao pagamento; especialista classifica ação como inconstitucional

VEJA.com | 17/01/19 - 22h27
A reforma trabalhista, aprovada em 2017, retirou a obrigatoriedade de contribuição do chamado "imposto sindical". | Reinaldo Canato/VEJA

A reforma trabalhista está obrigando os sindicatos a buscar alternativas de financiamento para cobrir o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Pelas novas regras, a cobrança só pode ser feita com a autorização prévia de cada trabalhador. Essa mudança reduziu em cerca de 90% as receitas das entidades com contribuição sindical, segundo levantamento de VEJA.

Para garantir fontes de receita, algumas entidades criaram a taxa negocial e outras substituíram a contribuição sindical pela assistencial. Mesmo assim, é preciso que o trabalhador dê aval à cobrança. Alguns sindicatos ameaçam tirar dos trabalhadores que não pagarem a contribuição sindical ou assistencial os direitos conquistados nas negociações coletivas com as empresas. Ou seja, somente funcionários que recolherem a taxa teriam direito ao reajuste salarial e outros benefícios garantidos na negociação, como aumento do vale-refeição ou alimentação, por exemplo.

Entre as entidades que pretendem adotar essa modalidade estão o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do estado de São Paulo (SindPD) e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. No caso do SindPD, o trabalhador que não deseja pagar a contribuição tem de assinar uma carta informando estar ciente de que renuncia aos direitos conquistados em negociações coletivas de trabalho. 

Em nota publicada em seu site, o SindPD informa que a renúncia aos direitos ficou definida em assembleia realizada no fim de 2018 e que a decisão entrou em vigor em janeiro de 2019.

O SindPD utiliza ainda a decisão da procuradora do Trabalho Juliana Roselon de arquivar uma denúncia contra a entidade para afirmar que a a aplicação de regras diferentes para quem recolhe ou não a contribuição é legítima. “Considera-se ser questão de justiça e equidade que apenas tenha direito aos serviços assistenciais prestados pelo sindicato quem contribui para sua manutenção; do contrário, haveria completo desestímulo ao pagamento da contribuição pelos trabalhadores ou mesmo exigência de serviços do sindicato sem a suficiente contrapartida”, afirma.

Para a procuradora, “não há espaço para intervenção repressiva do Ministério Público do Trabalho capaz de aprofundar ainda mais a iminente ruína dos sindicatos”.

Reportagem de VEJA mostrou no ano passado que algumas entidades estão em situação de penúria após o fim da contribuição sindical. Para fazer caixa, os sindicatos estão demitindo e vendendo imóveis, caso do próprio Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Procurado, o sindicato não se manifestou sobre a não aplicação das conquistas aos trabalhadores que não pagarem a taxa.

A diferenciação de trabalhadores pelo pagamento ou não da contribuição sindical gera divergências. João Hilário Valentim, coordenador nacional de Promoção da Liberdade Sindical da Procuradoria Regional do Trabalho, diz que “o instrumento normativo, seja a convenção coletiva ou o acordo coletivo, vale para todos os trabalhadores e as empresas são obrigadas a respeitá-los.”

Para o advogado trabalhista Alan Balaban, esse tipo de diferenciação é inconstitucional. “Eles não podem exigir uma contribuição daquilo que a lei fala que é facultativo e que o reajuste econômico só vai ser dado a quem contribuir. A legislação não faz esse tipo de segregação. Não sou obrigado a contribuir, mas as negociações valem para toda a categoria”, explica.

Luis Fernando Riskalla, sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, também vê ilegalidade nessa ação do sindicato. “Ainda que um trabalhador assine esse documento, empresários devem adotar os reajustes para todos os empregados indiscriminadamente. Isso evita que sejam questionados futuramente com relação à equiparação salarial, isonomia salarial, discriminação e assim por diante”, alerta.

Segundo ele, o empresário vai ter que tomar muito cuidado a partir de agora para não ceder essa pressão dos sindicatos.