Política

De Vargas a Bolsonaro, presidentes se colam à imagem da seleção

Folhapress | 08/06/19 - 18h36
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Presente na partida da seleção contra o Qatar, na quarta-feira (5), em Brasília, Jair Bolsonaro (PSL) repetiu uma prática que virou comum aos presidentes da República. Getúlio Vargas já havia percebido o poder do futebol na época do Estado Novo (1937-1945), e boa parte de seus sucessores procurou se atrelar de alguma forma ao esporte mais popular do país.

"O interesse maior deles [políticos]é valer-se da popularidade que esse esporte tomou no Brasil, da concretude que 11 homens vestidos com as cores do país dão à ideia de nação e, sobretudo, do sucesso esportivo obtido pela seleção brasileira em competições, em especial a Copa", diz o historiador social Marcel Diego Tonini.

Vargas foi o primeiro a fazer disso uma estratégia. Houve presidentes anteriores a ele ligados de alguma forma ao futebol, mas o gaúcho efetivamente usou o esporte como uma das plataformas na "formação da grande nação brasileira", como observa Maurício da Silva Drummond Costa, em texto publicado no livro "Memória Social dos Esportes".

Getúlio viu na Copa de 1938, a primeira transmitida por rádio no país, uma oportunidade. Prometeu uma alta subvenção às despesas da delegação na Europa e fez de sua filha, Alzira, madrinha da equipe nacional, sempre presente em fotos com os jogadores, entre eles o craque da época, Leônidas da Silva.

O Brasil não ganhou, mas o engajamento da população no Mundial mostrou que o futebol era mesmo um filão a ser explorado politicamente. Quando veio o título, em 1958, na Suécia, já estava claro que o presidente do país não poderia perder a oportunidade de pegar carona no sucesso do escrete.

Juscelino Kubitschek (1956-1961) tem uma imagem célebre na qual aparece ouvindo a final daquela Copa, conquistada com vitória por 5 a 2 sobre os donos da casa, em um grande aparelho de rádio. Durante a filmagem, ele chega a pedir silêncio para acompanhar o jogo com atenção. Na volta dos atletas, ele inaugurou a tradição de os campeões serem recebidos pelo presidente.

O ritual foi mantido por João Goulart (1961-1964), que recebeu Mauro Ramos de Oliveira, Bellini e a taça após o triunfo no Chile, em 1962. Derrubado pelo golpe de 1964, Jango viu os militares levarem a estratégia a novo patamar, especialmente quando Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) esteve na presidência.

O gaúcho, que se dizia gremista no Rio Grande do Sul e flamenguista no Rio de Janeiro, gostava de se colocar como um apaixonado pelo futebol e frequentar o Maracanã com seu radinho de pilha. Em um momento agudo da ditadura, procurou atrelar o governo ao sucesso da equipe verde-amarela e chegou a dar pitacos na escalação, pedindo a convocação de Dadá Maravilha.

"O presidente e eu temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos, gremistas, gostamos de futebol. Nem escalo ministério nem ele escala o time", disse o técnico João Saldanha, opositor do regime militar. Foi substituído por Zagallo, que convocou Dadá, conquistou o tri em 1970, no México, e colocou a seleção nos braços de Médici.

O general posou alegremente ao lado dos campeões e fez parte de uma foto histórica, segurando a taça Jules Rimet com Pelé. Dois dias após a final, os jogadores almoçaram com o presidente no Palácio da Alvorada e ganharam uma caderneta de poupança com um depósito inicial de 25 mil cruzeiros para cada um.

Ainda naquele ano, Pelé foi enviado ao México para inaugurar a Plaza Brasil e escreveu carta a Médici, agradecendo por ter sido escolhido para a "honrosa missão de representar esse ilustre Governo e nossa querida Pátria". "Se aceitei, foi porque me senti sumamente honrado em representar tanto V.Excia. Como a todos os meus queridos irmãos brasileiros", disse o camisa 10.

Como se vê, a proximidade com a estrela do time continuou configurando parte importante do roteiro a ser seguido. O problema para Jair Bolsonaro é que Neymar, que vem de uma Copa do Mundo ruim e enfrenta uma acusação de estupro, não goza do prestígio que tinha Pelé há quase 50 anos.

Em 1994, foi a vez de Itamar Franco (1992-1994) recepcionar os tetracampeões em Brasília e tirar proveito à sua maneira. No Palácio do Planalto, um carro de som aproveitava a chegada da seleção para divulgar o Plano Real. O locutor, segundo a reportagem da Folha na época, "a todo momento, dava explicações sobre a nova moeda do país".

Coube a Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) receber os pentacampeões de 2002. Condecorou os 23 atletas e se divertiu com as atrapalhadas cambalhotas de Vampeta, volante vestido com a camisa do Corinthians, na rampa do palácio.

Seu sucessor, Lula (2003-2010) não teve um título mundial para comemorar, mas se manteve perto do futebol. Sempre ligado ao Corinthians, clube do qual era conselheiro e cujo estádio ajudou a construir, também esteve conectado à seleção e foi decisivo na marcação de um amistoso no Haiti, que recebia missão de paz brasileira.

O pequeno país da América Central vivia situação econômica e social muito difícil, e a seleção local era praticamente inexistente. A partida, chamada de "jogo da paz", só fazia sentido humanitário, não exatamente esportivo, e o presidente chegou a pedir que os atletas brasileiros, que haviam acabado de conquistar a Copa América de 2004, pegassem leve.

Menos alegre foi a incursão no esporte daquela que o sucedeu, Dilma Rousseff (2011-2016). Como chefe de Estado, ela teve a responsabilidade de participar das cerimônias de abertura da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014, ambas realizadas em solo brasileiro.

Em um momento que já era de crise em seu governo, a mineira foi bastante vaiada no estádio Mané Garrincha, em Brasília, a ponto de o então presidente da Fifa, Joseph Blatter, perguntar ao público: "Onde está o respeito e o fair play, por favor?". Uma constrangida Dilma se limitou a dizer: "Declaro oficialmente aberta a Copa das Confederações Fifa 2013".

Bolsonaro, no mesmo Mané Garrincha em que Dilma foi hostilizada, preferiu a discrição. Seu nome não foi anunciado no placar, e ele teve contato apenas com torcedores mais próximos de seu camarote. Foi nas redes sociais que ele procurou se atrelar à seleção e a seu principal jogador, publicando foto da visita a Neymar no hospital.

Vargas, Kubitschek e Médici, claro, não podiam usar o Twitter, mas o conceito é o mesmo.