A renúncia do CEO Otávio Brissant do Hurb nesta segunda-feira ampliou as incertezas que rondam a empresa. Um dos desafios de João Ricardo Mendes, que voltará ao comando da agência, será equilibrar as finanças da companhia em meio à perda de parceiros comerciais e à determinação do governo federal de suspender a venda dos chamados pacotes flexíveis, até então a principal fonte de receita do Hurb.
Na semana passada, a Latam suspendeu a emissão de novas passagens para o Hurb, além de ter acionado a Justiça para cobrar uma dívida milionária da companhia. Poucos dias antes, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) proibiu o Hurb de vender pacotes flexíveis, aqueles em que o consumidor compra sem data definida.
Com essas medidas, cresce o risco de a empresa não honrar contratos já assinados, tanto porque o Hurb terá mais dificuldade de alocar clientes em voos, como também porque a queda de receita dificultará a compra de serviços que ela oferecia nos pacotes já vendidos aos clientes.
O professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Ricardo Morishita, compara o modelo de negócios do Hurb com uma loteria: a empresa vendia inúmeros desses pacotes contando que, dentro do prazo estabelecido, os fornecedores tivessem tarifas promocionais vagas.
Dificuldade para garantir voos - Samuel Barros, doutor em Administração e reitor do Ibmec no Rio de Janeiro, disse que o Hurb perdeu um parceiro comercial importante com a decisão da Latam de não mais aceitar reservas da agência. A empresa, agora, precisa que outras companhias aéreas garantam os voos dos clientes que já fecharam pacotes. O problema é que essas empresas podem seguir o mesmo caminho.
Até o momento, a Azul não suspendeu as vendas. Procurada, a empresa não se manifestou sobre o assunto. A Gol não retornou o contato feito pelo EXTRA. Já a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) disse que não comentaria o assunto, por se tratar de uma questão comercial e operacional de cada empresa.
O setor hoteleiro foi o primeiro a rejeitar as reservas do Hurb e tem mantido sua posição, especialmente os hotéis e pousadas de pequeno porte, com os quais a empresa costumava fechar negócio.
— Ela não cumpriu com o acordado com os hotéis, principalmente os menores. A crise no Hurb é muito ruim para o setor. Orientamos os hotéis a oferecerem aos consumidores lesados o mesmo preço cobrado pela plataforma — disse Alfredo Lopes, presidente da HotéisRio.
Impacto nos preços - Ricardo Macedo, economista e professor da Facha, afirma que o fato do Hurb ter demitido 40% dos seus funcionários indica que a empresa está tentando cortar custos para honrar seus compromissos com consumidores e empresas.
Para a conta fechar, os especialistas dizem que pode haver aumento no preço dos pacotes.
— O Hurb não consegue cumprir com o que prometeu no passado. A proibição de venda de pacotes flexíveis encarece ainda mais a operação, porque a empresa não consegue encontrar os melhores preços nas melhores datas — explicou Barros.
Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), discorda. Para ele, o Hurb deve baratear os pacotes em uma tentativa de fazer caixa, deixando o ônus de honrar os contratos para depois.
O especialista ainda acredita que, com a decisão da Senacon, deve haver um efeito negativo para as demais empresas que atuam na venda de pacotes flexíveis: os consumidores podem começar a desconfiar desse modelo de negócios.
Risco de calote - Segundo Daniel Dias, professor de Direito do Consumidor da FGV Direito/Rio, com a suspensão dos pacotes flexíveis pela Senacon, o Hurb pode alegar que a mudança impacta o seu fluxo de caixa, de modo que se torne inviável honrar os compromissos com os consumidores.
— Não deveria impactar quem já fechou pacotes. Mas, como a medida afeta o fluxo de caixa da companhia, pode abrir espaço para uma alegação oportunista da empresa. O Hurb pode alegar que foi surpreendido com a decisão e que não pode honrar os seus contratos — disse o especialista.
No entanto, Dias explica que a decisão da Senacon considerou justamente a incapacidade da empresa de garantir esses pacotes, em que se paga antes de marcar a viagem. Para especialistas, o modelo não oferece garantias suficientes.
Em grande parte das vezes, o consumidor sequer é informado sobre quais empresas estão responsáveis pelos serviços de voo e hotelaria. Sem essa informação, não há como responsabilizar hotéis ou empresas aéreas caso o Hurb não cumpra o pacote.
Segundo a decisão da Senacon, o plano de reestruturação entregue pela Hurb não demonstra que a empresa consegue garantir financeiramente a realização de viagens futuras. Aliás, não houve garantia sequer aos pacotes já comercializados.
— Para a empresa se isentar de cumprir seus compromissos com os consumidores, ela precisa comprovar que não contribuiu para esse fato, mas o próprio fundamento da decisão da Senacon é que a empresa não demonstrou capacidade financeira — disse Dias.
O que diz a Hurb - Como a decisão não é retroativa, quem já comprou não terá os seus pacotes suspensos. Dias adverte que deixar de pagar o que já foi contratado não é uma boa alternativa, a não ser que o consumidor consiga demonstrar que a empresa não está cumprindo com o acordado.
— Você pode se antecipar ao ver que a empresa não vai honrar com a prestação do serviço, mas você tem o ônus de comprovar isso. Ou seja, a pessoa precisa comprovar que ainda não houve emissão de voucher, por exemplo, ou que tantos pacotes não foram honrados em determinado período recente — concluiu o professor.
A Hurb ressaltou que continua oferecendo aos seus clientes pacotes de data garantida, que atendem aos viajantes que buscam opções com data de ida e volta estabelecidas no momento da compra, além de hospedagens, passeios e serviços acessórios para complementar a viagem.